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‘Fora da favela não há segurança’, diz diretor de centro de estudos da Maré

Lourenço, que conheceu Marielle Franco, relembra lutas e critica espaço de exclusão

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Amigo da vereadora Marielle Franco (PSOL) desde que a conheceu no pré-vestibular comunitário no Morro do Timbau, uma das 16 favelas do Complexo da Maré, ainda na década de 90, Lourenço Cezar da Silva, 47 anos, relembra o início da trajetória política de sua parceira de lutas assassinada. Ainda em 1998, os dois foram colegas de classe no cursinho fundado na Paróquia Nossa dos Navegantes, onde Marielle atuava como catequista. Depois, com a descoberta da gravidez, Marielle afastou-se das aulas, retornando dois anos mais tarde.

“Naquele tempo, a gente não tinha a menor perspectiva de estar dentro de uma universidade, e essa coisa de pré-vestibular comunitário era muito nova. Quando começou, foi como se um outro mundo tivesse se aberto pra gente. A Maré sempre teve um histórico de muita violência e, neste momento, começamos a dialogar e se desenvolver em contato com muitos movimentos sociais, de todos os tipos. Passamos a entender a nossa importância na sociedade e a fazer uma leitura mais 

racional de tudo. Encontrávamos representantes de diversos grupos de direitos humanos. Tudo isso transformou muito a nossa cabeça”, relembra ele, hoje diretor do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm), onde são oferecidos cursos preparatórios gratuitos para concursos de colégios técnicos e pré-vestibular. 

Nessa época, já em 2002, os dois viveram juntos seu primeiro grande episódio de mobilização pelos direitos humanos.  

“Era dia de eleição, com um monte de gente na rua fazendo boca de urna. As ruas da Maré estavam lotadas. Só que tinham criado um batalhão dentro da favela, e o caveirão tinha que passar ali no meio pra chegar no batalhão. Exatamente nesse dia, o caveirão reagiu aos traficantes e acertou uma criança de 4 anos, o Renan. E ainda registraram o crime como auto de resistência (quando um suspeito é morto em confronto com a polícia). Nós juntamos muita gente. Conseguimos parar a Avenida Brasil, lotou mesmo. A gente precisava chamar a atenção para aquilo”, conta, emocionado. 

Depois disso, Marielle e Lourenço também organizaram um ato por conta do assassinato do sobrinho de Lourenço, morto na porta de casa, aos 8 anos, com um tiro que teria sido disparado pela Polícia Militar. 

“Fizemos, juntos, uma sequência de atos contra o histórico de crianças assassinadas dentro da Maré. A Marielle sempre foi muito peituda. Ela não abaixava a cabeça. Ela enfrentava. Muitas vezes a gente pedia pra ela ir mais devagar, porque a gente, às vezes, ficava com medo. Ela, não!”, relembra. Os dois passaram logo a atuar junto à militância do Partido dos Trabalhadores. 

Anos mais tarde, Marielle filiou-se ao PSOL. Mesmo em grupos distintos, Lourenço foi um dos maiores incentivadores da vida política da companheira. 

Ao vê-la participando de uma propaganda institucional do PSOL na TV, com outros integrantes do partido, Lourenço questionou se Marielle seria candidata. Por falta de recursos, ainda não estava nos planos. Anos mais tarde, já em 2016, ajudada por correligionários, foi lançada como candidata à Câmara Municipal do Rio. 

“Tem horas que eu me sinto muito culpado por ter incentivado a candidatura dela. Afinal, eu fui a primeira pessoa que levantou essa possibilidade pra ela. Ao mesmo tempo, penso que ela já 

corria risco quando trabalhava com o Marcelo Freixo (na Comissão de Direitos Humanos da Alerj). O Freixo encarava a milícia, que é um grupo criminoso muito organizado”, analisa. “Quando alguém morre aqui na favela, é como se a gente estivesse junto até a hora da morte. Mas, quando morre longe, é como se a gente tivesse deixado a pessoa desprotegida. A gente se sente um pouco culpado”, lamenta ele, que ainda mora na Maré. 

Sobre o impacto da morte da vereadora amiga com relação à representatividade dos moradores da periferia em espaços públicos, Lourenço acredita que ainda falta muito para que essa população tenha reconhecido pela sociedade seu direito à cidadania: 

“Qualquer espaço fora da favela ainda não é um espaço de segurança pra gente que é negro e favelado. Nem que seja vereadora. Achei que ela pudesse estar um pouco mais protegida do que a gente por conta do cargo que ela ocupava, mas não estava. A morte da Marielle deixou um recado muito forte pra gente que é negro e favelado. Não importa onde estivermos, somos o perfil mais fácil de matar e descartar”.