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UPP: Críticas cada vez mais constantes ao modelo de pacificação do governo

Caso de estupro na comunidade do Jacarezinho chama a atenção para as criticas ao modelo da UPP

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Quatro policiais militares da UPP do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, foram presos, na noite desta terça-feira (5), acusados de estupro e abuso de autoridade contra três mulheres da comunidade. A corregedoria da polícia militar abriu um inquérito contra os quatro policiais nesta quarta-feira(6) e que, por fazerem parte da corporação há três anos, passarão por um processo mais rápido.Além deles, mais dois policiais estão presos administrativamente no quartel por 72 horas, suspeitos de terem participado do crime.

Gabriel Machado Mantuano, Renato Ferreira Leite, Wellington de Cássio Costa Fonseca e Anderson Farias da Silva foram presos em flagrante na 25ª Delegacia de Polícia (DP), do Engenho de Dentro. Eles vão responder pelo Artigo 232 do Código Penal Militar, além de responderem também pelo abuso de autoridade. O PM Anderson Farias da Silva também foi indiciado pelo crime de roubo do celular de uma das mulheres. 

A casa, indicada pelas mulheres, onde teria ocorrido o crime passou por perícia e foi recolhido material genético para exame de DNA. Durante todo dia de ontem, cerca de 60 policiais militares que estavam de plantão na UPP do Jacarezinho na madrugada foram apresentados na 25ª DP pela Delegacia de Policia Judiciária Militar (DPJM). Divididos em grupos, eles foram submetidos ao reconhecimento pelas três mulheres e também por testemunhas.

O secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame afirmou em nota, na tarde desta quarta-feira (6), que está acompanhando de perto as investigações e que vai pedir a expulsão sumária dos policiais pelo crime contra as três mulheres.

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Relações conturbadas

A instalação das UPP no Rio de Janeiro tem recebido cada vez mais críticas. Os confrontos em comunidades como o Complexo do Alemão e os constantes tiroteios na Rocinha tem chamado a atenção para as falhas do programa de pacificação do governo. Com a instalação da primeira UPP no morro Santa Marta, em Botafogo, na zona sul do Rio, outras 37 unidades se espalharam por outras regiões.

A integração que deveria ter sido trazida pela UPP Social permanece no papel e os confrontos entre moradores e policiais também são constantes.  No entanto, diferente dos casos de violência que a UPP se comprometeu a acabar, esses embates tem muito mais a ver com a questão de convivência e visão de mundo dos dois lados.

Segundo Paulo Bahia, sociólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o projeto das UPPs previa inicialmente uma ideia de pacificação, de um controle armado do estado para que outras agências , publicas e privadas, pudessem fazer a parte social de desenvolvimento humano da região, mas que na verdade, isso não aconteceu. “O que você tem para hoje é um saldo que começa a se deteriorar. Se houve um grande ganho pelo desarmamento do território, com o passar do tempo você vê que esse ganho tem se perdido a medida que os confrontos nas comunidades tem sido constantes e as demais agencias não chegaram com a intensidade que esse territórios precisam”.

Para Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),as constantes denúncias contra policiais das UPPs é um sintoma claro de problemas na relação com a comunidade dessas áreas. “É um sintoma de que a relação nesses locais não avançou. A polícia tem uma origem pautada nas ações autoritárias e essa postura causa um desconforto nos moradores. A comunidade precisa sentir que a polícia é para ela e não contra ela”.

No entanto, para Luis Fridman, cientista social da Universidade Federal Fluminense (UFF), existe um dilema entre a função institucional da polícia e suas tradições anteriores e a tentativa de neutralizar bandos armados de uma forma que os direitos civis e humanos não sejam desrespeitados. “O que existe é a sobrevivência desses bandos armados nas favelas e há uma reação a isso, mas esse tipo de conflito se resolve por uma disputa muito longa”

Para Fridman, o estabelecimento de uma política de segurança deve ser seguida por programa sociais profundos que só podem ser implantados se existir uma vontade política para isso e que não há soluções rápidas para a questão da violência.” Querer uma solução súbita é um equivoco pois produz um sonho de paz que de fato só pode ser implementada em um processo longo e cheio de frustrações e imperfeições. A desigualdade social no Brasil é profunda, o desamparo para as populações é grande e isso é um fermento para o estabelecimento da violência”, conclui.

Paulo Bahia aponta ainda que o que se procura é não se perder a ideia original do projeto das UPP, mas que a falta de uma ação de políticas sociais e as conseqüentes denuncias contra policiais não tem contribuído para isso. “Há um arranhão na imagem que o projeto das UPPs tenta passar. É o problema de existir só um controle armado e militar que não leva o desenvolvimento. É a substituição do clima de violência que, com o tempo , começa a desafiar o poder armado. O Complexo do Alemão é uma prova disso. Durante três anos houve um controle territorial e o espaço foi transformado para a presença do estado com projetos sociais, o que não aconteceu, e a disputa continua entre trafico e o poder armado do estado”.

Para o sociólogo, há ainda uma tensão entre a polícia e os moradores, devido à mudança de comportamento e da dinâmica social. Segundo ele, o padrão de comportamento dos dois lados acaba divergindo em algumas questões de cunho social, o que acaba causando conflitos. “A policia militar prioritariamente, já que é responsável por um policiamento ostensivo,  traz uma cultura de violência que acaba passando por todos os seus membros. Por mais que haja um esforço, essa  cultura de violência traz a imagem do pobre e do favelado como inimigo e a polícia, num afã de levar ordem, acaba levando violência” conclui.