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Rio em 1965: Remoção de favelas, falta d'água e aumento da criminalidade

Nas favelas cariocas de 2015, aos 450 anos do Rio, situação não é muito diferente

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No ano em que o Rio de Janeiro comemorava seu quarto centenário, em 1965, o Jornal do Brasil noticiava remoções de favelas, falta de água e aumento da criminalidade na capital fluminense. Na época, a cidade contava com um número em torno de 30 mil moradores nas favelas, hoje o número se aproxima de 1,4 milhão. Falta de água e aumento de criminalidade, em alguns aspectos, persistem. Para moradores de comunidades cariocas, muita coisa continua parecida. 

Naquele ano, moradores de favelas foram realocados para a Vila Kennedy, em Bangu, quando o conjunto habitacional ainda estava em obras. As casas de alvenaria, com um quarto, cozinha, banheiro e pequena sala apertada, sem vasos sanitários e janelas, exigiam um pagamento dos novos moradores, em uma dívida com prazo de 15 anos para pagar. Os que não tinham condições, eram encaminhados para outros lugares. Pessoas foram removidas de favelas como Esqueleto, no Maracanã, a mais populosa na época, Maria Angu, na Leopoldina, e Morro do Pasmado, em Botafogo. 

“O Rio é uma cidade cercada de favelas por todos os lados”, dizia o jornal. Matéria do dia 13 de janeiro de 1965 informava que o Estado removeria a favela Esqueleto depois da remoção da favela Brás de Pina. “Não se verificam atualmente tentativas de formação de novas favelas na Guanabara”, acreditava-se. A Secretaria de Serviços Sociais ainda não sabia o que fazer com as favelas da Zona Sul, quais seriam urbanizadas e quais seriam removidas. “Não é propósito do governo remover favelas só porque incomodam os ricos”, alegava o secretário Luís Carlos Vital.

A favela do Esqueleto seria removida porque a dona do terreno, a Universidade do Estado da Guanabara, hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), queria construir prédios ali. Em meses, a Secretaria iniciaria a transferência dos 18 mil habitantes para a Vila Kennedy. Em junho, a remoção da favela foi marcada para o mês seguinte, para que a favela fosse restituída em três meses à Universidade. “Os moradores da favela do Esqueleto, apesar de no princípio terem se mostrado pouco satisfeitos com as perspectivas de mudança, já se acostumaram com a ideia, após terem visitado as suas futuras moradias na Vila Kennedy.”

No final de junho e início do mês seguinte, 15 das 3080 famílias começaram a mudança para a Vila Kennedy. Venderam porcos e cabritos, que não eram permitidos no novo local pelo Serviço de Saúde Pública. A favela do Esqueleto tinha sido dividida em 12 áreas, e as que começavam a ser realocadas ficavam na área denominada A. Junto com eles, os moradores poderiam levar apenas objetos de uso pessoal tijolos, telhas e caibros. Não poderiam transportar tábuas, para que não construíssem “novos barracos”.

Para ir para a Vila Kennedy, contudo, era preciso ter condições financeiras. Moradores do Morro do Esqueleto e de outras comunidades foram encaminhados para “parques proletários do Estado”, porque não tinham como adquirir uma casa na Vila Kennedy. Pelas residências, os novos proprietários pagariam mensalmente 15% do salário mínimo para casas da classe F, e 18% para a classe G. Havia ainda unidades mistas, casa e comércio, a 20% ou 25% do salário mínimo. O prazo para quitar a dívida era de 15 anos. 

Apesar do movimento iniciado há 50 anos, a cidade não conta com menos favelas ou pessoas morando nessas regiões. Hoje, as fontes oficiais estimam que elas abriguem 1,4 milhão de pessoas -- enquanto outros indicam que haveria muito mais. Matéria do JB de 1975 atestava que a cidade contava 873 mil favelados, ponderando, como hoje, que diferentes pesquisas indicavam os mais variados números de habitantes dessas comunidades. “Ninguém sabe, ao certo, quantas favelas, quantos barracos e quantos favelados existem no Rio”, dizia trecho do jornal, que poderia se encaixar perfeitamente no Rio de 2015.

Os problemas, também, não muito diferentes. Ainda falta serviços dos mais básicos, como água, saneamento, luz, saúde e educação. 

A criminalidade era colocada como um problema diário quando o Rio comemorava 400 anos, e manchetes de "limpeza" em favelas era comuns, com muitos registros de prisão desses moradores. A revista "Cruzeiro" chegou a estampar que se matava mais em um mês no Rio do que em um ano inteiro em Londres. Hoje, a cada dia, são diversos casos dos mais diferentes tipos. Só em janeiro, no Estado do Rio, foram 442 casos de homicídio doloso, 64 homicídios decorrentes de operação policial, 14 casos a mais que o registrado no mesmo mês de 2014, de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). O índice de roubo a transeunte teve aumento de 5,3%, de 6.625 casos em janeiro de 2014 para 6.978 em 2015, e o de roubo de rua de 11%, de 7.760 no mês do ano passado para 8.617 em janeiro deste ano.

Há 50 anos, a cidade tinha ainda uma série crise de água, um problema crônico, que levou à construção da estação Guandu, que garantiria água até 2000. O problema da água, hoje, não é tão alarmante como o caso de São Paulo, mas mesmo assim merece destaque. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse no mês passado que o Rio tem água, mas precisa "administrar essa água com racionalidade porque estamos usando o volume morto da energia elétrica". Nas favelas, entretanto, o cenário fica mais parecido com o Rio de antes.

Walmyr Júnior, morador da Maré, representante do Coletivo Enegrecer como Conselheiro Nacional de Juventude fala sobre a persistente criminalização da população da favela e sobre a falta de assistência básica de direitos. "Como via de regra, a favela é criminalizada e todo sua população sofre com esse estigma. A ausência de assistência básica dos direitos do pobre da favela é uma constante que tira a dignidade do morador. Falta saneamento básico, escolas de qualidade, incentivo a cultura e ao lazer. Com isso, nos tornamos refém da única política publica que chega na favela: a politica de segurança com a militarização da favela. Sofremos diariamente com a falta de preparo dos policiais militares que chagam na favela apenas com o intuito de punir, encarcerar, invisibilizar e exterminar o povo favelado", conta Walmyr.

Davison Coutinho, morador da Rocinha desde o nascimento, membro da comissão de moradores da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu, professor, escritor e designer, destaca que de 1965 para 2015 poucas coisas de fato mudaram, lembrando da falta de água, saneamento, entre outras ausências. "Em meio às comemorações do aniversário da cidade maravilhosa, mais um descaso acontece com áreas menos favorecidas. Há mais de 10 dias que milhares de moradores da Rocinha sofrem com a falta de água", dizia Davison em sua coluna no último domingo (1).

Para ele, comparar as favelas de hoje com as de 1965 é dar conta, "vergonhosamente", do descaso e abandono desses espaços por todas essas décadas. "Assistindo ao documentário Rocinha 77 de 1997, de Sérgio Péo, e outros documentários da época, é possível encontrar os mesmos problemas que ainda temos na Rocinha: falta de saneamento básico e urbanização, falta de água, violência. Além da alta dos preços de aluguéis. As demandas dos moradores são as mesmas de hoje, um lugar para morar, segurança e educação para os filhos. Claro, temos que considerar que aconteceram mudanças e melhorias, mas muito foi construído pelos próprios moradores. Graças a obras recentes do PAC que as comunidades tem tido algum tipo de melhoria, mas ainda é preciso muito avanço e prioridade para as questões básicas da comunidade."

Mônica Francisco, membro da Rede de Instituições do Borel, coordenadora do Grupo Arteiras e consultora na ONG Asplande, por sua vez, lembrava em sua coluna no JB que alguns cariocas não vão poder acompanhar a celebração dos 450 aos da cidade. "Alan Souza de Lima, de 15 anos, deixou no celular o vídeo com sua justificativa de ausência. Haíssa Vargas Motta, de 22 anos, também não vai nos acompanhar. Cláudia Silva Ferreira, de 38 anos, tampouco. É uma situação catastrófica, asfixiante. Essa é a tradução da vida dos jovens que vivem nestas áreas."