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Advogado de Lamine deve revelar membro da Fifa ligado a grupo de cambistas

Grupo criminoso atuou por quatro Mundiais e iria lucrar R$ 200 milhões na Copa 2014

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Após a Polícia Civil do Rio de Janeiro prender o argelino naturalizado frances Mohamadou Lamine Fofana, de 57 anos, suspeito de liderar uma quadrilha internacional de venda ilegal de ingressos para os jogos da Copa do Mundo, A Fifa se reuniu na tarde desta quarta-feira (2/7) com a empresa responsável pela comercialização das entradas no torneio, a Match Services. De acordo com o delegado da 18a. DP (Praça da Bandeira) Fábio Barucke, há indícios de participação de integrantes da Fifa, da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e das federações de futebol da Argentina e da Espanha no esquema criminoso. 

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Segundo o delegado Barucke, o advogado de Lamine, José Massih, revelou nesta quarta (2) o nome de um homem que seria integrante da Fifa e ligado ao grupo de cambista. Massih e outro integrante da quadrilha, presos em São Paulo, foram trazidos pela polícia para o Rio na noite desta quarta (2). Os dois vão prestar depoimento ao delegado Barucke, antes de serem transferidos para o Complexo Penitenciário de Bangu, onde estão detidos de forma temporária os outros 11 integrantes da quadrilha presos nesta terça (1), indiciados por suspeita de cambismo, associação criminosa e lavagem de dinheiro. "Ele pode confirmar durante o depoimento o nome da pessoa da Fifa ligada ao esquema.", disse o delegado. Massih é um dos sócios do jogador Elano na empresa Blumer Construtura. Os presos disseram que só vão prestar declarações em juízo.

No Rio de Janeiro, a polícia prendeu os integrantes da quadrilha no condomínio Santa Mônica, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, onde residia Mohamadou Lamine Fofana. Segundo o delegado Barucke, o apartamento foi alugado por Lamine por 12 mil dólares do ex-jogador Júnior Baiano. Na operação também foram detidos o PM reformado Oséas do Nascimento, Alexandre Marmo Vieira, Antônio Henrique de Paula Jorge, Marcelo Pavão da Costa Carvalho, Sérgio Antônio de Lima, Ernane Alves da Rocha Júnior, Júlio Soares da Costa filho e Fernanda Carrione Paulucci. Na ação simultânea na capital paulista, foram presos Alexandre da Silva Borges e o advogado José Massih. 

"Descobrimos que estas empresas faziam contato com agências de turismo que traziam turistas para o nosso país e vendiam ingressos acima do preço. A rentabilidade ia de 200% a 1000%, valor maior ao de qualquer atividade lícita", explicou Barucke. A operação cumpriu 20 mandados de busca e apreensão. Planilhas de contabilidade da quadrilha e conteúdo de computadores apreendidos estão sendo avaliados pela polícia. Cem ingressos e documentos diversos, além de dinheiro em espécie também foram encontrados com o grupo. As contas correntes de todos os suspeitos foram bloqueadas e a Justiça deve autorizar a quebra de sigilo bancário solicitado pela Civil. 

O diretor de Marketing da Fifa, Thierry Weil, afirmou nesta quarta (2) que está aguardando as informações das autoridades locais para analisar os bilhetes apreendidos e identificar a sua origem e pretende colaborar com as investigações e tomar as medidas adequadas. 

As investigações iniciadas há um mês da Copa no país, apontou que a quadrilha mantinha contato com jogadores e ex-jogadores da Seleção Brasileira e diversas autoridades e personalidades do universo do futebol. O esquema rendia para a quadrilha um lucro de R$ 1 milhão por jogo da Copa. Lamine, que tem escritório na Suiça, se identifica como dono da empresa Atlanta Sportif International - que segundo o seu site oficial organiza amistosos e presta consultoria a clubes e jogadores -, e mora em Dubai, foi preso com outras 10 pessoas acusadas de compor o grupo, na operação Jules Rimet. A polícia acredita que Lamine participa do esquema há, pelo menos, quatro Mundiais e na Copa de 2014 teria uma movimentação financeira de, aproximadamente, R$ 200 milhões. 

Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça flagraram o argelino comercializando os ingressos.  As interceptações telefônicas revelam que Lamine ligou várias vezes para a Granja Comary, concentração da Seleção na Copa. O promotor Marcos Kac disse que o chefe da quadrilha ligava para a Comary em busca de ingressos repassados por alguma pessoa ligada diretamente aos jogadores. As entradas vinham da desistência dos próprios jogadores. Dez dos ingressos apreendidos durante a Jules Rimet eram da comissão técnica brasileira. Um fato que chamou a atenção da polícia foi um adesivo oficial da Fifa no carro de Lamine, que dava a ele acesso aos locais dos jogos e a sua constante presença no Hotel Copacabana Palace, onde ficou hospedada a cúpula da organização. Segundo o delegado Barucke, isso levantou a hipótese de participação de integrantes da organização no esquema. 

O delegado Barucke contou que essa primeira fase das investigações tem como suporte 50 mil registros de escutas telefônicas e todo o material deve ser avaliado até a próxima quarta-feira (9), quando será entregue à Justiça o relatório final do caso, com o pedido de prisão temporária dos acusados. Já na segunda fase das investigações, supostos membros da Fifa envolvidos na rede fraudulenta devem prestar depoimento. Ele anunciou uma coletiva que deve acontecer nesta quinta-feira (3), às 11h, no Centro de Controle Integrado. Na avaliação do delegado Fábio Barucke, o esquema operacional da Fifa, que destina 40% dos ingressos da Copa para os torcedores, enquanto 60% das entradas são oferecidas para as empresas patrocinadoras, incentiva a prática do cambismo. 

O perfil de Lamine na rede social Linkedin cita um jogo beneficente que reuniu craques como Romário, Dunga, Cafu, Rai, Zinho, Junior Baiano, Djalminha, Denilson, Raí, Élber e Bebeto. Na página oficial da Atlanta Sporttif Internacional, o argelino aparece em fotos ao lado de jogadores famosos, como Pelé, Júnior, Romário, Dunga, Ronaldo e outras personalidades internacionais. 

As investigações

O delegado da 18a.DP (Praça da Bandeira), Fábio Barucke, contou que as investigações tiveram início faltando um mês para a Copa do Mundo no país. Um grupo de policiais tentaram comprar ingressos com cambistas na entrada principal do Maracanã, durante os jogos da Libertadores. Um dos cambistas indicou o nome de Antônio Henrique de Paula Jorge para venda de entradas para a Copa. Henrique era dono de uma agência de turismo em Copacabana, a Tour da Bola, que oferecia ingressos com valor bem acima dos vendidos pela Fifa. Duas outras agências que estavam em nome de Henrique foram acusadas de participar do esquema, a Jato Tour e Express Tour, que funcionava apenas de fachada. As empresas foram interditadas e indiciadas pelos crimes de cambismo e lavagem de dinheiro. 

Segundo Barucke, a polícia chegou rapidamente à Lamine através de Henrique. "Agimos rápido para evitar o risco dos integrantes da quadrilha desconfiarem da investigação e fugirem do país.", disse o delegado. Essa primeira fase das investigações teve como suporte 50 mil registros de escutas telefônicas entre os membros do esquema. A polícia desconfia que o argelino montou a organização para agir nas Copas do Japão, em 2002, da Alemanha, em 2006, e da África do Sul, em 2010. As escutas revelaram que pessoas de várias nacionalidades participaram das vendas ilegais. 

Segundo a polícia, na véspera do jogo do Brasil contra o Chile, no dia 27 de junho, Lamine gastou R$ 9 mil em uísque para uma festa que contou com a presença de Dunga, técnico da Seleção do Brasil na Copa de 2010. Durante a festa, o argelino distribuiu ingressos para jogadores. Em uma das escutas, o argelino conversava com uma pessoa em outro país e pedia ingressos e presentes para entregar a jogadores. Em um outro telefonema, um homem diz a Lamine que vai procurar um "amigo jogador" na Granja Comary para negociar ingressos. E durante o jogo do Brasil contra o Chile, o acusado Alexandre Marmo liga para uma pessoa para dizer que estava ao lado do pai de Neymar, numa área reservada para "milionários". 

No jogo do Brasil contra Camarões, Henrique é flagrado nas escutas conversando com um homem para negociar 50 ingressos, que rendeu o valor de 50 mil euros. Nas previsões do delegado Barucke, a quadrilha deve ser composta por pelo menos 30 pessoas. Somente Lamine tinha 10 linhas telefônicas. "Conseguimos interceptar duas linhas do Lamine, mas sabemos que ele usava muitos outros canais de comunicação.", contou o delegado.

 

Jornalista britânico havia denunciado esquema da Fifa

O Jornal do Brasil publicou no início de junho uma entrevista com o jornalista britânico Andrew Jennings, que denuncia há anos um suposto esquema fraudulento de venda de ingressos para os jogos dos Mundiais, fomentado por integrantes da Fifa. Jennings descreve os "bastidores obscuros da distribuição dos bilhetes", envolvendo troca de favores e agentes do mercado negro, em seu livro “Um jogo cada vez mais sujo”, que dá detalhes das transações ilegais que enriqueceram os representantes das maiores instituições ligadas ao Futebol, incluindo os nomes dos brasileiros Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF e João Havelange, ex-presidente da Fifa.

>> Os bastidores da Fifa nas vendas de ingressos para a Copa no mercado negro

Andrew Jennings aponta os irmãos Jaime Byrom e Enrique Byrom, do México, como os grandes vilões nas negociações fraudulentas de ingressos da Copa, desde o Mundial realizado em 1986. Segundo ele, os Byrom são acionistas majoritários das empresas Match Services e Match Hospitality, que prestam serviços para a Fifa na distribuição dos tickets e hospitalidade durante as competições. Em uma das empresas, os irmãos mexicanos tem como um dos sócios o sobrinho de  Joseph Blatter, presidente da Fifa, Philippe Blatter, em contratos que movimento bilhões durante os Mundiais.