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Em meio ao clima de tensão e confronto, Rocinha troca comando de UPP

Major Pricila foi promovida a assumirá área de polícia pacificadora da Zona Sul

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A major Priscila Azevedo, comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, foi promovida a comandante das UPPs da Zona Sul. Com isso, o comando da unidade da comunidade passará para o comandante do São Carlos, major Leonardo Nogueira, que já comandou as UPPs do Pavãozinho e Mangueira. O anúncio foi feito na noite de quarta-feira (20) pelo coronel Frederico Caldas, coordenador das UPPs, em reunião com moradores da Rocinha na associação local. A troca só será realizada depois que o coronel definir o nome do substituto do major Nogueira no São Carlos. Pricila assumirá a 2ª APP (Área de Polícia Pacificadora), que comanda as UPPs do Santa Marta, Babilônia e Chapéu Mangueira, Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, Tabajaras e Cabritos, Escondidinho e Prazeres, Vidigal, Cerro-Corá e Rocinha.

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O encontro serviu para que moradores levassem ao coronel as queixas com relação à UPP, como o aumento da violência e a falta de respeito com a população. O encontro teve início com a apresentação de presidentes de associação e presidente da união comunitária. Foi relatada a importância do diálogo da comunidade e estado. A major Pricila e o coronel Frederico Caldas falaram da importância da boa relação com o morador.

O líder comunitário Carlos Eduardo Barbosa, o Duda, falou sobre a privação do direito de ir e vir dentro da comunidade e a dificuldade de levar reclamações à UPP, tendo em vista que muitas vezes o morador é classificado como defensor de marginal.

Duda relatou que, em março de  2013, recorreu à UPP da Rocinha e informou que a família de Amarildo estava sendo perseguida pela policia, porém não foi ouvido e logo em junho Amarildo foi morto. Ele frisou que os problemas da Rocinha vão muito além da segurança. "Quem dera se os problemas da Rocinha fossem apenas segurança, aqui falta o básico." Ele reclamou que as ações policiais estão sendo muito violentas e informou que quando acontecem tiroteios, o medo é a morte dos inocentes.

Adriana Pirozzi, professora e líder comunitária, elogiou a coragem da major Pricila e informou que as instituições sociais da Rocinha querem ser parceiras da pacificação,  mas que nunca sentiu vontade da UPP em fazer parcerias com os projetos locais.

O coronel Frederico afirmou  que a Rocinha não  era melhor antes da pacificação, e que acredita que a situação na comunidade hoje é totalmente diferente. Frederico afirmou que não vê o policial como alguém que impeça o direito de ir e vir. Ele citou que os eventos em comunidades são impedidos por falta de lugares adequados para a sua realização, o que dificulta a liberação por parte da UPP, para que não aconteça acidentes. Ele afirmou que o RIo de Janeiro está bem melhor que há seis anos. E reconheceu que o projeto ainda está distante do ideal, reconhecendo que alguns policias agem errado, inclusive, nas abordagens policiais.

Major Pricila informou que a Rocinha, por ser muito grande, tem uma demanda muito complexa. E que está aberta a parcerias com instituições locais que priorizam o bem da comunidade. Afirmou que a UPP já faz essa parceria com algumas instituições locais, com pessoas sérias com compromisso e histórico idôneo. A major admitiu que fica muito triste quando recebe reclamações de ações que prejudicam as crianças.  E que preza para que a geração das crianças seja livre da vida do tráfico. A major garantiu que, se dependesse dela, não teria confrontos na Rocinha, se desculpou pelos conflitos acontecidos. E comparou a gestão dela no Santa Marta, onde nunca teve um confronto armado nos dois anos de seu comando.

A moradora Eliana reclamou que esse tipo de diálogo da UPP e moradores deveria estar acontecendo há muito tempo. Informou que a rua 2 está um caos e descordou do coronel Frederico, afirmando que a Rocinha ficou pior nos últimos anos. "Antes sabíamos que tínhamos apenas um poder armado e podíamos andar tranquilamente. Agora, temos dois poderes e a qualquer momento podemos estar no meio de um conflito em qualquer horário. Quando eu vejo a Rocinha como está, eu fico triste. A UPP morreu junto com o Amarildo, e a Rocinha está em uma situação muito próxima a do Complexo do Alemão. Eu rezo e acredito que a UPP vai melhorar."

Eu, Davison Coutinho, aproveitei a fala e informei que nós moradores não somos contra a pacificação, mas somos contra aos projetos e serviços públicos que não chegaram na comunidade. Antes, os serviços não vinham pela desculpa de não haver segurança e ainda hoje  presenciamos a falta dos serviços básicos na comunidade. Afirmei que não haverá paz e pacificação enquanto a comunidade viver no descaso, enquanto a prioridade não for a capacitação e formação de nossos moradores por meio da educação e cidadania.

O morador e professor de arte conhecido como Roque informou que em meio a sua atividade de desenho com  com 40 crianças da Rocinha, foi abordado de forma violenta e espancado por policiais da UPP que estavam sem identificação. Roque prestou queixa na delegacia depois de esperar de meio dia até 20h. Inconformado, foi até a Alerj na comissão de Direitos Humanos e vai levar a denúncia a diante para que os policiais sejam tirados da Rocinha.

O mestre de Capoeira Manel relatou que a comunidade piorou nos últimos tempos e se diz preocupado com o futuro das crianças, sabendo que  na Rocinha não se tem boas escolas.

O morador Kadu do esporte afirmou que não viu outra opção a não ser deixar de morar na Rocinha. Segundo ele, onde morava era muito tranquilo antes da pacificação. E hoje  é impossível morar lá. O morador desabafou que esperava uma grande transformação para comunidade, mas que ainda falta muita coisa a ser feita. Ele  citou que a clinica da família não funciona mais e que os projetos prometidos ficaram apenas no desejo do morador. "A esperança era de uma Rocinha melhor. Onde falta esporte, lazer e cultura, sobram violência"

O coronel Frederico respondeu que a Rocinha, por ser muito grande, os problemas são maiores, e lamentou que a UPP chegou e os serviços do poder público não acompanharam o processo de pacificação. O coronel Informou que o papel dos projetos sociais da UPP é aproximar a relação dos moradores com policiais. Respondendo sobre a questão da violência, o coronel admitiu a dificuldade do combate devido ao grande mercado de drogas no Brasil e principalmente na zona sul do Rio de Janeiro. Comentou que não tolera atitudes desrespeitosas dos policiais com os moradores. Afirmou que defende o bom policial, mas não aceita policial que maltrata morador e recomendou que os casos de abuso devem ser denunciados. Segundo o coronel, a Rocinha e o Complexo do Alemão são os maiores desafios da pacificação.

* Davison Coutinho, 24 anos, morador da Rocinha desde o nascimento. Bacharel emdesenho industrial pela PUC-Rio, Mestrando em Design pela PUC-Rio, membro da comissão de moradores da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu, professor, escritor, designer e liderança comunitária na Comunidade.