Na França, o Dia da Liberdade de Pensamento é celebrado em 14 de julho, data da Queda da Bastilha (1789). Nesse país é feriado nacional. Mas o episódio transcende em muito os limites do território francês. Por outro lado, não se prende apenas a uma data do calendário. A Queda da Bastilha simboliza a queda de todas as restrições que sejam impostas ao pensamento, a queda de todas as censuras. Mesmo as ideias que merecem a mais profunda repulsa, como o racismo, devem ser conhecidas e debatidas.
Daí que é oportuno discutir o livro Minha luta, de Adolfo Hitler, como está sendo agora proposto. Não é através da proibição dessa obra que se afastará do horizonte a ameaça de uma volta do nazismo. O caminho correto, a meu ver, é o oposto deste. Será pedagógico conhecer Mein kampf para que se compreenda a insensatez de sua proposta. O Partido Nazista, nas últimas eleições, recebeu apenas 1% dos votos. A Alemanha de hoje é um país modelar. Não só seu futebol é grandioso.
Nenhum ditador, nenhum déspota será capaz de aprisionar o pensamento humano, ainda que esta seja sua maior ambição. O pensamento é livre, como livres são os pássaros, como livres são as árvores ao balanço do vento, como livres são os sonhos dos poetas e livres são os projetos de mundo dos que pretendem construir a utopia.
Aqueles, que na sua insanidade quiseram subjugar o espírito puderam impedir que o pensamento fosse manifestado utilizando a censura e, como ultima ratio (razão final), através do aprisionamento dos que escreviam o proibido e lutavam pelas reformas indesejadas pelos donos do poder. A vitória do inimigo da liberdade é sempre provisória. Pode durar cem anos, mas não dura eternamente.
O texto proibido hoje será conhecido amanhã. Quando o pensamento encarcerado romper as algemas, sua repercussão será ainda maior para castigo do censor. Gerações sucessivas glorificarão os autores e pensadores feridos em sua liberdade. Seus livros serão lidos, suas ideias serão divulgadas e orientarão o destino humano. O nome dos que pretenderam domar o espírito será lembrado com desprezo, o mesmo desprezo e asco com que se fala o nome dos estupradores.
Vivemos no Brasil, felizmente, um momento histórico de liberdade. Essa liberdade não nos foi dada. Foi conquistada. Muitos sofreram perseguição para que desfrutemos hoje deste direito. Mas a luta não terminou. Ainda temos de alcançar a essência da Democracia, atentos à convocação de Plínio de Arruda Sampaio, pensador e militante social falecido recentemente: Na democracia das elites, as massas podem ser objeto da política. Não podem ser sujeito dela”.
* João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, é professor e escritor. - [email protected]