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O FBI de Hoover renasceu por aqui

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Em 26 de abril, logo após a demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública, por não concordar com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de intervir na Polícia Federal, demitindo o então diretor geral Maurício Valeixo, para substituí-lo pelo policial Alexandre Ramagem, sem a concordância do ministro, escrevi aqui no JB o artigo “Qual o modelo do FBI para a nossa PF?”.

Contei um pouco da história do Federal Bureau of Investigation, que nasceu em 1932, no governo do presidente Hoover, tendo sido escolhido para presidir o FBI o funcionário J. Edgar Hoover, que já tinha feito um bom trabalho de organização do Bureau of Investigation. Mas J. Edgard Hoover, que ficou mais de 40 anos na polícia federal americana, sobrevivendo a presidentes dos mais diversos partidos - como Roosevelt, do Partido Democrata, e seu vice, Harry Truman, o republicano Eisenhower, o democrata John F. Kennedy, sucedido pelo vice, Lyndon B. Johnson, e Richard Nixon (quando deixou o Bureau em 1972, antes de Nixon ser dedurado pelo vice-chefe do FBI, o “garganta profunda”, por ter ordenado e acobertado a invasão do escritório do Partido Democrata, no edifício Wattergate, em Washington, que o levou à renúncia).

Há quem diga que se J. Edgar Hoover estivesse ainda à frente do FBI o caso poderia ter sido abafado. É difícil saber. Hoover virou um monstro intocado, temido até por presidentes, pelas investigações que conduziu, mediante escutas telefônicas (nem sempre legais) e chantagem com políticos, empresários, jornalistas e artistas. Carreiras em Hollywood podiam ser destruídas com um dossiê que o poderoso do FBI mostrava aos chefões dos estúdios.

Alguns anos mais tarde, seus dossiês alimentaram as acusações do caçador de comunistas, o senador republicano por Wisconsin, Joseph Mcarthy. Era o auge da paranoia do perigo vermelho vindo da União Soviética, iniciada na “Guerra Fria”, depois da Segunda-Guerra, que teve seu auge na história americana de 1950 a 1957. Carreiras foram interrompidas em Hollywood e uma das maiores vítimas foi Charles Chaplin. Sim, o gênio que satirizou Hitler em ”O Grande Ditador” foi acusado de atividades antiamericanas e passou o fim da vida exilado na Suíça. Muitas décadas depois, a Academia do Cinema o homenageou pelo conjunto da obra, mas nada podia apagar as agruras na alma de “Carlitos”.

Os Estados Unidos de Donald Trump tentam ressuscitar a “Guerra Fria”, tendo agora a China como o “perigo vermelho”que ameaça a hegemonia econômica americana. E o inimigo principal, que foi alimentado desde os anos 70 pelo reatamento das relações diplomáticas comandadas pelo insuspeito Richard Nixon, encorpou sua economia justamente quando as multinacionais americanas, europeias, japonesas e coreanas decidiram transferir seus centros de produção para o território chinês, em busca de mão de obra e custos tributários e operacionais baratos e fortíssimos ganhos de escala.

Um dos subprodutos da musculatura chinesa, que se tornou líder em produção de aço e automóveis, foi o avanço na tecnologia. Não apenas por grandes empresas americanas, como a Apple, que vale mais de US$ 2 trilhões e instalou seu centro fabril na China (enquanto a concepção e o desenvolvimento seguem no Vale do Silício), ou da Motorola, absorvida pela chinesa Lenovo. A maior expressão é a chinesa Huawey, que assumiu a dianteira na tecnologia 5G.

Diante da ameaça de perder de vez a dianteira na tecnologia da informação (que veio antes com a compra da IBM pelos chineses, em 2005), a administração Trump tenta aliciar outras nações contra um plano chinês de dominar o mundo pelas “nuvens” da internet, via Banda G. A insuspeita revista “The Economist” traz uma extensa reportagem na edição desta semana sobre o desafio da tecnologia 5G. A Europa, que já usa muita tecnologia chinesa da Huawey em suas redes de telefonia móveis e fibras óticas, está dividida. O Reino Unido já tinha tecnologia da Huawey até em sistemas das Forças Armadas, mas está voltando a negociar os próximos lances por pressão de Trump.

A Europa continental, sobretudo a França, que, desde De Gaulle, nunca confiou nos americanos (que deram um calote, com Nixon, no padrão-ouro definido no Acordo de Bretton Woods) quer independência, assim como a Alemanha, de Angela Merkel. Mas os concorrentes da Huawey, a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia têm tecnologia mais atrasada que a da Huawey. E padecem de um problema que é também do Brasil: as operadoras de telefonia europeia (Telefônica de Espanha, a italiana TIM, a Deutsch Telekom e a francesa Vivendi) não contavam com exuberância de capital antes mesmo da pandemia da Covid-19.

O Brasil de Jair Bolsonaro se alinhou 100% aos Estados Unidos. Não aos Estados Unidos da América, mas aos USA de Donald Trump, do ”America Fisrt”. Que pode perder a reeleição para o democrata Joe Binden. Será que vale a pena continuar alinhado a Trump?

O pior é que os métodos de J. Edgar Hoover e de Trump, de intimidar os adversários com dossiês que hoje turbinam um festival de “fake news”, produzidas para desmoralizar opositores, viraram padrão para o bolsonarismo. Os instrumentos de operação e defesa do Estado – que não pertencem aos governos, temporários na democracia (no Brasil e nos EUA), infelizmente, estão sendo usados no mais nefasto modelo do FBI de Hoover. Quando Bolsonaro forçou a saída de Sérgio Moro, não removeu apenas um obstáculo que impedia a interferência na PF para que a família Bolsonaro e seus amigos fossem informados, previamente, de ações policiais e/ou do Ministério Público contra eles. Algo como o que vazou para Flávio Bolsonaro entre o primeiro e o segundo turno de 2018, quando imediatamente demitiu Fabrício Queiroz de seu gabinete na Alerj, enquanto a filha de Queiroz, lotada no gabinete de Jair Bolsonaro, em Brasília, mas que dava expediente como “personal trainner” no Rio, e como caseira em uma das casas do então deputado federal em Angra dos Reis, era simultaneamente afastada.

A escalada do uso da máquina pública foi de estarrecer. O Ministério da Justiça atuou como advogado dos Bolsonaros (num “by pass” ao notório Wassef). A AGU, a PF, a Abin e a PGR, à frente o procurador Augusto Aras, também se apequenaram. As próprias Forças Armadas quase se desviaram do seu curso natural, insufladas por “pareceres jurídicos” semelhantes aos que produziam nos tempos da ditadura os ministros da Justiça Gama e Silva e Alfredo Buzaid, para justificar atos autoritários.

O dossiê contra os antifascistas incrustados na máquina pública é uma pérola da “guerra fria”, como se o perigo vermelho estivesse desembarcando em nossas praias, como o petróleo derramado no litoral do Nordeste e que um ano depois nem Abin, nem Polícia Federal, nem Forças Armadas, com uso de satélite, foram capazes de desvendar. A prática dos métodos nos tempos da ditadura indica as pistas de sempre: se saiu algo nos jornais (plantado ou não), segue-se a investigações; do contrário, nada avança.

Em boa hora, o Supremo Tribunal Federal, guardião e intérprete da Constituição de 1988, recolocou a questão nos seus devidos lugares. Como não vivemos sob o fascismo, o nazismo ou o Estado autoritário (de esquerda ou de direita), mas sob o Estado Democrático de Direito, os funcionários públicos concursados nada devem ao Estado além do bom desempenho de suas funções administrativas. E os desvios, como a produção de dossiês, têm de ser punidos. Na democracia é assim. Simples.