Monica Bellucci, atriz internacional, teve seu primeiro filho aos 40 anos de idade. Ela não é a única. Cada vez mais as mulheres vêm optando por deixar a maternidade para depois dos 35 anos. Mas, por que isto acontece? Desde a década de 1970, as mulheres vêm conquistando o mercado de trabalho, porém esta conquista está permeada de uma terrível perversidade. Além de lutar por postos de trabalho, a mulher ainda é responsável pelo cuidado familiar.
O papel masculino não passa de reprodutor, que pretende ver seus descendentes criados por uma mulher. No entanto, o mercado de trabalho não é brincadeira. A avassaladora competitividade exige que se esteja em constate aperfeiçoamento, pois também o mundo se transforma. E como conciliar profissão com família? O avanço das estruturas empregatícias formou o trabalhador doméstico, que hoje tanto pode ser mulher como um homem. Porém, a utilização destes serviços está a cada dia mais proibitiva. Ter, obviamente, uma pessoa encarregada dos serviços cotidianos possibilita as atividades profissionais e a tão querida maternidade.
Em recente edição, a revista Veja publicou uma matéria na qual enfatizava a renúncia feminina ao desejo de ser mãe. Aí está a mais declarada arma contra a potência maior da mulher. Mulher sem filhos pode ser muito interessante do ponto de vista de um sistema de consumo, não do ponto de vista de autorrealização. Lutando por seu espaço social e sua realização pessoal, a mulher pode acabar vítima deste sistema perverso, que lhe negará seu direito de procriação sob um jogo de acumulação de bens que exclui competidores.
Por mais que a mulher se defenda, seja por exigências de um mercado de trabalho, seja por exigências de um parceiro, ou mesmo caindo em suas próprias exigências – de quem não almeja reproduzir antigos padrões – ela possivelmente pode cair nas armadilhas da falta de oportunidades. A atriz famosa não só teve seu primeiro filho aos 40 anos como teve também um segundo filho, o que é favorável para geração de descendentes, aos 46 anos de idade. Isto não é uma novidade numa sociedade em explosão populacional. Mulheres eram consideradas em fim de idade procriadora aos 40 anos, porém hoje não mais.
Hoje as mulheres têm filhos saudáveis após os 45 anos e até mais, com bem-sucedidas gestações. Não há segredos na atualidade: mulheres querem e podem ser felizes construindo seu mundo particular, com receita própria. Há sempre lucidez em se observar que generalizações não acrescentam nada à autorrealização. Mulheres e homens podem ter dificuldades para a fecundidade, podem não conseguir encontrar um parceiro a tempo, podem até mesmo não ter as circunstâncias reais para a criação de filhos. Só não se deve permitir que proliferem campanhas de não reprodução. Isto não passa de um sofisma para que mulheres e casais aceitem a usurpação de sua intimidade.
Mulheres e homens juntos precisam estar atentos aos direitos de concepção, pois a perversão do sistema os alicia para um mundo vazio de valores. Planejamento familiar é uma necessidade numa sociedade na qual já não há os antigos papéis definidos: mulheres já não contam com um provedor, mulheres participam de instâncias de decisões, e decidir requer capacidades apoiadas em múltiplas matérias. O maior perigo para a mulher é a nefasta porém secularmente aceita prática de aborto — uma violência para o corpo feminino, mas que tem o seu espaço.
O momento e a decisão recaem mais uma vez numa perversão no novo papel da mulher na sociedade atual. O preconceito só deixa cada dia mais mulheres prejudicadas. Não há palavra sobre o assunto, que é visto sob forma comercial. Regularizar a prática, como em alguns estados norte-americanos, seria uma resposta? Talvez não, pois o tino comercial pode levar a constituição de famílias para a mera abordagem técnica e não afetiva. A adoção é sem dúvida causa de grande alegria para mulheres e homens que foram impedidos de seu direito à existência e satisfações decorrentes da prevalecência genética. Há aí também toda uma abordagem delicada que demanda estruturas sociais e políticas. Monica Bellucci, aos 48 anos, é uma jovem mãe, mas a adoção não tem idade. Basta que se desenvolvam condições para que as mulheres tenham direitos cada vez mais amplos.
* Rosângela Trolles é jornalista.