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Marco Aurélio concede liminar contra “excessos” do CNJ na punição de juízes 

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Inconformado com a demora do plenário do Supremo Tribunal Federal em julgar o mérito da questão, o ministro Marco Aurélio, relator da ação de inconstitucionalidade da Associação dos Magistrados Brasileiros contra a resolução do Conselho Nacional de Justiça que tornou mais drástica a intervenção do conselho nos processos administrativos instaurados contra juízes e desembargadores, suspendeu a eficácia de vários dispositivos da Resolução 135/2011.

E deu interpretação conforme a Constituição ao artigo 12 da norma, para impedir que o CNJ possa ter a iniciativa de promover processos administrativos, mas apenas a competência de agir subsidiariamente às corregedorias dos tribunais de segunda instância.

No início do seu despacho, Marco Aurélio explica que, nesta segunda-feira, data da última sessão anual do STF, decidiu, “convencido da urgência do pedido formulado”, usar o inciso do Regimento Interno que permite ao relator “determinar, em caso de urgência”, medidas cautelares, mesmo em caso de ações de inconstitucionalidade. E explica ter tomado a providência, “presente a circunstância de o processo ter sido incluído na pauta em várias sessões do plenário, no total de 13, isso sem considerar as outras que ocorreram após a liberação para o crivo do colegiado”.

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Celeuma

Na sessão plenária de 28 de setembro último, por causa da “celeuma” provocada pelas declarações da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, sobre a “infiltração” na magistratura de “bandidos escondidos atrás da toga”, o plenário do STF deixou de julgar a ação de da AMB contra a Resolução 135 do CNJ, editada em 13 de julho passado. Naquela ocasião, o próprio ministro Marco Aurélio admitiu que o momento não era “adequado” para o julgamento.

De acordo com o advogado da AMB, Alberto Pavie Ribeiro, o órgão de controle externo do Judiciário está exorbitando de suas competências, e se tornando um verdadeiro “tribunal”, argumento aceito pelo ministro Marco Aurélio, para quem o CNJ “não pode continuar a avocar processos apenas pela sua capa”.

Ainda segundo a AMB, a matéria tratada na resolução aprovada em 13 de julho último “não se encontra dentre as competências constitucionais do CNJ, sendo, em verdade, ou matéria de competência privativa dos tribunais — quanto às penas de censura e advertência — ou matéria de competência privativa do legislador complementar (Lei da Magistratura) — quanto às penas de remoção disponibilidade e aposentadoria”.

No seu despacho, o ministro deu especial relevo ao artigo 12 da Resolução do CNJ, segundo a qual “para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o tribunal a que pertença ou esteja subordinado o magistrado, sem prejuízo da atuação do CNJ”.

Para Marco Aurélio, o CNJ tem de interpretar a Constituição (artigo 103-B, parágrafo 4º, inciso 3) no sentido de que só tem competência “disciplinar e correicional” depois que os tribunais tiverem aberto os processos administrativos disciplinares. 

Parte central

A decisão do individual do ministro Marco Aurélio terá de ser referendada ou rejeitada, no todo ou em parte, pelo plenário do STF, em fevereiro, ao fim do recesso dos tribunais superiores.

Na parte inicial do seu despacho, o ministro-relator da ação de inconstitucionalidade da AMB (Adi 4.638) fixa assim a sua posição: 

“O ato em exame é abstrato, geral e autônomo. Visa à regulação, em caráter permanente e uniforme, do procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados. Buscou-se, na edição, retirar o respectivo fundamento de validade diretamente do texto constitucional, no que este atribui ao Conselho competência para controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, bem como para disciplinar, mediante resolução, o funcionamento próprio e as atribuições do ministro-corregedor, até que entre em vigor o novo Estatuto da Magistratura — Carta Federal, artigo 103, § 4º, e Emenda Constitucional nº 45/04, artigo 5º, parágrafo 2º.

A Resolução nº 135, de 2011, do CNJ mostra-se, portanto, passível de impugnação por meio de ação direta.

No julgamento da Medida Cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12/DF, relator Ministro Ayres Britto, acórdão publicado em 1º de setembro de 2006, afirmei não ter a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, emprestado ao CNJ poder normativo, inexistindo preceito constitucional a atribuir-lhe competência legiferante.

Com base nesse entendimento, a solução seria suspender, de pronto, a íntegra da Resolução atacada, por inconstitucionalidade formal. A ilustrada maioria, no entanto, concluiu estar o Conselho, embora órgão administrativo e não uma casa das leis, dotado de competência para editar atos de caráter geral e abstrato.

Feito o registro e reafirmado o ponto de vista individual —- que será retomado quando do exame final deste processo — cumpre definir se o órgão de controle, ao editar especificamente a Resolução em questão, extrapolou os limites a si conferidos pela Carta da República.

As competências atribuídas ao Conselho Nacional de Justiça pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, produzem inevitável tensão entre a autonomia dos tribunais e a atuação do órgão. De um lado, o artigo 103-B parágrafo  4º, inciso III, preconiza competir ao Conselho “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa”.

De outro, os artigos 96, inciso I, alínea "a", e 99 do Diploma Maior asseguram aos tribunais a autodeterminação orgânico-administrativa, o que inclui a capacidade para resolver, de forma independente, a estruturação e o funcionamento dos próprios órgãos bem como para formular a proposta do respectivo orçamento.

Trata-se de garantia institucional voltada à preservação do autogoverno da magistratura e consubstanciada na autonomia administrativa e financeira e na competência privativa para elaborar os regimentos internos, organizar as respectivas secretarias e juízos e dispor sobre a competência e o funcionamento dos órgãos jurisdicionais e administrativos.

Há de se atentar, ainda, para o artigo 93 da Constituição da República, o qual reserva a lei complementar veicular o Estatuto da Magistratura, observados alguns princípios, como o voto da maioria absoluta do Tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça para remover, colocar em disponibilidade e aposentar magistrados, e a necessidade de as decisões administrativas, inclusive disciplinares, serem motivadas e tomadas em sessão pública”.