O maestro carioca Marcelo Lehninger adora uma praia, ouve música desde que estava na barriga da mãe e já coloca os Prelúdios de Chopin, gravados pela pianista Guiomar Novaes, para sua filha, de um ano e meio, ouvir.
Fizemos um contato em Boston, nos Estados Unidos, onde o maestro é uma das estrelas do momento, e nada melhor do que começar a coluna de 2013 em alto astral.
Deve ser um sonho para um regente acordar e saber que todos os dias passará as manhãs regendo a Boston Symphony Orchestra. No seu caso, seu nome está cada vez mais sólido, fato que resultou na sua escolha como regente titular da New West Symphony Orchestra em Los Angeles. Como se sente admirado e respeitado nos Estados Unidos?
Acabo de receber a notícia de que meu contrato com a Sinfônica de Boston será novamente renovado, pelo quarto ano consecutivo; fato inédito na história da orquestra e sem precedentes, pois o quadro de regente assistente muda a cada dois ou três anos. Evidentemente isso me deixa muito feliz e honrado, pois trabalhar com uma orquestra deste nível não somente é uma excelente oportunidade profissional, mas também um grande aprendizado. Cada ensaio ou cada concerto que eu faço com este grupo me enaltece como artista. Em Los Angeles sou o diretor artístico e regente titular da New West Symphony, que é uma orquestra de alto nível, que foi, contudo, muito afetada pela crise econômica. Além de reger a maioria dos concertos da temporada, estou desenvolvendo a reestruturação da orquestra, através da ampliação de repertório, criação da cadeira de compositor em residência, elaboração de projetos educacionais, promoção de concursos para jovens solistas, renovação de plateia, parcerias com instituições locais e expansão do orçamento anual. Consegui atrair novos patrocinadores e estamos prosperando. A próxima temporada promete! Receberemos a violinista Sarah Chang como solista do concerto de abertura, dentre muitas outras atrações. Estou tendo ótimas oportunidades profissionais nos EUA e na Europa, e isso somente vem a enriquecer a minha visão e experiência profissional. Nas principais temporadas tenho concertos agendados com as orquestras sinfônicas de Boston, Chicago, Houston, New Jersey, Seattle e Toronto, assim como meu debut na Philharmonie de Berlim, com a Deutsches Symphonie-Orchester, Simon Bolívar da Venezuela e uma série de gravações com a Orchestre Nationale de France em Paris. Faço o meu trabalho sempre focando a música em primeiro plano, sem outras distrações que essa carreira proporciona. É, na verdade, um trabalho árduo, de muita dedicação e horas de estudos solitários. Fico, contudo, satisfeito por estar construindo uma importante e sólida carreira internacional.
O ditado "santo de casa não faz milagres" parece que não é verdadeiro com você. Ser filho do excelente violinista alemão Erich Lehninger e da também excelente pianista brasileira Sonia Goulart fez você ouvir desde pequeno a boa música em casa. Você acha que isto foi decisivo na hora de escolher a carreira a seguir?
Creio que uma boa educação começa em casa. Por isso, minha filha, de um ano e meio, já escuta música de boa qualidade desde que nasceu! Penso que um futuro bem sucedido para audiência de música clássica galga-se principalmente em três pilares importantes: educação musical nas escolas, concertos didáticos e influência familiar. Eu nasci em uma família musical e desde muito cedo descobri este universo maravilhoso que é a música clássica. Estudei violino, piano e depois me dediquei à regência. Minha irmã, Márcia Lehninger, também seguiu a música, com o violino. Meus pais exerceram um papel crucial na minha formação e me ensinaram muito. Eu os ouvia estudando, escutava gravações, frequentava concertos e ensaios, conversava sobre música e isso foi, de forma natural, me desenvolvendo. Meu pai me ensinou muito sobre música, violino, ópera e as tradições interpretativas que ele aprendeu e vivenciou na Europa. Ele me ensinou, também, sobre a relação entre maestros e músicos de orquestra e eu aprendi o mecanismo desta relação antes mesmo de começar a reger. Iremos tocar juntos pela primeira vez nos EUA em dois anos. Tive, também, um padrasto maravilhoso, o astrônomo Sérgio Menge de Freitas, falecido em 1998, que tocava jazz no piano e colecionava gravações de música clássica. Passávamos horas ouvindo gravações, que incluíam algumas com a Boston Symphony! Era um ritual na minha casa, após o jantar: ouvir música. Minha mãe estudava e viajava muito. Para ficar perto dela, durante a minha infância, eu brincava e fazia os deveres da escola em baixo da cauda do piano! Nós desenvolvemos, portanto, uma comunicação muito especial através da música. Já tocamos juntos diversas vezes, inclusive um concerto inesquecível que fizemos na Argentina há alguns anos. Tive a oportunidade de regê-la recentemente na Sala São Paulo (o quarto Concerto de Beethoven) e foi incrível! Iremos, também, tocar os Concertos de Chopin em Los Angeles, em breve. Minha mãe sempre teve uma relação profissional importante com as orquestras no Brasil, sobretudo com a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), onde ela tocava todos os anos como solista até 2005, quando mudou-se a direção artística. Seria ótimo se um dia pudéssemos tocar juntos em nossa cidade e, portanto, lanço aqui a ideia...
Sua agenda é lotada; você vem sempre ao Brasil. Gostarias de um dia ser o regente titular de uma orquestra brasileira?
Sinto uma enorme ligação com o Brasil. Apesar de estar fora há muitos anos, sempre visito o meu país, pois tenho fortes laços afetivos e familiares e sinto imensa saudade. Tenho uma verdadeira relação de amor com o Rio de Janeiro, que visito sempre que posso – geralmente duas ou três vezes por ano. Acho o Rio uma cidade absolutamente maravilhosa. Quando tenho que ir embora, vou à praia, deixo para fazer as malas na última hora e estou sempre atrasado para ir ao aeroporto! Acho que inconscientemente eu não quero ir embora. Em minha última visita, agora no Natal, indo para o Galeão, triste, preso no trânsito, o motorista me disse “acho que o Sr. vai perder o voo” e eu respondi: oba! Em pensar que são apenas 12 horas de avião entre a praia de Ipanema e a neve de Boston... Quero vir mais vezes, no futuro, até mesmo para proporcionar à minha filha um contato maior com a cultura brasileira. No âmbito profissional, rejo todos os anos. Já visitei o país de norte ao sul e adoro trabalhar com orquestras brasileiras. Tenho, também, uma forte conexão com o público, sobretudo o carioca, que me acompanhou desde cedo e sempre me recebe de forma muito calorosa. Ano passado, regi a OSB no Rio e fizemos um lindo concerto. Este ano vou reger a OSESP e ano que vem devo visitar a Filarmônica de Minas Gerais, onde trabalhei durante um ano. No que diz respeito a ser titular de uma orquestra brasileira, estou sempre aberto a explorar todas as possibilidades.
Obrigada maestro pela conversa.