O acerto entre Túlio Maravilha e o Bonsucesso, clube recém-promovido à Primeira Divisão do estadual, pegou o futebol carioca de surpresa e trouxe o simpático time da Leopoldina, antes esquecido pela mídia, de novo para os holofotes. Túlio chegou com o bom humor de sempre, anunciando que "o Rei do Rio voltou". O artilheiro tinha um objetivo ousado: marcar cerca de 20 gols e ajudar a equipe a vencer a Copa Rio, competição que dá vagas para o Campeonato Brasileiro da Série D e a Copa do Brasil. O milésimo gol - ele está hoje com 973 - ele guarda para marcar pelo clube que o consagrou: o Botafogo.
Em paralelo com a competição, a equipe vem realizando amistosos. Além de ajudar o experiente atacante de 42 anos a alcançar a marca histórica, o que se tornou uma obsessão pessoal, as partidas servem para o clube testar jovens jogadores, que participam de uma espécie de “Big Brother” para conseguir uma vaga no elenco que disputará o próximo Cariocão.
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Túlio recebeu a equipe do Jornal do Brasil após um desses jogos, numa quarta-feira. No lugar da alegria de sempre, o atacante exibia um semblante sério, justificado pela derrota de 1 a 0 para o Ceres, pequeno clube da Zona Oeste do Rio, e pela falta de oportunidades de gol - ele teve apenas uma chance clara, mas o goleiro rival fez um verdadeiro milagre após uma cabeçada potente. No entanto, ao longo da conversa, a irreverência característica voltou a aparecer.
Volta ao Rio de Janeiro
Jornal do Brasil: Depois de tanto tempo jogando no interior do Brasil, especialmente no Centro-Oeste, o que o motivou a voltar ao Rio de Janeiro?
Túlio Maravilha: Foi o projeto do milésimo gol, foi isso que me motivou a voltar para o Rio. Para isso, tive que me licenciar da câmara municipal de Goiânia, onde sou vereador (Túlio foi o terceiro mais votado nas eleições de 2008, com cerca de 10 mil votos). E agora estou integrado 24 horas por dia ao futebol. O Rio é minha cara, onde me consagrei para o futebol brasileiro e mundial. É aqui que vou encerrar minha carreira, em 2012, pelo Botafogo.
JB: Você já foi artilheiro do Campeonato Carioca três vezes, uma delas pelo Volta Redonda, em 2004. Será que dá para beliscar mais uma em 2012?
TM: Meu objetivo é fazer o milésimo gol no Carioca, mas, se eu tiver condições e o pessoal vacilar, eu posso ser artilheiro do Carioca novamente, aos 42 anos. Seria mais um feito para minha carreira. Mas eu quero mesmo fazer o milésimo gol e terminar a carreira como campeão carioca pelo Botafogo.
Luta pelo milésimo gol
JB: Quando na sua vida você parou e pensou: "Quero fazer mil gols"? Foi depois de ver o Romário, um antigo rival, chegar a essa marca?
TM: Não, foi em 1999, quando eu fiz o gol 500 pelo Cruzeiro. Eu estava com 30 anos e imaginei que poderia chegar a essa marca dez anos depois, aos 40. Errei, né? Era para ter alcançado a marca em 2009. Mas não tem problema, três anos para lá ou para cá não fazem muita diferença (risos)!
JB: Você projeta fazer o milésimo gol no ano que vem, já aos 42 anos. Você pensa em parar sem chegar a essa marca, se algo der errado?
TM: De forma nenhuma. A gente vai fazer esse gol aí, nem que seja até o fim do ano. Eu sou brasileiro e não desisto nunca. Eu vou lutar muito e chegar a essa marca, com a ajuda dos meus companheiros. Deus vai me dar saúde e me ajudar a conseguir.
JB: Quando o Romário começou a luta para chegar ao milésimo, muita gente debochou dele, questionando a contagem de gols e os jogos que ele organizou na época. Agora fazem o mesmo com você, dizendo que já deveria ter se aposentado, que está se humilhando jogando em campeonatos semiprofissionais e até que inventa gols. Como você lida com essas críticas?
TM: Isso é uma coisa sincera para mim, não é por vaidade. É um objetivo que coloquei na minha carreira. Nem Jesus Cristo agradou a todos, quem sou eu para poder agradar? Questionaram Pelé, Romário, Friedenreich (primeiro ídolo do futebol brasileiro) e tantos outros. Mas, a cada gol que eu faço, vou calando esses críticos aos pouquinhos. O importante é que a torcida acredita em mim, os dirigentes aqui do Bonsucesso também e principalmente a diretoria do Botafogo.
Botafogo
JB: Hoje em dia, mesmo não estando no Botafogo como jogador, você participa ativamente das ações de marketing do clube, como o Feijão do Fogão (almoços realizados em diversas cidades do país com a participação de ídolos e jogadores alvinegros) e o Incêndio (programa de WebTV apresentado por Túlio). Há no Brasil poucos ídolos com uma relação tão próxima com seu clube quanto você com o Botafogo. A que você atribui isso, além de seu desempenho dentro de campo?
TM: Isso se deve ao título de 1995, que até hoje é comemorado. E também aos meus gols, a minha irreverência, à pessoa que eu sou e sempre fui. Assim como é o Rogério Ceni no São Paulo, o Marcos no Palmeiras... Eu tenho essa identificação com o Botafogo também. Por isso, meu grande arrependimento na carreira foi ter saído do Botafogo. Se pudesse voltar atrás, jogaria no Botafogo dez ou vinte anos. Gostaria de ser o maior artilheiro da história do Botafogo.
JB: E certamente teria conquistado mais títulos, né?
TM: Verdade. Se eu tivesse continuado teria muito mais títulos e poderia ter disputado uma Copa do Mundo pela Seleção Brasileira. Mas a gente não tem bola de cristal, né? O importante é que eu reconheci o erro e estou voltando para fazer o milésimo e encerrar a carreira no meu clube do coração.
JB: Você tem contato com os jogadores do Botafogo nessa campanha do Brasileirão? Já teve a chance de passar alguma experiência, já que você era o grande ídolo do último time campeão brasileiro pelo clube?
TM: Eu tive mais contato, nesse grupo, com o Maicosuel e o Loco Abreu. A gente tenta passar a nossa experiência sempre que pode.
JB: Por falar em Loco Abreu, é impossível não compará-lo com você. Ambos são artilheiros, extremamente carismáticos, dão declarações polêmicas que a torcida adora. Como você vê a trajetória do Loco no Botafogo?
TM: Ele é essa grande referência, estávamos precisando de um jogador assim. Espero que a estrela dele possa brilhar nessa reta final do campeonato, juntamente com o Maicosuel e o Elkeson. Nesse ano o Botafogo tem o elenco que faltou em 2010. Tenho certeza que vamos conseguir pelo menos uma vaga na Libertadores dessa vez. Eu torço para que o Loco possa fazer muitos gols e nos dar esse título tão aguardado, para entrar de vez na galeria de ídolos do clube.
Vida após a aposentadoria
JB: Vamos falar um pouquinho de política. Você pensa em se candidatar aqui no Rio, aproveitando a popularidade que tem com a torcida do Botafogo?
TM: Não, no momento agora [o foco] é só futebol: só o projeto do milésimo gol e ajudar o Bonsucesso a fazer uma grande campanha na Copa Rio. Depois que eu me aposentar, vou avaliar que rumo vai tomar minha vida: se vou continuar na carreira política, continuar no futebol como dirigente, virar comentarista... Deixo o futuro nas mãos de Deus.
JB: E sobre ser dirigente... Você já teve alguma proposta da diretoria do Botafogo para trabalhar no clube depois de se aposentar?
TM: Não tive nenhuma conversa nesse sentido ainda. Ainda sou jogador atuante. Só depois que eu encerrar a carreira, fazer aquele jogo de despedida, é que vou pensar nisso.
JB: A gente vê muitos jogadores que vão ficando mais velhos e resolvem parar enquanto ainda têm espaço em times grandes. Outros jogam em pequenos, mas têm dificuldade de se adaptar a estruturas ruins, falta de torcida e outros problemas. Você já está há muito tempo atuando por clubes pequenos pelo interior do país e, por onde passa, sua conduta é elogiada. Qual é o segredo para lidar com realidades tão distintas?
TM: O segredo vem do meu pai, que deu esse grande exemplo para mim pela sua simplicidade, humildade. É um cara super tranquilo, na dele... Não é à toa que é geminiano como eu, né? Essa educação que ele me deu eu carrego para o resto da minha vida. Não importa se é Seleção Brasileira, Série A ou Quinta Divisão. Estádio grande ou pequeno. O importante é o amor à profissão, o respeito ao ser humano. Isso eu sempre vou carregar comigo, independentemente de estar no auge ou não.