POLÍTICA
Ex-comandante do Exército barrou desmonte de acampamento golpista em Brasília
Por Gabriel Mansur
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Publicado em 25/09/2023 às 15:56
Alterado em 25/09/2023 às 17:36
General Marco Antônio Freire Gomes Foto: Reprodução
O general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército que ameaçou dar voz de prisão ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) por suposta trama para golpe de Estado, também teria barrado o desmonte do acampamento golpista em frente ao QG de Brasília.
Os episódios ocorreram com um mês de diferença: o "não" às aventuras golpistas em 24 de novembro, segundo delação premiada de Mauro Cid, e o veto à retirada dos "patriotas" no dia 29 de dezembro, conforme informou Marcelo Godoy, do Estadão.
De acordo com a reportagem, Freire Gomes reprimiu o então comandante militar do Planalto, o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, de levar adiante uma operação para retirar os golpistas da frente do Quartel General. Na ocasião, Dutra já havia solicitado reforço da PM do Distrito Federal sem informar Gomes, acreditando que o chefe barraria a iniciativa.
Ao tomar conhecimento da situação na Praça dos Cristais, Gomes telefonou para Dutra, expressando sua indignação e ordenando a retirada imediata de todos os agentes do local. Ele teria explicado a razão de sua ordem: "se houvesse um tumulto, ninguém saberia qual seria a reação de Jair Bolsonaro a dois dias da posse de Luiz Inácio Lula da Silva".
“O Dutra é um irresponsável, um maluco. Mandei cancelar a operação”, teria dito Freire Gomes sobre a ordem do então comandante militar do Planalto.
Os eventos ocorreram enquanto o Alto Comando do Exército (ACE) estava em Brasília para a cerimônia de passagem de comando da Força, que seria no dia seguinte, em 30 de dezembro.
No evento, Gomes entregou o cargo ao general Júlio César Arruda, indicado pelo presidente Lula. Jair Bolsonaro não compareceu à cerimônia e partiu para os Estados Unidos horas depois.
Segundo a reportagem, desde o dia 4 de novembro, logo após a derrota de Bolsonaro nas urnas, quando atos golpistas começaram a surgir pelo país, Dutra defendia que o acampamento fosse desmobilizado, mas nunca teve apoio dos superiores.
As conversas teriam sido testemunhadas pelo chefe de gabinete de Freire Gomes, o general Humberto Montenegro Júnior, e são do conhecimento de outros oficiais.
Nota 'permissionária'
No dia 11 de novembro, uma nota assinada pelo almirante Almir Garnier Santos (Marinha), pelo general Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e pelo tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica), então comandantes das três Forças, condenou "eventuais excessos cometidos em manifestações" de bolsonaristas e criticou "eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos".
"São condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade", diz trecho da nota, que avaliza as violentas manifestações de bolsonaristas, com acampamentos e fechamentos de rodovias pelo país.
"Vai dar merda, comandante”, teria alertado Dutra ao superior, Freire Gomes.
Após a nota conjunta das Forças Armadas, houve aumento das manifestações e o público à frente do QG de Brasília chegou a ser estimado em 100 mil em 15 de novembro. O cenário contava com o silêncio de Bolsonaro.
A posse de Lula se aproximava, quando o comandante militar do Planalto começou a sugerir a Freire Gomes que o acampamento fosse desmontado. O comandante do Exército respondia que não podia tirar as pessoas sem o presidente se manifestar.
A reunião do golpe
No dia 24 de novembro, Freire Gomes participou, segundo a delação do tenente-coronel Cid, de reunião com o presidente Bolsonaro. Nela, Bolsonaro teria consultado os chefes militares sobre uma 'brecha' para dar um golpe, cancelando as eleições.
Garnier, segundo Cid, teria colocado suas tropas à disposição do presidente. Freire Gomes reagiu. Disse – de acordo com a versão de Cid – não ao golpe.
No dia 2 de dezembro, pouco depois da reunião, o coronel Jean Lawand Júnior implorou a Cid por um golpe de Estado.
"Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele (Bolsonaro) dá a ordem, que o povo está com ele, cara. Se os caras (generais) não cumprirem, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses cara não cumprirem a ordem do... do comandante supremo. Como é que eu vou aceitar uma ordem de um general, que não recebeu, que não aceitou a ordem do comandante? Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer. Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder. Ele vai ser preso. O presidente vai ser preso. E pior, na Papuda, cara", escreveu o coronel.
Após o vandalismo do 8 de janeiro, foram presas 1.156 pessoas no acampamento. Foi dali que saíram os vândalos que atacaram a sede da Polícia Federal em 12 de dezembro, dia da diplomação do presidente Lula, bem como os acusados de tentar explodir um caminhão-tanque no aeroporto de Brasília, em 24 de dezembro.
O lugar, nas palavras do secretário executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, era uma “incubadora de planos contra a democracia brasileira”.