Três famílias da centenária Aldeia Imbuhy foram despejadas hoje (23) pelo Exército, em Niterói. As casas, que ficam no entorno do Forte do Imbuhy, que pertence às Forças Armadas, foram destruídas na sequência, segundo relatos de moradores, apesar de serem patrimônio da cidade. Os militares se ampararam em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu pela reintegração de posse. A imprensa e os parlamentares não foram autorizados a acompanhar o despejo.
Realizada dentro do forte, a ação contou com apoio de caminhões, lanchas, cachorros e policiais do Exército, que fecharam o acesso à comunidade. Um caminhão de mudança e uma retroescavadeira também foram mobilizados. Mais tarde, alguns moradores conseguiram sair e exibiram filmes e fotos aos jornalistas, do lado de fora. Em protesto, aproveitaram para lembrar que a comunidade, de cerca de 30 famílias, está há mais de cem anos no local, e não tem para onde ir.
“[Os militares] chegaram como se chegassem a uma guerra: pelo mar, por terra, só faltou ser pelo ar”, contou a aposentada Vera Lúcia Silva dos Santos, de 65 anos. Segundo ela, aos moradores despejados foi dada 1h30 para arrumarem as coisas e saírem das casas. “Eles só se esqueceram que nós não temos para onde ir; não tem indenização, casa, nada”, completou.
Grávida, a dona de casa Adriana Costa Paiva também ficou assustada. “Eles [os militares] colocaram cachorros. Na porta da minha casa passou caminhão o dia todo. É como se fôssemos um monte de bandidos”, acrescentou. “Passei mal hoje, é uma pressão psicológica muito grande”, desabafou em relação ao aparato montado para retirar três famílias.
Uma ambulância foi chamada ao local por uma das pessoas despejadas, mas também não teve autorização do Exército para entrar, aumentando o clima de tensão. Os moradores despejados, idosos, solicitaram ainda o apoio de assistentes sociais da prefeitura, se recusando a ser atendidos por médicos e outros assistentes sociais do Exército, que estavam à disposição.
Parlamentares das três esferas legislativas prestaram apoio, do lado de fora, também barrados, e cobraram que o Exército esclarecesse a opção pelo despejo, em vez de um acordo, como vinha sendo desenhado, com a possibilidade de a comunidade ser remanejada ou indenizada.
O vereador Leonardo Giordano (PT), autor da lei de tombamento da comunidade, lamentou que tenha sido destruído um patrimônio da cidade, e cobrou que o Ministério da Defesa suspenda os despejos. “Fizemos um tombamento cultural, que é da cultura deles, dos moradores; paisagístico, porque não se pode erguer nada lá, [nem] cerca; arquitetônico, porque não pode derrubar casas; e, cultural, para reforçar os demais, dando importância à aldeia”, declarou.
O deputado estadual Flavio Serafini (PSOL) criticou o uso desproporcional da força para retirar as três famílias, e suspeita que o Exército queira instalar um hotel para oficiais onde fica a comunidade. “Houve um acordo no passado, que foi desrespeitado, e agora eles insistem na demolição das casas. Somada às restrições de acesso, essa ação preocupa”, disse.
O porta-voz do Exército no local, coronel Gerson Maia Freitas, explicou que foram tomados cuidados com os moradores. “Não foi determinado, em nenhum momento, agir com truculência, e o aparato não excedeu o que podemos julgar razoável”, afirmou. Ele disse que a entrada da imprensa e dos legisladores não foi permitida para “causar menos transtornos à operação”. No entanto, informou, estão disponíveis fotografias e vídeos feitos pelos militares.
Segundo o Exército, a reintegração de posse foi acompanhada por quatro oficiais de Justiça e pela Procuradoria da Advocacia-Geral da União (AGU). Pela assessoria de imprensa, A AGU assegurou que a legalidade e os prazos estabelecidos pela Justiça foram cumpridos.
O deputado federal Chico D'Angelo (PT-RJ) também pediu apoio ao ministro da Defesa, Jaques Wagner, em Brasília, para impedir novos despejos. “A ação de hoje nos pegou de surpresa”, disse ele. O órgão, no entanto, não comentou a ação até a edição desta matéria.