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Caminhão da prefeitura de São João de Meriti joga lixo em vazadouro clandestino

Na área, do tamanho de dois campos de futebol, acontece os tradicionais rodeios de Meriti

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No ano em que o governo do Estado empenha esforços para cumprir o seu compromisso com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dando fim aos vazadouros e lixões clandestinos nos municípios, os moradores de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, denunciam um crime ambiental supostamente cometido pela própria prefeitura. O Parque de Eventos de Meriti, uma área equivalente a dois campos de futebol, onde é realizado o tradicional Rodeio em comemoração ao aniversário do município, foi tomado por montanhas de lixo e detritos, que são despejados no local por caminhões do governo municipal. Catadores de lixo que atuam no local afirmam ser servidores da prefeitura e estão com os seus salários atrasados.  

O lixão clandestino, no bairro Venda Velha, em Vilar dos Telles, fica a menos de um quilômetro da Usina de Reciclagem de Resíduo, que também segundo a população, já avançou para os terrenos localizados no seu entorno, soterrando, inclusive, um imóvel onde funcionaria uma unidade do Instituto Médico Legal (IML), que nem chegou a ser inaugurada. O supervisor de mercado Ednilson dos Anjos, de 49 anos, conta que o vazadouro clandestino começou de forma gradativa, há um ano, com o despejo de móveis, pneus, caixa d´água, detritos de obras e lixo comum, tudo isso transportado pelos veículos da prefeitura. "Eles recolhem o lixo do município todo e despejam aqui. É uma quantidade enorme de detritos", diz o morador, destacando que a área fica bem próxima ao Batalhão da Polícia Militar.

O último evento realizado no local aconteceu em agosto de 2013, com shows de grandes nomes da música nacional, reunindo milhares de pessoas. Desmontada a mega estrutura, um outro público tomou conta do lugar: os catadores de lixo. "Ele foram chegando devagar, conforme aumentava o acúmulo de lixo reciclável. Alguns são funcionários da prefeitura que não recebem há meses", contou um morador que pediu para não ser identificado na reportagem.

Caminhando em meio às montanhas de lixo, a equipe de reportagem do Jornal do Brasil encontrou um servidor da prefeitura de São João de Meriti, que pediu de imediato para não ser identificado - "senão a situação fica pior ainda para a gente", justificou. Ele nos contou que o seu salário está atrasado três meses, enquanto arrumava uma pilha de papelão e outros materiais recicláveis em um carrinho velho. "Isso [apontando para os entulhos] é para tirar a minha passagem, porque eu continuo indo no trabalho [na prefeitura de Meriti], na esperança de receber o meu salário", disse o catador, que já assumiu diversos cargos nos 21 anos de funcionalismo público. Quando não consegue dinheiro suficiente para pagar a passagem de ônibus, o servidor usa uma bicicleta para ir trabalhar, pedalando quase sete quilômetros desde um município vizinho.

Residindo exatamente ao lado do novo lixão, o funcionário no ramo de Logística, Cristiano Moraes, de 42 anos, relata uma rotina de sofrimentos causados pelo acúmulo de lixo. "Os ratos estão tomando conta do quintal, por todos os lados da casa tem moscas e insetos e o mal cheiro é insuportável", conta ele. Segundo o morador, casos de dengue são comuns na localidade. "Sem contar outra situação preocupante. Todos os dias a gente vê crianças soltando pipa no meio do lixo. Teve até um festival de pipa aqui, há pouco tempo. E com as férias, com certeza a criançada vai tomar conta desse lugar e corre risco de pegar uma doença", destacou Cristiano.

O taxista Anderson Feliciano, que também reside a poucos metros do lixão, enumerou outros problemas. "Na parte da noite, usuários de drogas usam este espaço. E como não tem nenhum policiamento, a população está com medo de outros grupos tomarem conta dessa área", disse. A dona de casa Maria José Luz, de 64 anos, cujo terraço tem como vista o lixão, considera uma "barbaridade" a ação do poder público, que tem o dever de zelar pela segurança do povo. "Eu daqui de cima vejo a movimentação dos caminhões. Eles chegam a toda hora carregados de lixo e despejam aí. Um absurdo! A casa da gente é invadida por insetos, bichos e cheiro horroroso, não temos paz para nos alimentar e manter uma higiene adequada", reclama a dona de casa, que mora com duas filhos e netos menores.

A equipe de reportagem do Jornal do Brasil passou cerca de uma hora no terreno usado para despejo. Durante esse período, dois caminhões com adesivo da prefeitura - "Prefeitura Trabalhando" -, descarregaram no local. Além do lixão, a área tem esgoto correndo à céu aberto e pequenas construções, que parecem cabines de segurança, abandonadas e tomadas pelo matagal. Ao redor do terreno, encontramos um campo de futebol renomado, o Audax, a Sendolândia (do antigo grupo Sendas) e uma Lona Cultural, onde fica um homem com uma prancheta, anotando os veículos da prefeitura que entram no lixão. "Ele é funcionário da prefeitura e tem a função de registrar todo o movimento para passar aos superiores", contou o servidor que estava catando lixo. O empresário Marcio Reis, morador do bairro, contabiliza mais de 10 caminhões despejando lixo no local, diariamente.

Usina de asfalto soterrou o IML, segundo moradores

Deixando para trás o vazadouro clandestino em direção à Via Dutra, a menos de um quilômetro dali, na Rua José de Amorim, ainda no bairro de Venda Velha, a Usina de Reciclagem de Resíduo do município é motivo de muitas outras reclamações dos moradores da região. "Mosca, ratos, um fedor insuportável. É assim que a gente vive", descreveu o cortador de roupas Wilson Lima, de 50 anos. Ele mora em frente à Usina e reclama do tratamento dado pelas autoridades municipais ao problema ambiental. "No ano passado, o Inea [Instituto Estadual do Ambiente] interditou uma parte dessa Usina, depois disso melhorou o mal cheiro, mas por pouco tempo", contou.

Outro morador, Edson de Lima, destaca que o barulho dos caminhões durante a madrugada representam incômodos para a população. "É um entra e sai a toda hora. Ninguém consegue dormir direito com essa movimentação", disse. Segundo ele, muitas pessoas no lugar apresentam reações alérgicas a emissão contante de fumaça que sai dos resíduos. "Tosse, dor de cabeça e secura na boca, falta de ar. Muitos moradores já estão doentes. E eu imagino os catadores de lixo, até crianças, que ficam lá dentro da Usina", destaca.

Residente há 20 anos no bairro, Wilson conta que em governos anteriores, a Usina tinha um tratamento mais adequado pelas autoridades. "A rua não ficava suja, como acontece agora, o recolhimento do lixo era feito com um maquinário diferente e tinha até purificador de ar. Era bem melhor para os moradores", conta. Wilson aponta ainda outras consequências que ele considera negativas para a região. "Ali [apontando para uma montanha enorme de lixo] foi construído um IML, mas nem chegou ser aberto. Ele está embaixo do lixo", disse. 

Inea esclarece destino do lixo no município e prefeitura não comenta o caso

Em nota, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informou que os resíduos de São João de Meriti são levados para uma Estação de Transferência situada no Parque Novo Rio, antes do transporte para o CTR Rio, em Seropédica. Segundo o órgão, esta estação é fiscalizada periodicamente e, quando há descumprimento das normas, a prefeitura é notificada e autuada para proceder à regularização dos procedimentos.

Com relação às denúncias dos moradores do vazadouro clandestino no Parque de Eventos e do suposto crime ambiental cometido pela prefeitura, o órgão estadual disse que técnicos do Inea farão uma vistoria no local.

O Jornal do Brasil procurou a prefeitura de São João de Meriti e apresentou as denúncias dos moradores. No entanto, não houve retorno até o fechamento desta reportagem.