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Maternidade Maria Amélia: médicos são pressionados a não prestar atendimento

Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia está ouvindo os profissionais e quer investigação pelo MP

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Os médicos obstetras que atendem na Maternidade Municipal Maria Amélia Buarque de Hollanda, no Centro do Rio de Janeiro, estão sendo orientados e até pressionados para não interferir nos atendimentos à gestantes em trabalho de parto pela direção do hospital, que reserva essa função para enfermeiras obstetras. A equipe médica só pode intervir no último momento, mesmo quando a paciente pede por intervenção de um obstetra. O alerta foi feito pelo presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro (Sgorj), Marcelo Burlá, que disse estar recebendo constantemente denúncias dos profissionais, que descrevem um atendimento deficitário na unidade médica criada pelo governo de Eduardo Paes com o intuito de ser referência em partos humanizados. Burlá afirmou que até o final dessa semana entregará ao Ministério Público do Estado (MPE) um ofício pedindo investigação do caso e apresentando os relatos apurados pela sociedade. 

No sábado passado (16), o Jornal do Brasil publicou os manifestos de um grupo de mulheres feito pelas redes sociais, denunciando supostos casos de negligência e erros médicos cometidos pela equipe dessa maternidade. Em uma entrevista, as mulheres relataram inúmeros episódios que elas afirmam terem vivido durante o atendimento no Maria Amélia, em nome de um "parto humanizado" e elas consideram como parte de um verdadeiro "diário de tortura". A socióloga e advogada especializada em reprodução da mulher e violência obstétrica, Gabriella Sallit, ressaltou que o parto humanizado segue o paradigma do protagonismo da mulher e, quando essa condição não é respeitada, o procedimento não pode ser mais considerado como "humanizado". Os registros feitos na Polícia Civil por pais que perderam os seus filhos recentemente na maternidade Maria Amélia, gerou um processo que está tramitando no Tribunal de Justiça (TJ-RJ), em fase de inquérito. As acusações contra a direção da maternidade são de falsidade ideológica e homicídio culposo.

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As oitivas conduzidas por Marcelo Burlá na Sgorj apontam para um atendimento médico deficitário na Maternidade Maria Amélia. Os profissionais da área de enfermagem que não são preparados para o tipo de função proposta pelo hospital especializado, por exemplo, cometem erros graves, como deixar para preencher o prontuário com a evolução do trabalho de parto somente depois que a criança já nasceu. "Isso demonstra uma assistência deficitária à gestante", considera Burlá. 

"Os médicos que estão trabalhando no Maria Amélia observam todas as deficiências e procedimentos não indicados, que inclusive colocam em risco a vida da paciente e do bebê, além de interferir no bom trabalho da equipe médica. Porém, eles são pressionados e não podem interferir no atendimento das pacientes, que ficam a maior parte do tempo, principalmente nos primeiros atendimentos e procedimentos, na assistência das enfermeiras obstetras, sem o direito de serem anestesiadas ou acompanhadas por um médico. Este conceito não é de parto humanizado", afirmou Marcelo Burlá. 

Segundo Burlá, a direção da Maternidade Maria Amélia provavelmente está seguindo as recomendações do governo municipal para evitar os procedimentos cirúrgicos, visando atingir as metas estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de redução do número de partos cesariana nas unidades médicas. Burlá conta que na maternidade, os médicos só podem recomendar a cesariana em última instância, não respeitando os limites físicos das gestantes. "Mas quando chega a esse ponto, os riscos são maiores para a mãe e a criança, que geralmente já entrou em sofrimento e, muitas vezes, não resiste. Ou seja, tarde demais", explicou Marcelo Burlá. Ele ressalta que o conceito de parto humanizado é ter como resultado mães e filhos saudáveis, a gestante como protagonista do seu corpo e conduzindo o trabalho de parto de baixo risco com as suas próprias escolhas e segura das suas decisões, que foram bem esclarecidas desde o início da gestação. As definições de Burlá não coincidem com os relatos das mulheres que foram atendidas no Maria Amélia.

O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) abriu sindicância para avaliar a conduta dos médicos que estão trabalhando na Maternidade Municipal Maria Amélia e são citados no processo que está no TJ-RJ. "Essa investigação é importante, mas também é importante ouvir os apelos desses médicos que estão afirmando receber pressões da direção do Maria Amélia e, por outro lado, até ameaças de pacientes alterados. Esses profissionais não podem fazer nada para mudar o quadro. O cenário na maternidade deve ser avaliado de forma ampla e ouvindo todas as partes envolvidas", disse o presidente da Sgorj. 

Os médicos que atendem na Maternidade Municipal Maria Amélia Buarque de Hollanda recebem seus salários pelo sistema municipal conhecido como Ordem de Serviço (OS), quando, geralmente, os benefícios são mais altos. A rotatividade na equipe médica é outra característica do hospital, como mostra a tabela acima, ou se preferir, veja na íntegra através deste link.