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Crítica: Nelson Freire em deslumbrante  pianismo 

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O recital do grande pianista Nelson Freire, ontem, dia 2, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na Série Concertos Internacionais da Dell’Arte, foi cheio de grandes emoções. Normalmente o artista aparece no palco, vindo do meio da cortina, no caso de um recital, mas ontem, quando se esperava a entrada do artista pelo meio do palco, eis que surge subindo as escadas laterais do local Nelson Freire, com seus passos de um andante metronômico. 

O começo do recital foi sublime, com o Coral de Bach/Busoni, “Je vous invoque Seigneur”, e era uma verdadeira invocação para a paz, introspecção pura e legato perfeito. O ponto muito esperado foi a Sonata em Fá menor op.5.de J.Brahms, uma obra belíssima que muitos consideram como um auto-retrato do autor, cujo começo, o Allegro Majestoso, foi realmente majestoso, já demonstrando a beleza que seria a concepção e execução da obra pelo pianista.

O texto tem cinco movimentos, só que as palmas dadas inadvertidamente por algumas pessoas do público demonstram que deve-se ler melhor o programa para poder acompanhar o concerto. No caso específico, o grande Nelson estava tão concentrado na obra que não demonstrou irritação, mas as palmas fora de hora podem, sim, atrapalhar a concentração de um artista e quebrar a atmosfera de construção de interpretação de uma obra. Todo o silêncio é essencial, sobretudo quando um artista toca uma obra de memória e tem um texto para ser lembrado.

O Andante expressivo, o segundo movimento, foi mais do que sublime, foi Brahms puro, na essência e no conteúdo, uma explosão de emoções, sentimentos, com a grande forma escrita por um gênio de apenas 20 anos, Johannes Brahms. O exuberante Scherzo foi traduzido com uma palheta sonora fascinante. Nelson Freire levou sua construção poderosa até o movimento final, no qual o ouvinte tem contato sonoro com as mais diferentes e sonhadoras emoções. Como a colunista conhece o texto musical na íntegra, atesta a excelência da execução. A segunda parte  do recital começou com a Barcarola op.60 de F.Chopin, com uma interpretação altamente sedutora e impecável, assim como nosso Nelson brilhou na belíssima Quejas, o La Maja el Ruiseñor, de Granados, inspirada nas telas de Goya. Seus trinados eram fantásticos, um perlé que pareciam pérolas. H.Villa-Lobos foi lembrado na Alma Brasileira com uma linda leitura. E, finalizando o recital, duas obras de F.Liszt, Murmúrios da Floresta e a Balada nº2, dentro do mais puro universo do compositor húngaro.

Um artista deve passar o universo de cada compositor sempre respeitando o estilo de cada época, o texto escrito, sem interferir no que o compositor escreveu, isto é, sem tentar ser um co-autor. No caso do nosso grande pianista Nelson Freire, a cada dia mais querido de seus amigos e admiradores, o esplendor de sua concepção está presente nas suas impecáveis  interpretações, altamente verdadeiras, com sua técnica em plena forma, demostrando o quanto o artista sabe traduzir com perfeição os textos dos compositores e reafirmando o quanto o pianista é respeitado e reverenciado, na atualidade, com um dos maiores pianistas do planeta.

O BRAVO da coluna ao grande artista, com toda nossa admiração, pelo belíssimo recital de ontem no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, dando uma verdadeira aula de estilos, maturidade e talento.