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Rio: investigada por superfaturamento de viaturas foi funcionária do Detran

Ex-presidente do órgão confirmou informação. Deputado entra com ação pedindo saída de Beltrame

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A ex-subsecretária de Gestão Estratégica na Secretaria de Segurança, Susy das Graças de Almeida Avellar, que é alvo de investigação do Ministério Público no esquema de superfaturamento de viaturas da Polícia Militar, foi assessora de Planejamento e Orçamento do Detran entre 2003 e 2006. Quem confirma a informação é o deputado federal Hugo Leal (PROS), que de 2003 a 2005 foi presidente do órgão. Susy, ao lado do secretário de Segurança José Mariano Beltrame, é acusada de improbidade administrativa no caso das viaturas.

"Sim, confirmo que a Susy citada na investigação do MP é a mesma que ocupava este cargo no Detran", disse Hugo Leal ao Jornal do Brasil.

O caso envolvendo superfaturamento na Secretaria de Segurança ganhou novos capítulos nesta terça-feira (20). O deputado estadual Geraldo Pudim (PR-RJ) protocolou um recurso na Corregedoria da Polícia Federal no Rio de Janeiro pedindo providências administrativas e policiais. Beltrame está sendo acusado de improbidade administrativa após denúncias investigadas pela 7ª Promotoria da Tutela Coletiva e pelo Tribunal de Contas do Rio. Pudim entende que, com base na legislação, Beltrame deveria ser afastado do cargo que ocupa no governo e responsabilizado disciplinar e penalmente, como acontece com policiais federais envolvidos em irregularidades.

O documento apresentado por Pudim tem como argumento reportagens do Jornal do Brasil, que publicou no dia 15 de maio que o Ministério Público havia ajuizado uma ação civil pública contra Beltrame, além de pedir o bloqueio de seus bens e a suspensão dos direitos políticos por oito anos. Já o TCE apontou indícios de superfaturamento de preços em contratos assinados pela Secretaria de Segurança com duas empresas do grupo Júlio Simões, para a aquisição, gestão e manutenção de viaturas policiais, no período de 2007 a 2009. 

Com relação a Susy, Pudim afirmou que “a subordinação reflete o comando”. Para o deputado, “quando Susy estava no Detran, não houve denúncias contra ela. Já quando passou para o governo, praticou desatinos. Isso, então, prova que a responsabilidade é exclusiva do comando.”

O Jornal do Brasil tentou entrar em contato com Susy Avellar para comentar as investigações. Contudo, a Secretaria de Segurança e o Detran informaram não possuir os contatos da ex-subsecretária e nem saber como localizá-la.

O MP encontrou notas fiscais genéricas e relatórios sintéticos, além do pagamento por serviços não prestados nos contratos avaliados. O pedido de indisponibilidade dos bens do secretário, segundo o MP, é para garantir o ressarcimento integral do dano de R$ 134 milhões aos cofres públicos.

As denúncias foram feitas ao Jornal do Brasil pelo ex-Corregedor da Polícia Militar, coronel Paulo Ricardo Paúl, que no ano de 2009 ajuizou ações no MP apontando irregularidades nesses contratos. O coronel teve acesso ao conteúdo do contrato e observou uma negociação "casada", ou seja, para compra e manutenção da frota da PM. "O comando da PM na época não aceitou esse acordo, então foi feito pela Secretaria de Segurança", afirma Paúl. 

O coronel lembrou ainda que 12 executivos da empresa Julio Simões foram presos durante a Operação Nêmesis, deflagrada no ano de 2009, na Bahia, que apurou fraudes em contratos de compra e manutenção de 191 viaturas da Polícia Militar da Bahia, assinados por empresários da empresa, lobistas e representantes do alto escalão da PM. Segundo o deputado Geraldo Pudim, os contratos firmados pelo grupo empresarial com os governos do Rio e Bahia possuem as mesmas assinaturas. "Com uma espantosa diferença. Na Bahia houve uma operação da Polícia Federal e os autores dos crimes foram todos presos. Aqui no Rio nada aconteceu ainda", disse Pudim.

Uma investigação mais rigorosa sobre o caso pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) é uma missão difícil, na opinião do deputado. "As comissões de investigação da Alerj têm maioria do governo, o que dificulta o trabalho de muitos parlamentares. Por enquanto, a Comissão de Segurança Pública aprovou a convocação do Beltrame, mas mesmo assim vamos pedir para a Comissão de Justiça também convocá-lo. Se o presidente [da Alerj, deputado Paulo Melo (PMDB-RJ)] entender que não há necessidade, vamos pedir uma oitiva conjunta.", contou Pudim.

Na opinião do deputado, o secretário de Segurança do Rio deveria ser, imediatamente, afastado do cargo - "para dar isenção e transparência às investigações". Pudim citou a lei que determina o afastamento de policias federais no caso de alguma investigação. "Mesmo não estando na função nesse momento, Beltrame é policial federal", afirmou o parlamentar.

Deputado: "Viaturas compradas são doadas para municípios favoráveis ao governo"

Uma outra denuncia foi protocolada pelo deputado Geraldo Pudim na Corregedoria da PF. O fato é relacionado às doações das viaturas compradas através do grupo Julio Simões para municípios fluminenses, no ano de 2012. "O governo Cabral, em pleno período de eleições, fez um ato de filantropia com os prefeitos, assinando um termo de doação das viaturas adquiridas pelo Estado para os municípios. Só que os beneficiados foram apenas os prefeitos do partido ou aliados ao governo Cabral. O município de Campos, por exemplo, não recebeu as 24 viaturas solicitadas por eles, que por sinal cumpriram todas as exigências ser um beneficiado", contou Pudim. 

Trocas de conversas por e-mail entre a então prefeita de Campos, Rosinha Garotinho (PR) e o subsecretário de Estado do Rio, Edilson Silva, comprovam que o município demonstrou interesse em receber as viaturas que seriam doadas a partir do mês de junho de 2012. Na conversa trocada no dia 5 de junho, Rosinha deixa claro que a sua administração tem interesse em receber as viaturas e ainda especifica os veículos. O comandante-Geral de Defesa Civil do Rio, Henrique Augusto de Souza, retorna a conversa no dia 12 de julho, cobrando documentos necessários para a formalização das doações. 

Nos dias 26 de junho e 26 de dezembro de 2013, a prefeitura de Campos cobra novamente da Defesa Civil do Rio, através de e-mail, a entrega das viaturas, que seriam para reforçar a frota da Defesa Civil e Guarda Municipal do município norte-fluminense. "Até hoje esses veículos não foram entregues a Campos, apesar da prefeitura ter cumprido todo o rito necessário para o benefício. É mais uma prova clara de que as viaturas foram apenas para os aliados políticos", afirmou Pudim. 

Ainda sobre esse assunto, o coronel Paulo Ricardo Paúl explica que os contratos de compra e manutenção das novas viaturas da PM assinados entre a Secretaria de Segurança do Rio e a empresa Julio Simões estabeleciam um prazo de 30 meses. "A secretaria de Segurança deveria renovar somente o contrato de manutenção dos carros, mas não fez isso. Os veículos começaram, então, a enguiçar e foram encostados nos pátios dos batalhões. E o governo abriu novos contratos de compra de viaturas. As viaturas do primeiro contrato passaram a ser doadas para os municípios, até para desafogar os batalhões", conta o coronel.

No portal do Governo do Rio uma matéria publicada no dia 11 de maio de 2012 informa que o Estado teria entregado no dia 8 de maio de 2012 um lote de 306 viaturas seminovas, entre elas 238 Gols e 68 Blazers, que pertenciam à Polícia Militar, para 19 municípios das regiões dos Lagos (120 carros), Metropolitana Leste (136) e Norte Fluminense (50). A entrega oficial foi marcada por um evento no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), em Sulacap, Zona Oeste do Rio, com a presença do então vice-governador e coordenador executivo de Infraestrutura, Luiz Fernando Pezão, atual governador do estado. O texto diz ainda que as viaturas seriam utilizadas pelas guardas e defesas civis municipais, e estavam equipadas com giroscópio e sirene. 


Nota de esclarecimento

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública comentou as acusações. Leia na íntegra:

"A respeito das acusações do Ministério Público com relação ao primeiro contrato de gestão da frota de carros da Polícia Militar, gostaria de fazer algumas considerações antes que a visão do titular da ação tome conta do juízo das pessoas não acostumadas com o tema.

Em primeiro lugar, a decisão do Estado do Rio de comprar automóveis para sua polícia e incluir o serviço de manutenção é uma prática nova. Até para quem fiscaliza. Portanto, pode causar estranhamento, aliás, como causou ao promotor do Ministério Público.

Carros de polícia são mais do que um simples carro. Além de carregar equipamentos específicos, estes carros têm uma função primordial que é muitas vezes esquecida pelo senso comum. Carro de polícia é também equipamento de segurança para o policial. Numa situação de confronto, de perseguição e de abordagem é a vida do profissional que está em jogo e o uso do carro faz parte do contexto do risco.

O estado brasileiro, e principalmente o Rio de Janeiro, sempre tratou a questão da segurança do trabalho do policial com desleixo, como se fosse o menos importante. Se quisermos profissionalismo e correção na polícia, o carro - e todo o resto - tem de estar funcionando nas condições adequadas ao exercício da profissão.

Não é difícil resgatar na memória - pois o cenário é recente - carros de patrulha caindo aos pedaços circulando pelas ruas da cidade. E, na época, não houve nenhum sinal de indignação dos órgãos de controle. O Rio, a sociedade, o promotor que agora nos acusa, ninguém indagava, à época, aquela penúria. Até hoje lutamos para que o policial tenha todos os seus equipamentos de segurança no mais perfeito estado, sem concessões. É um resgate lento, pois custa caro aos cofres públicos. Segurança Pública, que respeita a democracia, dentro da lei, custa caro.

Mas tais argumentos justificam comprar equipamentos a qualquer preço, com valores absurdos ou fora da realidade do mercado? Claro que não! O que causou estranhamento com os valores dos carros é a visão curta do problema. Precisamos de carros que estejam sempre em condições, se não ideais, bem perto disso. Isso significa deixar o equipamento num nível de conservação muito mais elevado do que acostumamos exigir.

Um carro de polícia, que roda o dia inteiro, dura em média 14 meses - um pouco mais, um pouco menos. E já a partir do décimo mês, a maioria estará circulando no limite do padrão que consideramos seguro. Há hoje muitos carros das UPPs, por exemplo, comprados fora do contrato de manutenção, que aguardam consertos. Enquanto a burocracia não anda e a solução não chega, o policial vai ficar a pé ou vai  buscar outros meios, que nem nós e nem a sociedade toleramos mais. É contra essa lógica perversa, que afeta o policial e o serviço prestado à população, que estamos lutando. E qual é o custo disso? Ele tem de entrar na conta. 

O contrato é agora questionado porque, segundo a tese de acusação, poderíamos comprar três carros (três editais, três licitações) que se degradarão com o tempo, no lugar da gestão da frota, que tem a manutenção do nível de serviços como princípio. O custo/benefício não é só valor de compra. Na lógica antiga de comprar e depois jogar fora, a PM mantinha um batalhão de funcionários apenas para fazer reparos. Isso foi motivo de chacota no passado, além de retirar policiais da atividade fim, num momento em que a população quer sua polícia nas ruas. Esta foi uma economia enorme que o promotor não considerou.

Pelo contrato atual, carros destruídos são repostos, carros em conserto são substituídos. Ao fim do período, 30 meses, toda a frota fica com o Estado. Funciona assim até hoje. Ou seja, hoje há muito mais carros na patrulha de rua do que na lógica anterior. Quando chegamos, em 2007, metade da frota da PM estava parada aguardando conserto! Por esse raciocínio, poderíamos dizer que carros sem contrato de manutenção custam o dobro, pois, na prática, só a metade funciona. Portanto, não foi uma compra que custou o preço de três. Sem manutenção, para ter o resultado na rua dos três carros que o promotor diz que poderíamos comprar, na verdade teríamos de comprar seis carros novos. Pergunto então: o que é mais eficiente?

Há ainda uma série de fatores técnicos que poderia explicar aqui, mas isto vai ficar para a defesa caso a denúncia faça sentido para a Justiça. Reitero que não existe situação perfeita quando tratamos de gestão pública. É uma luta diária para fazer a máquina funcionar. E na hora de fazer melhor, além de cuidar do melhor preço -  há uma série de leis e normas que controlam a ação do gestor - existem outros fatores que precisam ser considerados. Errados são aqueles que acham que, para as questões de Estado, as contas se resumem ao mesmo preço de tabela do consumidor individual.