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Legado de Marielle: pré-candidatas colocam Dia da Abolição em xeque

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Mulheres negras, faveladas, feministas, todas em defesa da causa LGBT, todas a frequentar um universo feminino e periférico, todas sempre nas áreas pobres, porque delas vêm. O número de candidatas com este perfil às próximas eleições aos parlamentos estadual e federal não para de crescer desde a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL). São pelo menos oito que já se dizem pré-candidatas. Aos 26 anos, Dani Monteiro, que integrava o gabinete da vereadora  Marielle Franco (PSOL), talvez seja a mais nova nessa onda a tentar uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Dani conta que o assassinato brutal da Marielle —  executada num carro ao lado do motorista Anderson Gomes, também morto a tiros no atentado — intensificou a vontade de ocupar os espaços legislativos. Mas, deixa muito claro: quem pôs lenha na fogueira desse processo foi a própria Marielle. Em vida. “Ela organizou um evento de mulheres histórico na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Ali ela dizia em alto e bom som que precisava de mais mulheres ao lado dela para dar mais força à nossa luta”, conta Dani. 

Um artigo escrito em março de 2018 no jornal “Le Monde Diplomatique” por Marielle registrou a convocação feita na ABI pela vereadora nascida na Favela na Maré. Ao descrever aquele dia, Marielle ressaltava a presença de “mulheres, negras, trans, faveladas, professoras, nordestinas, mães, enfim, mulheres em toda a sua diversidade”. 

No texto, ela dá ênfase à necessidade de haver mais mulheres na política. “Em nosso encontro recente na ABI, partimos da ideia de que “uma mulher puxa a outra” — um dos motes da Marcha das Mulheres Negras em 2017. Reunimos mulheres que se destacaram no cenário político do Rio de Janeiro e que são potenciais candidatas a diversos espaços de poder — câmaras estaduais e federal, sindicatos, partidos e associações diversas —, com destaque para as mulheres negras”, expressou-se Marielle no jornal.  

Vereadora mais votada em Niterói no último pleito, Talíria Petrone diz que a dor causada pela morte de Marielle tem de ser transformada em luta. Sua candidatura a deputada federal é, nas palavras dela, pelas mulheres que lutaram e “por Mari”: “As pautas que a Mari encampava vão continuar muito presentes. Somos o quinto país do mundo que mais mata mulheres; o primeiro, em morte de transexuais e travestis. A minha candidatura ao Congresso também mostra a urgência de enfrentar essa brutal realidade”. 

O Dia da Abolição da Escravatura, a ser lembrado neste domingo, é criticado pelas candidatas. “O Brasil não concluiu o processo de abolição. As estatísticas mostram a marginalização da mulher negra, como no mercado de trabalho”, acrescenta Talíria. 

Mais duas candidatas a deputada federal vêm do mundo popular e lutam por causas desse universo. Vereadora em Niterói, Verônica Lima (PT) deixou o cargo de secretária municipal de Assistência Social e Direitos Humanos de Niterói para disputar uma cadeira no Congresso. Ivanete Silva é do movimento sindical associado à educação. Marielle já vinha mesmo fazendo um intenso movimento de mais mulheres na política. “E é claro que a morte absurda dela acelerou esse processo feminista e que representa a mulher da periferia”, disse ela, moradora de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.   

Duas grandes amigas de Marielle que integravam seu mandato, Renata Souza e Mônica Francisco também serão candidatas a deputada estadual. Mônica é uma liderança conhecida da Favela do Borel. “A Marielle puxou essa corrente. Ela sempre nos deu força nesse sentido”, disse Mônica, que também não concorda com o espírito da data da abolição da escravatura: “O povo negro ainda luta por direitos. Essa data é um equívoco”. 

A socióloga Flavia Pinto, por sua vez, é um quadro que o PDT quer ver eleito. Ela ainda não decidiu se vai concorrer à deputada federal ou estadual. Sem trabalhar para qualquer mandato, a arquiteta Tainá de Paula vai tentar se eleger a deputada estadual. Tainá foi muito amiga de Marielle e também lembra da conclamação dela para que mais mulheres ocupem o espaço na política. Tainá chegou à universidade com muita dificuldade, à semelhança de Marielle, que fez o vestibular comunitário da Favela da Maré. “A sociedade está longe de compreender o debate racial, que toca em temas como reparação, em que as cotas nas universidades se inserem. Quando parte da sociedade fala em meritocracia, não entende o que a gente passou. Por isso, temos muito que questionar o dia da abolição da escravatura”, diz Tainá. Mas a vontade dessas mulheres em ocupar espaço no Legislativo pode ser interpretada como um processo libertador.