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Por Ricardo Salles

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CIDADES INTELIGENTES

Mais emprego e desenvolvimento com infraestrutura inteligente - Portos

O Rio de Janeiro precisa ajudar o Brasil a aumentar o fluxo comercial e esta ação passa pelo porto de Itaguaí que é o segundo do Brasil e o único com condições de receber os maiores e mais modernos navios do mundo

Publicado em 09/07/2023 às 09:00

Alterado em 09/07/2023 às 11:53

As áreas de comércio sempre se desenvolveram mais intensamente que as produtoras. No Rio de Janeiro, um importante centro de comércio nacional, houve uma grande indústria naval e a economia baseava-se no porto. Mais recentemente, Santos tomou a frente e o Rio de Janeiro deixou seu lugar para São Paulo, prejudicando toda a economia nacional pela simples ausência de ações. São Paulo, precisando dar fluxo a sua produção e às necessidades cada vez maiores de produtos importados, cresceu vertiginosamente com a estrutura criada em Santos por empresários de visão além de seu tempo. Está na hora do Rio de Janeiro acordar seu gigante adormecido e ajudar o país a subir alguns degraus.

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Porto de Itaguaí e a centralidade Latino Americana - Imagem gerada do Google Earth (Foto: Ricardo Salles)

O Porto de Itaguaí é responsável pela exportação de 85% do minério de ferro nacional, e embora tenha sido construído para ser um porto de contêiner, por falta de uma política adequada ao desenvolvimento, está subaproveitado. No entanto, é o único complexo portuário que tem a capacidade de ser simultaneamente um Hubport, o maior do Atlântico Sul e Gateway de distribuição interna. Hoje o porto é o único que pode operar grandes navios como os post-panamax, aqueles que transportam mais de 14.000 TEUs (do inglês, unidade equivalente a um container de 20 pés) e tem mais de 360m de comprimento, pois na Ilha da Madeira tem espaço para manobrar vários destes simultaneamente, o que Santos não consegue por conta da largura e calado do único canal. Sua retroárea pode ser muito expandida por contar com o Rio Guandu desaguando no porto, este Rio tem uma largura de 200m e calado suficiente em parte de seu trecho para operar balsas marítimas. Considerando ainda a ligação ao porto do Rio de Janeiro pela BR101 ou pelo Arco Metropolitano, ou ao porto de Santos pela própria BR101 ou pelo complexo ferroviário existente, além do evidente uso da costa marítima para os demais portos do país. O Brasil tem a chave para este jogo mudar e promover um incremento econômico de extrema relevância, trazendo riqueza a todo país.

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Porto de Itaguaí e conexões marítimas - Imagem gerada do Google Earth (Foto: Ricardo SalleS)

Um porto existe para dar fluxo a uma economia ativa, e a infraestrutura deve estar sempre à frente, dando condições para que sejamos competitivos. 90% dos produtos são exportados pelos portos e o transporte é um dos fatores que compõem o valor destes produtos. A questão da burocracia e principalmente a reforma tributária devem ser encaradas de frente, e a simplificação e redução dos impostos vão impulsionar a economia, nos tornando mais competitivos, independentemente do nível cambial.

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ acompanha a movimentação portuária no Brasil e, fechando o ano de 2022, comparou com o ano anterior, mostrando o crescimento do Porto de Itaguaí que já foi quase o dobro do registrado em Santos, que começa sofrer com as limitações estruturais.

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Principais Portos Públicos em Movimentação - 4° Trimestre de 2022 (Foto: SDP. Elaboração GEA/SDS/ANTAQ)

O minério de ferro foi o principal responsável pelo Porto de Itaguaí alcançar o segundo lugar no cenário nacional, mas não para por aí. Itaguaí é atendido pela Malha Regional Sudeste - MRS que opera o trecho e se conecta a outras, viabilizando receber mercadorias das principais produtoras do país e de alguns países latino-americanos.

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Evolução das principais mercadorias movimentadas no 4º trimestre 2021-2022 no Porto de Itaguaí (milhões de toneladas).Evolução das principais mercadorias movimentadas no 4º trimestre 2021-2022 no Porto de Itaguaí (milhões de toneladas) (Foto: SDP. Elaboração GEA/SDS/ANTAQ)

“A tecnologia agregada ao transporte pode trazer ao importador a segurança do produto que está sendo adquirido”, afirma Raphael Kling, um dos maiores especialistas em web3 (nova fase da internet que entenderá suas preferências e entregará adaptações ao seu perfil, com transparência, usando o blockchain). Considerando que parte da produção agropecuária pode ser exportada em container, através do blockchain, o comprador terá a garantia de que aquele produto saiu de uma determinada propriedade rural. Raphael completa que “a inteligência artificial somada a esta tecnologia, que está perfeitamente dominada, agrega valor ao produto, colocando o Brasil em posição de destaque”.

Podemos achar que transportar grão em container é mais caro, só que o transporte tem seu valor aferido no destino. “Considerando o acréscimo no valor pela garantia da procedência e a redução de custo na parte marítima com a nova geração de navios de grande capacidade, o sistema terá um lucro por volta de 20% a mais no destino”, afirma o especialista em transporte Eduardo David. Eduardo realizou vários estudos durante seu pós-doutorado na Alemanha, e entende que esta é uma oportunidade única para o país, que a ação é de simples aplicação e pode ser iniciado ainda este ano.

Em uma segunda etapa, o alteamento em cerca de 1,50m dos 16 túneis que ligam o porto de Itaguaí ao Porto de Santos pela ferrovia possibilitará o transporte destes containers em vagões double stack (contêineres empilhados). A redução do frete marítimo para o comércio com a China, maior parceiro comercial do Brasil, através de contêiner, pode superar 30% por conta da distância. Além disso, como mais de 80% dos contêineres movimentados em Santos têm destino o planalto, haveria redução até mesmo no transporte interno. Portanto, a geografia favorece Itaguaí, e transformar o Porto no maior Hub do Atlântico Sul é sobretudo uma decisão para políticos que têm compromisso com a sociedade.

O aproveitamento do Canal do Rio Guandu é uma tese de Ednei de Oliveira, presidente do Condeports e gestor do projeto conceitual do Complexo Hidroviário dos Jesuítas, no Rio Guandu. Ednei afirma que “a retroárea com a hidrovia aumentará em 35 km, interiorizando o porto, elevando o status de municípios como Queimados (IDHM: 0,68 e PIB per capita R$25mil), Seropédica (IDHM: 0,71 e PIB per capita R$56mil) e Nova Iguaçu (IDHM: 0,71 e PIB per capita R$21mil), como cidades portuárias. O objetivo da hidrovia é a atração de empresas que necessitem de eficiência na produção, recebendo mercadorias, produzindo e escoando produtos com valor agregado através do porto, gerando emprego e renda localmente.

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Ferrovias do Brasil - Malha Ferroviária (Foto: DNIT)

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Principais mercadorias movimentadas nos portos públicos (% de toneladas): Comparação do 4º trimestre 2021/2022 (Foto: SDP. Elaboração GEA/SDS/ANTAQ)

O Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem - BR do Mar, instituído pela Lei nº 14.301, de 7 de janeiro de 2022, tem como objetivo incentivar o transporte por cabotagem, aquele onde os produtos são movimentados pela costa ou mesmo pelos rios, está travado por falta de regulamentação, o que é ruim, pois não há incentivo para que tenhamos um transporte mais eficiente e menos impactante ambientalmente. Por outro lado, é bom que a regulamentação ainda não tenha acontecido, pois há tempo para incorporar novidades. No caso de Itaguaí como Hub do Atlântico Sul, os contêineres procedentes ou destinados à China nos grandes e modernos navios contenedores seriam redistribuídos para os portos limitados através de um sistema inteligente de cabotagem. No final todos sairiam ganhando, até mesmo o Porto de Santos.

Aliviando o transporte de grandes volumes das rodovias, vamos economizar asfalto, pneus, óleos lubrificantes e, por fim, o tão ruim diesel. As balsas marítimas podem ser movidas por energia elétrica ou com gás natural (o Rio de Janeiro é responsável por mais de 70% da produção nacional), ou ainda pelo biometano RSU (lixo), com os resíduos sólidos urbanos gerados no entorno, nos levando a economia circular. A visão além é muito importante na construção de novos cenários, seja para nosso desenvolvimento, seja para redução de nosso impacto no meio ambiente.

Olhando pelo lado do desenvolvimento no estado do Rio de Janeiro, que tem o agronegócio participando com algo em torno de apenas 1,5% do PIB do estado, a chegada de grãos pode melhorar bastante a promoção de várias atividades novas. O Rio de Janeiro é naturalmente um hub de negócios do Brasil, uma referência nacional, e como tal deve estar focado.

Eduardo Rebuzzi destaca que “os demais portos do Rio de Janeiro devem ser considerados, e a logística pensada de forma integrada, olhando portos, aeroportos, ferrovias e rodovias”. Eduardo é presidente do Conselho Empresarial de Logística e Transporte da mais antiga entidade do país, e participou nas discussões que contribuíram para o PELC 2045, que foi estruturado tecnicamente pelo então subsecretário estadual de transportes, Delmo Pinho, em 2016.

Os demais portos do estado, assim como o Porto do Rio de Janeiro, devem estar focados em outras atividades que não venham a competir com Itaguaí. Mais favorecido pela natureza, no turismo o Porto do Rio de Janeiro tem um potencial sem igual na América Latina. Para tal, é necessário o alinhamento de ações com uma coordenação sinérgica entre o poder público e a iniciativa privada.

O grande navio de turismo que chegará em 2024 é movido pelo gás natural, um grande avanço na descarbonização, e este deveria ter um incentivo para atracar no Rio de Janeiro a cidade símbolo da sustentabilidade.

A redução do nosso impacto no meio ambiente passa pelas decisões que tomamos. O desenvolvimento de uma cidade pode ser impactado positivamente quando buscamos negócios sustentáveis. Sabemos que qualquer desenvolvimento carece de energia, seja para produção industrial, seja para desenvolvimento de novas tecnologias, ou mesmo suporte administrativo de organizações, assim devemos nos esforçar em promover os negócios que são sustentáveis e energeticamente eficientes.

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