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A desordem em Santa Teresa sem bondes   

Acidente que resultou em morte é fruto do descaso da prefeitura e do governo

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As ruas do bairro de Santa Teresa, no Centro do Rio, sofrem as consequências da ausência de quase dois anos dos seus tradicionais bondes e da falta de fiscalização do poder público. A circulação e o estacionamento de veículos aumentaram significativamente e os ônibus que trafegam pelo local simplesmente não conseguem transitar pelas vias estreitas com segurança.

“O bonde [de responsabilidade do governo do Rio e retirado de circulação após o acidente de  2011, que deixou cinco mortos] era um elemento que regulava o trânsito, porque impunha um limite da velocidade dos automóveis e de estacionamentos para eles. Isso ficou uma coisa calamitosa. Não existe mais calçada para pedestres. Como o bonde passava muito próximo delas, era impossível parar o carro nas calçadas e em outros locais. Agora, o eixo principal do bairro é totalmente ocupado por carros, obrigando inclusive que os pedestres andem no meio da rua”, como afirmou o morador de Santa Teresa há 35 anos, Hylton Sarcinelli Luz.

Um acidente com o ônibus 007, da Transurb, que faz o trajeto Castelo-Hospital São Silvestre, ocorrido por volta das 23h do último sábado (1 de junho), na Rua Almirante Alexandrino, na altura do Largo do Guimarães – na pista da direita, de descida –, que resultou na morte de Sônia Amaral, de 60 anos, reafirma o fato de que "nem os motoristas estão preparados para a desordem que impera no bairro”, queixa-se Hylton.

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Passageira diz que ônibus estava em alta velocidade e tinha carros na calçada

Mariana Fausto estava no ônibus 007, que atropelou uma vítima. Ela relatou irregularidades que puderam contribuir com a ocorrência do acidente. “O motorista descia em alta velocidade e aquele trecho da rua é muito estreito. Do lado esquerdo, havia carros parados em cima da calçada, na curva, em local proibido. Um absurdo, que diminuiu ainda mais o espaço. Na calçada da direita, mínima, a vítima estava com duas amigas, justamente na parte mais estreita da calçada, e foi prensada no muro pelo ônibus, caindo inconsciente. Nós, passageiros, só ouvimos um barulho forte, e em seguida uma mulher veio correndo, gritando atrás do ônibus, que seguia em velocidade e nós também começamos a gritar para que o motorista parasse. Foi quando finalmente ele estacionou a uns 20 metros do acidente e foi prestar socorro”, conta ela.

Ainda de acordo com a moça, o Samu e os bombeiros foram prontamente acionados, mas a ambulância teria levado quase 30 minutos para chegar, o que foi tarde demais para a mulher atropelada. “O motorista foi levado na viatura após os bombeiros terem atestado a morte [da vítima]. O carro, ilegalmente estacionado, continuou na calçada, sem nenhum tipo de multa”, completou a passageira.

Para Débora Lerrer, que reside no bairro, “o risco de quem circula por Santa Teresa ou de quem utiliza os ônibus é diário”. “Moro no bairro desde 2004 e sempre evitei andar de ônibus. Apesar da falta de manutenção dos bondes, me sentia mais segura com os motorneiros do que com os motoristas de ônibus. Não vou falar que todos são assim, mas a maioria sim. E sem os bondes, a situação piorou porque quem não tem carro, fica sem alternativa. Eu quase já fui atropelada uma três vezes. Sabe por quê? Porque os ônibus sobem na calçada. E não há fiscalização. É uma omissão completa do poder público”, critica a moradora.

“O mundo não é só economia, há cidadãos aqui”, diz morador sobre turismo no bairro

De acordo com Hylton Sarcinelli, a circulação de pessoas e de automóveis “aumenta muito” no fim de semana, quando os turistas sobem a região, o que torna a situação “grave”. “Já existe uma carência muito antiga em Santa Teresa. Muitas casas não têm garagem, há poucos edifícios. O estacionamento é um problema crônico do bairro que se agrava no fim de semana quando o turismo aumenta com os serviços de bar e festas. Quem recebe os turistas não se preocupa com a qualidade de vida de quem vê o tempo passar mais lentamente, e sim com o lucro, assim como os órgãos públicos, mas o mundo não é só economia. Estamos falando de pessoas. Há cidadãos aqui”, declara.

O morador também se preocupa com os novos bondes, ao avaliar que “um transporte que era originalmente coletivo, público, que servia ao bairro, pode se transformar em mais um veículo para o turismo”.

“Nós temos uma proposta que é totalmente adversa a do Governo do Estado. O projeto do bonde fechado deixa de transportar quarenta e poucas pessoas, para levar agora 25. Nós concordamos que ninguém precisa viajar pendurado e nem em pé, mas sabemos que o bonde vai lotar na Cinelândia e só vai esvaziar no Corcovado. Ou seja, servirá às pessoas que virão ao Corcovado e continuará sem atender a população, apesar de ser o meio mais adequado para circular em Santa Teresa”, conclui Hylton.

Como já informado, a inativação e retirada dos bondes ocorreu em 2011, quando um acidente deixou cinco mortos. A composição, sem manutenção adequada, teria ficado fora de controle e perdido o freio na ladeira da Rua Joaquim Murtinho. Antes disso, um turista francês caiu do bonde em 24 de junho do mesmo ano. Já em 2009, uma professora de 29 anos foi atropelada por um dos bondes, que desceu a ladeira descontrolado. O acidente levantou dúvidas sobre a eficiência dos sistemas de freio regular e de emergência dos bondes.

Em nota, a Guarda Municipal (GM) do Rio informa: "Santa Teresa está incluída na área de atuação do 1º Grupamento Especial de Trânsito (Centro e Zona Sul) e conta com patrulhamento permanente, realizado por guardas de trânsito em horários imprevistos para coibir as irregularidades do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Neste ano, a GM-Rio aplicou 226 multas no bairro. A GM conta ainda com a colaboração da população na observância das normas de circulação e das orientações do CTB para garantir um trânsito mais ordenado e, consequentemente, mais seguro e também para que haja um incidência menor de aplicação de multas. (...) As solicitações e denúncias devem ser encaminhadas pela Central de Teleatendimento da Prefeitura do Rio, através do telefone 1746, que funciona 24h".

Já a CET-Rio e as secretarias municipal e estadual de Transportes não quiseram se pronunciar sobre os problemas apontados pelo Jornal do Brasil.