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Mulher de Amarildo se diz "frustrada" após reunião com Cabral

Ainda não há uma data para família entrar no Programa de Defesa da Testemunha

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O que antes era um medo paralisante, agora a angústia cresce com o sentimento de frustração para com as autoridades que deveriam proteger a população carioca. Esse é o depoimento de Elisabeth Gomes Silva, mulher do pedreiro Amarildo de Souza, após ser recebida, no Palácio das Laranjeiras, pelo Governador do Rio, Sérgio Cabral, além do secretário de Assistência Social e Direitos Humanos, Zaqueu Teixeira e o Procurador Geral do Estado, Nilson Bruno. 

Segundo Elisabeth, o governador a recebeu com muita educação, mas nenhuma solução concreta foi dada no sentido de encontrar o seu marido e oferecer maior segurança para a família, que ainda continua morando na Rocinha. Para Elisabeth, Amarildo foi morto pelos policiais militares da UPP Rocinha e a qualquer momento ela e os seus seis filhos podem ter o mesmo destino. Na comunidade, testemunhas apontam evidências contra os PMs. O secretário Zaqueu Teixeira disse que a família pode ser incluída em breve no Programa de Proteção à Testemunha do Estado, mas Elisabeth já decidiu não sair da comunidade, temendo que sua casa seja invadida. O governador Sérgio Cabral reforçou pelo seu perfil no Twitter que está mobilizando forças para solucionar o caso.

O pedreiro Amarildo Souza está desaparecido desde a noite do dia 14 de julho, durante a Operação “Paz Aramada”, executada pela Polícia Militar para prender 30 pessoas da comunidade suspeitas de participação no tráfico que ainda resiste no local, sendo que contra 22 delas haviam mandado de prisão, emitidos pela Justiça. Na versão da polícia, Amarildo pode ter sido confundido com um homem chamado Guinho, que não tinha o nome na lista de mandados. Amarildo foi levado “para verificação” por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha e depois disso não foi visto por mais ninguém da comunidade.

Pessoas ligadas à família de Amarildo, que não quiseram se identificar com medo de represálias, contaram na noite desta quarta (24/07) ao Jornal do Brasil como tem sido a rotina de Elisabeth desde o sumiço do marido. Até o último domingo (21/07), Elisabeth estava morando nas ruas do Leblon, bairro da Zona Sul carioca, temendo voltar para casa e ser morta por policiais. Segundo amigos de Elisabeth, que nos últimos dias têm prestando assistência à família, a mulher do pedreiro não consegue entender o motivo dos PMs terem sumido com ele, pois sempre foi uma pessoa boa e conhecido por prestar ajuda aos outros moradores da localidade chamada Pocinho, uma das áreas de mais difícil acesso na Rocinha, ainda dominada pela ação dos traficantes e sem qualquer infra-estrutura básica, com esgoto correndo à céu aberto. “Será que isso aconteceu por ele ser negro e pobre?”, questionou um dos amigos.

Moradores da comunidade, que atestam ter visto o pedreiro ser agredido por policias da UPP na noite do dia 14, acusam o Soldado Vital, conhecido no local como “Cara de Macaco”, de ter forjado uma prisão e sumido com Amarildo. Os dois tinham uma rixa, segundo testemunhas. De acordo com as mesmas fontes, Amarildo passou o dia 14 pescando e voltou pra casa na parte da noite. Ele passou em uma birosca e estava retornando para casa quando foi abordado por policiais. Após uma rápida conversa, os policiais teriam agredido o pedreiro com tapas e socos e colocado um saco plástico na cabeça dele, levando-o para a unidade da UPP. “A gente sabe como funciona aqui. É muito perigoso, arriscado até abrir a boca. Os policiais que fizeram isso com o Amarildo são daqui de dentro, todo mundo ficou morrendo de medo, principalmente a Elisabeth, chegou a sair de casa e ir morar nas ruas. Mas já estamos sabendo que a PM tirou ele daqui. E nós realmente não estamos mais vendo ele na Rocinha. Mas isso não quer dizer que tudo passou. Os colegas dele ficaram”, contou uma das entrevistadas, acrescentando que os peixes que Amarildo tinha começado a limpar antes de ir à birosca ficaram jogados em frente ao barraco de um cômodo e sem banheiro, onde ele morava com a família.

Os amigos da família comentaram sobre a mobilização que aconteceu na comunidade para ajudar encontrar Amarildo e cobrar da PM uma solução para o caso. Manifestações foram realizadas nos últimos dias pelos moradores da Rocinha, aderidas por outros grupos de movimentos sociais e uma campanha tomou conta das ruas da cidade e pelas redes sociais, levando a campanha “Cadê o Amarildo?” para além das fronteiras do estado. “Mas os protestos não deram segurança à família, pelo contrário, a Elisabeth ficou pesando que os policiais deviam estar furiosos e o retorno[vingança] era certo”, contou um amigo.

As fontes ouvidas pelo Jornal do Brasil estiveram com Elisabeth após a reunião dela com o governador Sérgio Cabral e outras autoridades governamentais e policiais. Elas atestam que a angústia da dona de casa continua e ficou mais acentuada pela sensação de frustração com as imprecisas soluções apresentadas pelo governo carioca. “Ela [Elisabeth] continua com muito medo, de entrar na comunidade, de continuar morando num barraco que não oferece a mínima segurança, que com um empurrão dá pra derrubar a porta, a insegurança é o que domina nessa família. Ela me disse que está passando por necessidades, os filhos estão sofrendo e não vão mais ao colégio. E acima de tudo, ela só fala do direito que tem de enterrar o marido, porque ela tem a certeza dele estar morto”, contou a entrevistada.

Delegado contesta declarações de PMs

No último sábado (20/07), o coordenador de Polícia Pacificadora, tenente-coronel Paulo Henrique de Moraes, afirmou que os quatro policiais que conduziram o pedreiro Amarildo de Souza até a UPP da Rocinha foram afastados da unidade e passarão em breve por curso de reciclagem. Os soldados se formaram recentemente pelo Centro de Formação de Praças. Mas apesar do pouco tempo atuando na comunidade da Rocinha, pesa contra os quatro policiais, várias acusações de moradores, que os apontam em casos de abuso de autoridade e truculência.

Nesta quarta (24/07), após o encontro com o governo do Rio, Elisabeth, seus dois filhos mais velhos e uma sobrinha, foram recebidos pela comissão de Direitos Humanos da Alerj e prestaram depoimento ao delegado Orlando Zaccone, titular da 15ª DP (Gávea), responsável pelo caso. Elisabeth disse ao delegado que está com muito medo do que pode acontecer a sua família, “depois que a poeira baixar”. Pediu mais rapidez nas investigações e confirmou que não pretende sair da comunidade. Segundo pessoas ligadas à família, que não querem se identificar, a maior preocupação de Elisabeth é seu imóvel, “construído com muito sacrifício, ser invadido e eles perderem o que ainda resta”.

O delegado Orlando Zaccone realizou perícia na Rocinha nesta quarta, para saber o que aconteceu com as câmeras de seguranças da unidade policial, que apresentaram problemas e pararam de funcionar um dia antes do sumiço do pedreiro. Se estivessem ativados, os circuitos poderiam esclarecer o caso, pois mostraria Amarildo deixando a sede da UPP, como afirmou o comandante da unidade, major Edson Santos. “Buscamos analisar a veracidade das alegações da Polícia Militar. Fiquei surpreso, pois tinha a informação de que apenas uma das câmeras estava com problemas. Agora, disseram que as duas queimaram. São câmeras estratégicas para a investigação, pois estão posicionadas na frente da base”, contou o delegado.

Zaccone considerou “estranho” o fato das outras 80 câmeras instaladas nas proximidades da UPP, posicionadas a poucos metros de distância das que não estavam funcionando, não mostrarem o pedreiro em nenhum ponto da comunidade. O delegado contestou ainda as declarações dos policiais militares ouvidos na unidade durante o trabalho de perícia. “Eles disseram que não conheciam o Amarildo, mas depois do que ouvimos hoje da família, essa possibilidade é praticamente nula”, garantiu. O procurador geral do Estado, Nilson Bruno, afirmou durante o encontro da família com o governador Cabral que “se for confirmada a responsabilidade da polícia no desaparecimento, caberá ação de indenização contra o Estado e já começamos a conversar sobre isso”.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, deputado estadual Marcelo Freixo, que o fato de o governo oferecer inclusão no Programa de Proteção à Testemunha não vai preservar a família de Amarildo no momento mais crítico e de insegurança. “Oferecer o Programa de Proteção à Testemunha a eles soa como ironia. Este programa tem fila de gente para entrar. Não funciona. O programa não recebe ninguém há um mês”, afirmou Freixo.