ASSINE
search button

"Nunca houve propina. Que história é essa? Que maluquice é essa?", questiona Sérgio Cabral 

Ex-governador do Rio prestou depoimento nesta segunda-feira ao juiz Marcelo Bretas

Compartilhar

Em depoimento prestado nesta segunda-feira (10) ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral reagiu ao ser questionado sobre a acusação de que ele cobrava 5% de propina em obras do estado. “Nunca houve uma contrapartida por ter me dado recursos legais ou em caixa dois com os temas abordados como governante. Nunca houve propina. Nunca houve 5%, que história é essa? Que maluquice é essa?", questionou. 

Cabral, contudo, admitiu a existência de caixa dois nas campanhas eleitorais: “Reconheço o hábito da política brasileira de caixa dois.”, disse Cabral.

O ex-governador negou que empresas citadas por Ary Ferreira da Costa Filho, ex-assessor, tenham recebido benefícios. Ele afirmou ainda que elas chegaram a ser multadas em seu governo. "Jamais pedi benesse a qualquer empresa do Rio"

Cabral foi intimado a prestar depoimento juntamente com Ary Ferreira da Costa Filho, preso durante a operação Mascate da Polícia Federal em fevereiro, e Carlos Emanuel de Carvalho Miranda. Pela primeira fez, Cabral respondeu a perguntas feitas pelo juiz Marcelo Bretas. Nos depoimentos anteriores, ele só respondeu a perguntas dos advogados. 

O ex-governador também negou as informações dadas por Ary Ferreira , que disse ter recebido entre R$ 9 milhões e R$ 10 milhões de sobras de campanha. "Faça-me o favor, porque eu nunca soube disso", declarou o ex-governador, completando em seguida que a origem do dinheiro deveria ser questionada diretamente ao ex-assessor.

Sobras de campanha

Ary Filho disse que coordenou todas as campanhas políticas de Sérgio Cabral desde 1998 até 2010, além das duas de Eduardo Paes à prefeitura do Rio, em 2008 e 2012, e a do atual governador Luiz Fernando Pezão, em 2014.

“O Sérgio Cabral pegava o dinheiro e mandava para mim, eu fui juntando. Tinha muita sobra de campanha, tinha empresários que ajudavam eles. Eu ficava afastado dessa parte, não me metia na arrecadação, não sabia a origem. Eram empresas privadas, de campanha mesmo. Ele [Cabral] pegava e me dava o dinheiro, não era tudo de uma vez. Ele falava: 'Ary, sobrou isso pra você, você vai receber isso'. Eles não me deixavam participar das decisões, eu só ia buscar o dinheiro”, afirmou Ary Filho.

Ele disse que, por sugestão do empresário Adriano Martins, dono de concessionárias envolvidas no esquema e da Imbra Imobiliária, usou esses recursos para comprar imóveis. “Ele disse: 'se você tem esse dinheiro, traz pra cá, compra esses imóveis e recebe aluguel, o dinheiro não fica parado'. Eu viajava com ele, ele frequentava minha casa. Eu dei o dinheiro pra ele comprar os imóveis. Inclusive comprei um dele, em Jacarepaguá. Ele disse: 'é bom porque os imóveis ficam na minha empresa'. Ele disse que eu poderia ser assaltado, então era para usar para ter lucro. Não comprei no meu nome porque não tinha caixa. Não tinha a origem desse dinheiro.”

Ary Filho disse que Martins também intermediava o aluguel de carros para as campanhas, cerca de 150 veículos, além de 10 blindados, com acerto de lançar apenas 20% do valor na nota fiscal a ser apresentada na prestação de contas ao Tribunal Regional Eleitoral. Os 80% restantes eram pagos em espécie. Ary Filho também contou também que intermediou reunião entre Carlos de Miranda, apontado pelo Ministério Público como operador financeiro da organização criminosa liderada por Cabral, com representantes da cervejaria Itaipava e do supermercado Prezunic. Na Itaipava e no Prezunic teriam sido arrecadados cerca de R$ 10 milhões, R$ 5 milhões em cada.

Cabral 

Segundo Cabral, é “comum na política” assessores próximos usarem o nome dos ocupantes de cargos eletivos para pedir contribuição. O ex-governador disse que ficou surpreso com o número de apartamentos, com os carros. "Eu não sabia. Agora, justificar o recurso [obtido] com essas empresas ou [como] sobra de campanha, não é o caso. Muitas vezes, os assessores próximos usam o nome do governador, do parlamentar, do juiz. Eu fui chefe de dois poderes, então sei como funciona.”

Sobre a Itaipava e o Prezunic, Cabral admitiu que as duas empresas fizeram doações para suas campanhas, mas disse que não se recorda se foram legais ou em caixa 2. O ex-governador também rechaçou a acusação de que havia um esquema de propina de 5% em contratos públicos para dividir entre os acusados.

“Isso eu posso afirmar ao Ministério Público Federal: nunca houve contrapartida. Nunca houve propina. O Ministério Pública colocou que os delatores falam de 5%. Nunca houve isso – eu vejo e fico atônito com isso. Que 5% é esse? Nunca houve isso. Reconheço, sim, que houve caixa 2. Mas esses valores para compra de apartamentos eu desconheço, nunca soube disso.”

Carlos de Miranda também foi convocado para depor hoje, mas, por orientação dos advogados, permaneceu em silêncio. 

Para quarta e sexta-feira, estão marcados depoimentos relativos ao inquérito da Operação Eficiência.

Condenação

Sérgio Cabral já foi condenado a 14 anos e 2 meses de prisão pelo juiz federal Sérgio Moro. A sentença foi proferida pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro (12 vezes) em processo a que ele responde no âmbito da Operação Lava Jato. O ex-governador é réu em 12 ações.

Na última sexta-feira (7), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chamou Cabral, preso desde novembro do ano passado, de "líder de organização criminosa", em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a manutenção da prisão de Luiz Carlos Bezerra, ex-assessor do ex-governador do Rio.

Segundo Janot, o Ministério Público Federal e a força-tarefa da Lava Jato descobriram diversos núcleos da organização criminosa no estado do Rio. O econômico é formado por empresas estruturadas em cartéis para fraudar licitações e este pagava propinas ao núcleo administrativo. O outro núcleo é o financeiro, onde estava Luiz Carlos Bezerra, encarregado de pagamentos, recebimentos e lavagem de dinheiro. Já o núcleo político, segundo o PGR, era "formado pelo líder da organização criminosa, o ex-governador Sérgio Cabral". 

Na sua justificativa para pedir que os operadores de Cabral continuem presos preventivamente, Janot afirma que "não é lógico inferir que o potencial de reiteração delitiva do paciente estaria neutralizado pelo simples fato de determinado grupo político estar por ora afastado da gestão pública" e que "pelo contrário, é fato incontestável que muitos dos espúrios frutos de crimes antecedentes continuaram a se produzir – e a multiplicar os delitos de lavagem de capitais – muito tempo depois da renúncia de Sérgio Cabral ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, ocorrida no dia 3/4/2014".

O Cencosud, detentor da Prezunic desde 2012, divulgou nota sobre o caso:

O Cencosud, detentor da Prezunic desde 2012, quando assumiu a operação desta rede no Rio de Janeiro, desconhece qualquer pagamento feito de forma irregular e está à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento adicional que se faça necessário.

>> Sérgio Cabral é condenado a 14 anos e 2 meses por corrupção e lavagem

>> Justiça aceita denúncia e Cabral se torna réu pela 12ª vez na Lava Jato

>> Cabral recebia "prêmios" para dar reajuste nas tarifas de ônibus, diz MP

>> Sérgio Cabral gastava R$ 4 milhões por mês