Há cerca de dois anos participei de um seminário na Alemanha, onde um dos temas de maior interesse era a produção de biocombustíveis visando à substituição gradativa daqueles oriundos de material fóssil. Afinal, vários estudos apontam que combustíveis como o etanol apresentam vantagens quando se leva em consideração a preservação ambiental. No contexto desta discussão, o Brasil tem sido o centro de atenções pelo fato de, em 2006, ter se colocado como o maior produtor mundial de etanol. Acrescem, ainda, alguns fatos importantes que aumentaram nossa credibilidade.
Primeiro, a experiência prévia com o Proálcool que, entre 1975 e 1989, levou a uma significativa ampliação no uso do etanol como combustível, lançando em 1978 o primeiro carro movido exclusivamente a etanol. Segundo, o avanço na produção de etanol nos últimos anos, alcançando a liderança mundial em 2006 e lançando, em 2003, o primeiro carro flex com grande aceitação no mercado brasileiro. Ao longo dos anos foi montado um sistema de distribuição com 34 mil postos distribuidores. Como a confirmar o êxito do programa, em 2008 o consumo de álcool como combustível superou o da gasolina. É claro que alguns críticos apontavam para o fato de que o Proálcool fracassou, tendo um final melancólico ao longo da década de 1990. Neste período, a produção de álcool diminuiu, e o aumento no preço internacional do açúcar levaram os setores produtivos a ampliar sua produção em detrimento do etanol.
Na reunião na Alemanha, ainda vivíamos uma situação que permitia a defesa do programa brasileiro e o estímulo a que outros países passassem a utilizar um combustível menos poluidor, como é o caso do etanol. Afinal, o sucesso nesta empreitada poderia potencializar o Brasil como o grande produtor e exportador de etanol para o mundo. Na mesma reunião alguns críticos apontavam para alguns pontos preocupantes e que estão bem analisados em artigo de Gerd Kohlhepp, publicado em Estudos avançados, volume 24, número 68, de 2010.
A primeira preocupação se referia ao uso crescente de áreas da floresta tropical amazônica para plantio da cana-de-açúcar. Este ponto pode ser facilmente contestado com base nos dados disponíveis. A segunda preocupação se referia ao fato de que para haver aumento da produção de etanol seria necessário utilizar terras até então empregadas para o cultivo de plantas destinadas à produção de alimentos, como é o caso da soja. Este argumento também pode ser facilmente esclarecido com base em dados disponíveis. A terceira preocupação se referia à não credibilidade brasileira no sentido de sustentar uma produção crescente. Neste ponto realmente nossa situação vem se complicando. A produção brasileira caiu e, em 2011, foi de 391 mil barris por dia, enquanto que nos Estados Unidos alcançaram 898 mil barris por dia. Mesmo com a queda de consumo de etanol no Brasil, de 315 mil barris por dia em 2009 para 168 mil barris também por dia em 2011, ainda tivemos que importar etanol dos Estados Unidos. Como explicar no exterior que quem pretendia abastecer o mundo de etanol agora precisa importar para manter sua frota de automóveis funcionando?
É possível reverter este quadro? Certamente que sim, desde que alguns problemas sejam resolvidos. Primeiro, a questão do preço do etanol. Com o não reajuste do preço da gasolina, apesar do significativo aumento de seu preço internacionalmente, não há estímulo ao consumo de etanol pelos proprietários de carros flex, já que todos sabem que só há vantagens no seu uso quando o preço for menor que 70% do valor da gasolina. Segundo, parece haver consenso de que, em muitas regiões, os canaviais estão velhos e há diminuição de produtividade. Nesta área, o setor científico brasileiro, muito bem estabelecido nos laboratórios da Embrapa e de várias universidades, pode ajudar a reverter esta situação, desde que devidamente induzidos com ampliação de recursos para pesquisa. Terceiro, o mundo vem apostando no aumento de produção do etanol de segunda geração, produzido a partir da conversão de celulose e hemicelulose em açúcares que, submetidos a processos clássicos de fermentação, levam à produção de etanol.
Desta forma, todo o bagaço de cana bem como de outras fontes de biomassa que estão sendo procurados por vários grupos de pesquisa ampliaria significativamente a produção de etanol, sem aumento de área plantada. Nos Estados Unidos várias agências governamentais e empresas estão investindo cerca de US$ 1 bilhão em pesquisas nesta área. No Brasil, apenas alguns milhares de dólares. Os cortes sucessivos no orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia afetam o panorama da pesquisa científica e tecnológica de um modo geral, sendo que áreas novas, como é o caso da bioenergia, são profundamente prejudicadas. Não vislumbro um bom futuro quando o país opta por fazer caixa ao invés de investir em setores tecnológicos.
* Wanderley de Souza, professor titular da UFRJ, é membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.