“Precisamos de pontes, não de muros”, disse o papa Francisco há poucos dias.
O Muro de Berlim caiu há 25 anos. Era um muro que dividia uma cidade, dividia uma população, dividia um país.
Mas, os muros caíram de fato nas últimas décadas? Ou, quais muros mais precisam cair urgentemente?Acabamos de sair de uma eleição no Brasil, onde, além dos debates e divergências políticas normais e necessárias, muros foram erguidos. Brasileiros disseram que iriam sair do país dependendo do resultado da eleição. Houve quem pregasse a divisão do país: que se separassem pobres e nordestinos do Sul e Sudeste por causa do seu voto majoritário a favor de uma candidata, que aqueles ficassem nos seus guetos e na sua "má consciência". Afinal, pobres e nordestinos são desinformados, não sabem votar, como falou um ex-presidente da República.
Muros de preconceito, discriminação, falta de diálogo, racismo, homofobia, violência têm sido erguidos à farta em muitos ambientes e no conjunto da sociedade.
Muros cercam cada vez mais casas, jardins, mansões e condomínios, onde ninguém consegue entrar. São ilhas sem acesso, a não ser para seus privilegiados moradores ou os trabalhadores a seu serviço.
Palestinos estão cercados de muros. Mexicanos estão cercados de muros.
O papa Francisco, em recente reunião com movimentos sociais em Roma, disse (aliás, sem nenhuma repercussão na mídia, como denuncia o jornalista Ayrton Centeno em Francisco, a mídia e o silêncio): “É preciso pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns”.
No Brasil, muitos muros têm sido felizmente derrubados nos últimos tempos. O muro da extrema pobreza, por exemplo. O muro da falta de acesso a direitos humanos básicos como a educação e o alimento. Está diminuindo o muro da desigualdade. Os muros da exclusão social histórica são cada vez menores.
É urgente construir pontes hoje, além de derrubar os muros. Os alemães do Leste queixam-se hoje que seu padrão e qualidade de vida são muito inferiores aos dos alemães do Oeste. Ou seja, caiu um muro, mas a solidariedade que se esperava não aconteceu.
Estamos num tempo, no Brasil e no mundo, em que a ganância, o acúmulo de bens erguem mais muros que constroem pontes. A vida do jovem, da mulher, da criança, dos mais fracos, que devia ser luz e horizonte sem muros, é muitas vezes jogada e soterrada na beira do muro da intolerância, do desrespeito, da indiferença, do individualismo.
A democracia derruba muros. A participação social permite que as pessoas se encontrem, olhem nos olhos umas das outras, reconheçam os direitos dos outros assim como lutam pelos seus próprios. A vida em comunidade dá espaço para que a felicidade possa brotar. Os gestos de solidariedade aproximam as mãos, as casas, os bairros, as vidas. Fazer e construir de forma coletiva deixa frutos repartidos por todas e todos, de forma justa e igual.
Muros separam. Pontes unem. Muros discriminam. Pontes tornam iguais. Muros são barreiras. Pontes são passeios. Muros afastam. Pontes atraem. Muros não deixam ver o outro lado. Pontes apontam o horizonte. Muros são pedras duras. Pontes, mesmo que pinguelas, são leves aos passos. Muros entristecem o viver. Pontes são alegres passagens. Muros machucam a cabeça arremessada contra eles. Pontes visualizam a água que escorre abaixo e o banho refrescante. Muros impedem o carinho. Pontes são bosques de convívio. Muros abafam o grito. Pontes estimulam a palavra. Muros são castelos fechados. Pontes são portas abertas. Muros são morte. Pontes são vida.
O papa Francisco está construindo pontes, como Francisco de Assis. Ilumina-se um tempo, abrem-se mentes e corações para deixar o sol entrar, a paisagem ao longe ser vista em todo seu esplendor, o abraço ser dado, a voz ser ouvida, o sonho de novo ser livre.
* Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República.