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Perimetral: polêmica muito além do caos no trânsito

Especialistas falam da demolição e criticam a falta de diálogo da Prefeitura com a população

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Neste domingo (20) iniciam-se os testes para interdição da Perimetral e abertura da Via Binário, das 8h às 17h. A interdição definitiva do elevado, que aconteceria hoje, acabou sendo postergada para o outro domingo, dia 27, com chances de ser adiada ainda mais. Tudo parte dos preparativos para demolição do elevado que nasceu para favorecer os planos dos agentes de sua época e que agora já não serve para os propósitos dos novos agentes - leia-se empresários, governantes e outros. A demolição, com os seus preparativos e outras obras do plano previsto para revitalizar o Centro, promete provocar um caos no trânsito, como acreditam alguns especialistas. As dores de cabeça de quem tiver que chegar ao Centro do Rio de Janeiro, no entanto, são menos importantes do que o impacto na população local.

Para Orlando Alves dos Santos Junior, doutor em planejamento urbano e regional e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mais importante do que abordar os problemas que serão causados no trânsito é se preocupar com o interesses embutidos no projeto e seu impacto na população do entorno. Orlando lembra que, quando a Perimetral foi projetada, ela traduzia os interesses dos agentes hegemônicos naquele período, de facilitar ou dificultar o acesso das pessoas à área central da cidade. 

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As obras da Avenida Perimetral foram iniciadas em 1958, cinco anos depois do lançamento da pedra fundamental. A obra demorou 20 anos para ser concluída e um dos maiores entraves apontados na época foi a resistência de inquilinos em desocupar alguns dos imóveis do centro cidade, inscritos na área prevista para demolição - da qual faziam parte o Lloyd Brasileiro e o Clube da Aeronáutica. Outros problemas ainda geraram o atraso, como o desconhecimento geológico do subsolo da região; o remanejamento de tráfego em diversos pontos de grande fluxo de trânsito; e a má gestão do orçamento. Na inauguração, o elevado foi considerado a maior obra viária do Rio em extensão e importância. 

As remoções previstas no projeto de agora também geraram problemas. A reação dos agentes do poder público, contudo, parece ter sido mais incisiva, para garantir a realização do projeto que criaram. Com os projetos de preparação da cidade para receber Copa e Olimpíadas, mais de cem mil pessoas já foram removidas ou ameaçadas. Entre as reclamações constam a violação do direito à posse, propostas inadequadas de reassentamento e/ou de indenização, falta de aviso prévio adequado, intimidação e ameaças por parte do poder público. 

"[A Perimetral e o projeto para derrubá-la] são uma nova forma de apropriação de quem tem capacidade de impor determinado projeto ao resto da população. São grandes os interesses econômicos que envolvem aquela área. O novo projeto é resultado de uma discussão democrática? Ele incorpora as pessoas que ali vivem? Qualquer projeto urbano deve envolver a população. Não é realizar uma audiência pública, um anúncio público, mas criar um canal de diálogo com a população. Não vejo isso neste caso. O processo não é democrático, não incorpora a população. A cidade não é uma pessoa que possa ser perguntada sobre qual seria sua vocação. A ausência de debate é bom para os interesses hegemônicos", destaca Orlando. Sob essa perspectiva, se o projeto é resultado da decisão da sociedade, ela fica preparada para assumir os custos dele. Se é imposto, a sociedade vive as mudanças como um drama.  

Outra questão colocada pelo especialista é se o projeto apresentado para a Zona Portuária é mesmo uma prioridade. De acordo com ele, as melhorias prometidas pelo novo projeto para a mobilidade urbana são pequenas se comparadas com o alto custo. Quem mora na região portuária ainda pode sofrer com a especulação imobiliária. "Falta educação, saúde, política social inclusiva, saneamento, os professores reivindicam salários melhores. A questão não é nem se o projeto é ruim ou bom, mas se é prioridade ou não. Os custos desse projeto são muito altos, os ganhos muito pequenos, em mobilidade e circulação. Mesmo que tenha plano de mitigação, os conflitos ainda vão surgir", alerta.

Para Gerônimo Leitão, professor de arquitetura da Universidade Federal Fluminense, a questão mais alarmante é a forma como a população vem sido informada sobre as alterações na cidade. "As mudanças no trânsito com a interdição da Perimetral e abertura do Binário já deveriam estar sendo divulgadas há muito mais tempos. Muita gente desconhece as medidas. No sentido do esclarecimento, os nossos governantes confundem autopromoção com serviço público de informação. Deveríamos estar sendo bombardeados sobre as mudanças que serão realizadas".

A Prefeitura informa, no entanto, que as grandes intervenções de tráfego são precedidas de panfletagem e anúncios em rádios. "Resumindo, nossos métodos de informação são: Ações promocionais diretas com folheteria informativa; Faixas informativas de média distância para os motoristas; Identidade visual aplicada em equipamentos como: pontos de ônibus e estações de Barcas;  Reuniões com lideranças e visitas informativas;Sistema de som em locais de grande circulação; Veículos de comunicação das Concessionárias Públicas (sistema de som e TV das estações)", diz a assessoria.

Maurício Mendes, da Associação de Moradores de São Cristóvão, reforça que a maior parte das informações que a comunidade tem acesso vem dos jornais. Orlando também ressalta uma "política de desinformação", além da violação do direito à moradia, pela ausência de projetos de habitação para a zona portuária. "Haverá uma relocalização dos pobres, uma transferência para áreas periféricas", aponta.

Apesar de destacar a distância entre Prefeitura e população e o caos que deve surgir no trânsito, Gerônimo concorda com a demolição da Perimetral: "A implantação da Perimetral é algo que só foi possível naquela época. Naquele momento, na perspectiva rodoviarista, foi perfeitamente aceita. Mas as vias elevadas trazem danos gravíssimos. Basta imaginar a Paulo de Frontin, no Rio Comprido. Sou favorável à demolição da Perimetral tal como ela está sendo proposta, mas tenho críticas ao projeto quanto às remoções que estão sendo realizadas. Mas teremos retenções também no novo projeto. Para quem ficava preso na Perimetral, era mais interessante e menos estressante do que será no novo projeto, a Via Expressa, que será toda fechada", diz Gerônimo.

A Avenida Rodrigues Alves será transformada em Via Expressa, parte em túnel, parte na superfície. Com a função de ligar o Aterro do Flamengo à Avenida Brasil e Ponte Rio-Niterói, terá 5.050 metros de extensão, com três faixas por sentido. O Túnel da Via Expressa terá 2.570 metros, do atual Mergulhão da Praça XV ao Armazém 7 do Cais do Porto. A parte subterrânea permitirá a transformação do trecho da Praça Mauá ao Armazém 8 em passeio público para circulação de pedestres, ciclistas e Veículo Leves sobre Trilhos (VLT).

Já a nova Via Binário, que deve abrir amanhã, fará a ligação da Rodoviária Novo Rio à Avenida Rio Branco. No outro sentido, o trajeto parte da Rua Primeiro de Março em direção às Alças do Viaduto do Gasômetro. O sistema, com 3,5 Km de extensão, paralelo à Avenida Rodrigues Alves, terá três faixas por sentido e várias saídas para a distribuição interna do trânsito.

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Antes do Ministério Público do Rio de Janeiro notificar a Prefeitura, na última quinta-feira, para que suspendesse a demolição da Perimetral até que as obrigações relacionadas à mobilidade urbana fossem cumpridas, estava previsto para este sábado a abertura de uma faixa exclusiva para ônibus na Francisco Bicalho. Com o anúncio do prefeito Eduardo Paes de que a interdição da Perimetral seria adiada para a semana seguinte, a abertura da faixa foi suprimida do plano de mitigação. De acordo com a assessoria da Cdurp, a ação está sob análise de técnicos.

Mas a Francisco Bicalho ainda vai sofrer alterações. A nova Via D1, que vinha operando no sentido Rua Santo Cristo - Avenida Francisco Bicalho, agora vai operar no sentido Avenida Francisco Bicalho – Rua Santo Cristo. A liberação ao tráfego da alça de contorno da Praça Dinah de Queiroz permitirá o acesso à Linha Vermelha a partir da pista lateral da Avenida Francisco Bicalho.

Na segunda-feira (21/10), haverá mudança de itinerário de algumas linhas que vêm de Niterói e São Gonçalo, que passarão a utilizar o novo BRS Estácio - Carioca, com a possibilidade de integração na Estação Estácio do Metrô; Implantação BRS Estácio – Carioca; parte dos ônibus paradores (linhas intermunicipais da Baixada Fluminense e linhas municipais da Zona Oeste) que hoje vem da Avenida Brasil e entra no Centro da cidade via Francisco Bicalho, Rodrigues Alves e Presidente Vargas passará a fazer o retorno em frente ao Instituto de Traumatologia e Ortopedia (Into). 

Haverá retorno antecipado também das linhas de ônibus de Niterói e São Gonçalo, com destino ao Castelo, Passeio e Praça XV - que circulam na Avenida Francisco Bicalho e na Avenida Presidente Vargas. Eles passarão a fazer o retorno antecipado na Praça da República. Outras linhas que circulam na Avenida Rodrigues Alves deverão retornar na altura da rodoviária, na Rua General Luiz Mendes de Morais.

As Barcas Rio-Niterói prometem aumentar a oferta de 11.800 para 13.800 lugares/hora pico, das 6h às 9h e das 17h às 20h, com a operação de mais uma embarcação.Em uma segunda etapa, prevista para 28 de outubro, a Cdurp e a Concessionária Porto Novo devem disponibilizar uma nova barca. O Metrô também vai ampliar o horário de pico em 15 minutos em todas as linhas com oferta plena de composições.