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Para professores, agressões nas escolas são reflexos da violência social

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Professores do Rio de Janeiro relatam que agressões verbais entre alunos e contra professores são rotina nas escolas da cidade. Para eles, o ambiente familiar e o ambiente social fora da escola, quando violentos, acabam influenciando de forma efetiva o comportamento dos alunos dentro das salas de aula. 

Na última quinta-feira (4), uma professora de um colégio estadual em Piraquara, região metropolitana de Curitiba levou 16 facadas de um aluno, depois que os pais deste foram chamados para uma reunião. O caso chamou atenção pela brutalidade e levantou a questão da violência escolar. O Brasil lidera um ranking feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)  de violência contra professores.  Na enquete, 12,5% dos professores ouvidos no Brasil disseram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana.

>>Brasil lidera ranking de violência contra professores

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Ivanete Conceição da Silva é professora e coordenadora do Sindicato dos Professores (Sepe) de Caxias e do Rio. Ela diz que é importante frisar que a violência, especialmente a física não é da natureza dos alunos, nem dos professores, mas que os casos acontecem de forma recorrente. Ela vê uma relação direta entre a violência que crianças e adolescentes enfrentam dentro de casa e nos meios sociais fora da escola.

 “A violência da cidade acaba se reproduzindo dentro da escola, muitas vezes sendo um reflexo do entorno, de como a cidade está sendo organizada", diz ela, que vê uma reprodução da violência especialmente de crianças e adolescentes que vivem em "Locais vulneráveis, onde faltam políticas públicas voltadas para a juventude, espaços culturais e esportivos onde essas crianças e adolescentes vivem uma repressão constante: seja pelo tráfico, pela milícia ou pela própria polícia”, comenta a professora.  “Crianças que moram em áreas ocupadas pela polícia ou pelo tráfico sofrem uma violência diária e uma pressão psicológica que afeta seu comportamento”,completa. 

Luciane Albuquerque acabou de se aposentar, depois de 37 anos trabalhando na rede pública de ensino no Rio de Janeiro. Ela também vê essa relação: “Temos uma sociedade que tem resquícios de violência por todo o lado. Violência dentro das famílias, por exemplo, onde quando você chama o responsável de uma criança que está sendo agressiva, você vê que ela somente reproduz o papel que os pais representam dentro da casa. Sem contar a violência das favelas, dos traficantes e do próprio estado, representando pela polícia que desrespeita os cidadãos, invadem as casas, falam com agressividade o tempo todo”, comenta a professora.

Ela diz que a violência verbal é naturalizada no ambiente escolar. “Se existe algum conflito mínimo,como pedir para o aluno tirar o fone de ouvido ou parar de falar no celular, isso é motivo para ser xingado, para ouvir palavras de baixo calão”, diz. 

As duas concordam que a escola fica sobrecarregada tentando trazer a resolução de conflitos de forma pacífica. “As escolas procuram estabelecer uma relação com a comunidade e diretamente com os alunos, tentando entender os fatores externos a escola e trabalhar de forma pedagógica”, diz Ivanete. Luciane completa dizendo que praticamente todas as escolas tem algum projeto que trate do tema "do contrário seria impossível dar aula". 

Para Adriana Araujo Bini, coordenadora técnica da Ong Não Violência- lição de paz nas escolas, o que acontece de forma mais comum é uma violência simbólica das relações humanas, que acontecem não só na escola, mas em toda a sociedade. Ela ainda ressalta como algumas violências não são vistas como tais: o preconceito, a discriminação, o racismo. “Nesse sentido não necessariamente parte dos alunos para os professores, mas de todos para todos. É uma violência que  a gente pode prevenir e  se tivermos atentos e disponíveis para construir relações mais pacíficas nas escolas”, comenta.

“O conflito é parte das relações, são naturais. A maneira como resolvemos os conflitos podem gerar violência e isso que é ruim”, diz. Ela diz que a omissão também é uma violência e que é resultado da falta de diálogo. Para ela, não se deve culpar o aluno e vitimizar o professor, mas empoderar os profissionais e qualifica-los para conseguir lidar com as situações de conflito.

Ela comenta medidas pedagógicas que são usadas para tentar inserir o aluno na questão da não violência. “Nós discriminamos, somos preconceituosos, agressivos. Numa situação de conflito o professor age de forma violenta, não aceitando a divergência, que aquilo pode ser resolvida de forma pacifica. Nosso trabalho é dar cursos de capacitação para educadores. Temos metodologias simples de resolução de conflitos. Como ter, em sala de aula, ou na escola, um canto de resolução pacifica de conflitos com professores e alunos sendo mediadores de problemas. Também se trabalha com acordos coletivos feito pelos alunos, com regras que eles assinam embaixo e podem ser questionadas e discutidas”, completa ela.

O papel do Estado

Uma das questões mencionadas pelos professores é a falta de apoio das secretarias de educação nesses aspectos. Marta Moraes, que também é coordenadora do Sepe diz que falta estrutura nas escolas públicas para lidar com os problemas.“Os professores se veem como mediadores de todos os conflitos sem nenhuma infraestrutura, sem nenhum preparo. Ele se vê em uma turma superlotada, com poucos inspetores de alunos, tendo que apartar brigas e desentendimentos. 

Efetivamente, a falta de inspetores é um problema grave na rede”, explica.  “Muitas vezes, as famílias tem dificuldade em acompanhar os filhos e você tem um professor que, além de exercer a função pedagógica, é psicólogo do pai e da mãe das crianças e dos alunos. É realmente uma sobrecarga de trabalho nesse processo de atendimento do aluno e de organização da escola”, critica. 

O descaso pode ser percebido facilmente. Após a divulgação da pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na última quinta-feira (28),que revela que o Brasil lidera o ranking de violência em escolas, o Jornal do Brasil  procurou os governos municipal, estadual e federal para ouvir esclarecimentos. 

>>Violência na escola: MEC e secretarias de educação não comentam pesquisa

As respostas foram burocráticas e evasivas.O Ministério da Educação (MEC) disse apenas que "esse assunto deve ser tratado com as secretarias de educação estaduais e municipais, no âmbito da autonomia de cada rede". A Secretaria de Estado de Educação (Seeduc), por meio de nota, disse que "não tem conhecimento do número de professores da rede que participou deste levantamento, portanto, não será possível comentar a pesquisar".

*Do programa de Estágio do JB