Diz que toda a história começou quando, logo nos primeiros dias do governo Dilma Rousseff, a alma penada de um ex-ministro do governo Lula, ao perambular pelas ruas e avenidas do Inferno com nomes de político, deparou-se com a figura fantasmagórica de Antonio Carlos Magalhães, que logo o interpelou com cético cinismo e admiração: “Vossa Excelência tão cedo por estas malditas paragens, meu nobre José Dirceu?”. “Peço que não tires conclusões precipitadas diante de aparições sobrenaturais, caro ACM, porque eu sou apenas o espírito malsão do antigo ministro-chefe da Casa Civil...”. “Em carne e osso?!”. “Informo também que só me encontro nesta situação a arder no fogo fátuo da agonia subterrânea, para reconhecimento das acomodações deste acalorado hotel sem estrelas. “Adianto que não existe ar-condicionado nos chalés, e o café da manhã não está incluído nas salgadas diárias desta pousada demoníaca”. “Neste caso, exijo a suíte presidencial, em razão de um pacto entre o soberbo petista representado por mim e o endiabrado Belzebu, referente às próximas eleições da República Federativa do Brasil”. “Pacto entre o Dirceu e o Mefistófoles sobre a Presidência da República brasileira?” – indagou com receio de pulga atrás da orelha. “Pois é, são os tempos pós-modernos de Brasília, minha velha raposa baiana”.
Dito isto, o espírito malfazejo se debatia em retirada, quando sentiu a mão firme do Malvadeza a deter-lhe o ímpeto de fuga. “Rapaz, não pense ir-se sem antes dizer quem será o candidato de Satã ao governo do país do Carnaval”. “Ora, ora, quem se não o mentor intelectual do torneiro mecânico de Garanhuns? E, diga-se de passagem, a candidatura fora abalizada pelo manda-chuva desta diabólica espelunca malcheirosa a enxofre” – respondeu a alma caipira para, logo a seguir, perguntar pelo dito Cujo. “Sinto informar que o Coisa-Ruim não se encontra no momento; porém, não se preocupe porque, em sua ausência, respondo eu pelas pendengas daquele ‘país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza’”.
Desconfiado do ex-líder do PFL, o espírito fanfarrão de José Dirceu argumentou que só fecharia negócio com o Diabo em pessoa, visto que não estava autorizado a comercializar a alma a terceiros por procuração. “Pois, se o contrato até já foi confeccionado com sangue de morcego e o Lúcifer até depôs assinatura com dedo polegar” – intercedeu ACM.
No decorrer deste diálogo, soube-se que o pacto demoníaco citava um sigiloso dossiê sobre os malfeitos de sete ministros de Dilma Rousseff. “Quer dizer então que o seu representado oferece um relatório com comprovações documentais contra o Palocci, Jobim, Orlando Silva etc, em troca da Presidência da República do Brasil?” – indagou o assessor para assuntos estratégicos da sucursal do Inferno, Purgatório e afins. “Sim, mas o fato é que em janeiro de 2012 o eleito do Príncipe das Trevas já deseja retomar a cadeira na Casa Civil”.
O astuto mandatário soteropolitano refletiu a respeito da esdrúxula proposta e chegou à seguinte hipótese filosofal: “Caso os ministros de Dilma sejam escorraçados do poder, o PT não conseguirá um sucessor à altura da austera ex-guerrilheira para a função executiva, já que Luiz Inácio da Silva... A não ser que, com o golpe de mestre, o sabichão aspire a unir-se ao DEM, PSDB ou PTB... Neste caso, até poderia se pensar uma chapa com Aécio Neves, ACM Neto ou quiçá Roberto Jeferson de vice-presidente...”. “E qual seria o ganho político com escândalos de toda sorte e natureza? – instigou a alma conspiradora para, de supetão, emendar na lata do mandatário nordestino: “A cada exoneração ministerial, decerto a presidenta irá se fortalecer por coibir, em inédita faxina desde Jânio Quadros, a congênita corrupção pátria, ao passo que com o tempo o eleitorado iria desconsiderar a acusação de chefe da quadrilha do mensalão”.
Ao dar-se conta da miraculosa plataforma de campanha do tinhoso adversário, para não perder o bonde da história o ex-governador da Bahia ainda vislumbrou um arranjo político de última hora: “E se o meu espírito reencarnasse no companheiro José Dirceu, de modo que Vossa Excelência assumisse as burocráticas funções desta monótona repartição pública?”. “Alto lá, Toninho Malvadeza!” – interveio o raivento Capeta que, pesaroso, acabara de adentrar com Saddam Russein e Kadafi. “Pelo amor de Satanás, que nem em pesadelo ninguém há de merecer tal macabra aliança espiritual naquele paradisíaco e equidistante Éden brasilis. Com esta estapafúrdia transfusão de alma, até o pobre Deus, que é brasileiro nato, não resistiria ao binômio ACM/José Dirceu; e, qual um casto Berlusconi, logo pediria o boné, cantando afinado para subir aos Céus: ‘Brasil, pra mim / Brasil, pra mim’...”. “Pra mim o quê, seu Capiroto fugaz e maledicente?” – em uníssono os interlocutores abreviaram a elegíaca canção popular.
Ao que parece foi neste instante que se ouviu o murmúrio do Criador ao descer, ofegante e desanimado, os degraus da casa do Diabo, em tom de desabafo, que mal parodiava Ary Barroso: “Brasil? Pra mim... Chega!... E olha que sobre o eu digo não minto nem esqueço”.
Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras, é professor da Universidade Estácio e autor dos livros ‘Com licença, senhoritas (A prostituição no romance brasileiro do século 19)’ e ‘O enigma Diadorim’.wanderlourenco