ASSINE
search button

UPP da Rocinha é inaugurada sob chuva e 'show' do governador

Comunidade aprova chegada de UPP, mas aponta melhorias a serem feitas

Compartilhar

A inauguração da UPP da Rocinha nesta quinta-feira(20), em São Conrado, Zona Sul do Rio, foi marcada principalmente por três fatos: a expectativa da população pelos trabalhos da UPP; a presença de grandes nomes do esporte, com projetos na comunidade, além de discursos curiosos do Governador Sérgio Cabral e até mesmo do discreto Secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, que revelou um inusitado talento para frases de efeito.

Por volta das 10h30, sob uma chuva fina, a cerimônia se iniciou após a chegada do governador Sérgio Cabral. O primeiro a discursar, Eri Costa Filho, explicou aos moradores e autoridades algumas especificidades da nova UPP, entre elas o número de soldados e os patrulhamentos a pé que serão feitos na comunidade.

Em seguida, o Secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, agradeceu o apoio da polícia civil e da polícia militar e também da própria comunidade. Beltrame aproveitou para fazer um balanço das UPPs:

"Tenho certeza que tivemos muito mais aspectos positivos do que negativos, e os policiais estão preparados para sedimentar cada vez mais a paz", afirmou. Em seguida, o secretário soltou uma declaração curiosa, citando o dia da Revolução Farroupilha, 20 de setembro. A Revolução ocorreu entre 1835 e 1845 e pregava a separação da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, que conquistou a independência e tornou-se a República Rio-Grandense:

" Estou muito orgulhoso, porque hoje é o dia do gaúcho. Por quê esta comunidade não pode também, no dia 20 de setembro, celebrar a sua liberdade?", questionou o secretário, sob aplausos da população.

Segundo o vice-governador, Luis Fernando Pezão, será feita uma segunda versão do Programa de Aceleração do Crescimento(PAC) na comunidade. A primeira foi executada em 2010.

Cabral se solta

O governador Sérgio Cabral falou em seguida. Talvez para aparentar tranquilidade, diante das polêmicas envolvendo a construtora Delta e a viagem a Paris com o presidente da empresa, Fernando Cavendish, Cabral estava sorridente e descontraído.O governador começou seu discurso falando do futuro das crianças da comunidade, agora com a presença de uma Unidade de Polícia Pacificadora:

"Espero que no futuro as crianças que estão aqui não tenham em suas memórias a presença do poder paralelo na comunidade. Que as futuras gerações convivam harmoniosamente com a polícia nas comunidades. A luta pela paz é um processo e precisa de disciplina, luta e determinação", observou o governador.

Em seguida, referiu-se à Rocinha como uma síntese do Brasil. Falou sobre os estados do Nordeste que tinham representantes na comunidade. Como em um show de auditório, fazia uma espécie de enquete sobre quantos eram de cada estado nordestino, ao que os moradores respondiam animadamente, como se estivessem na televisão.

Repetiu o mesmo estilo, dessa vez falando sobre os clubes de futebol, Citou até o Internacional de Beltrame, conseguindo ainda maior participação dos moradores da comunidade.

Após agradecer Beltrame e toda a sua equipe, além das forças de segurança e o comando da UPP da Rocinha, Cabral falou sobre o processo de pacificação nas comunidades do Rio. Citou a morte de Diego Henriques, policial que patrulhava a Rocinha quando foi morto no dia 15 de setembro:

" Antigamente, a polícia era a invasora nas comunidades. No episódio recente, onde o policial foi morto aqui, o bandido era o invasor. O bandido tentou combater a polícia que está aqui. A polícia está aqui e continuará aqui para sempre, garantindo a tranquilidade dos moradores da Rocinha. Nossa política é permanente, e veio para ficar", enfatizou Cabral, sob aplausos dos moradores.

Em seguida, Cabral citou grandes nomes do esporte presentes no evento: Flávio Canto, judoca que mantém um projeto esportivo na comunidade desde 2012; a ex-jogadora de vôlei de praia Adriana Samuel e a grande estrela dos esportistas presente, maior ídolo da história do Flamengo: Zico, dono de uma escola de futebol no local. Cabral aproveitou para citar o complexo esportivo da Rocinha como um grande ato de seu governo na comunidade.

A nova UPP

Auxiliados por cem câmeras, 700 policiais militares vão patrulhar 25 subcomunidades distribuídas pelos 840 mil metros quadrados da maior comunidade do Brasil. Eles vão consolidar o processo de pacificação iniciado no ano passado, que beneficia mais de 69 mil moradores, em números oficiais(a população da Rocinha pode chegar a 100 mil, segundo policiais do local). A solenidade de inauguração aconteceu na Praça Ailton Rosa, na entrada da comunidade.

"Conquistamos mais este território com nossa política de segurança. A população respira um novo ar, uma nova vida, desde que as forcas de pacificação entraram na Rocinha, em novembro de 2011. Mas temos de estar permanentemente atentos e contamos com o esmagador apoio da população", bradou o governador, ressaltando a importância econômica da comunidade que tem o maior PIB da cidade do Rio de Janeiro.

Ocupada pelas forças policiais desde o dia 13 de novembro de 2011 - e desde março de 2012 sendo patrulhada por um efetivo de 408 homens de diversos batalhões operacionais da Polícia Militar (Bope, BpChoque e Batalhão de Ações com Cães), sob o comando do major Edson Santos, de 38 anos - a Rocinha terá no comando da UPP o major Edson Raymundo dos Santos. Sua intenção é continuar a desenvolver o trabalho que já vinha realizando, em busca de proximidade com os moradores:

" Com a ajuda da comunidade, conseguimos prender a cunhada do traficante Scooby, que estava escondida aqui na Rocinha. Isso é somente um exemplo do apoio que tivemos", explicou Edson. 

Apesar da UPP ter sido inaugurada apenas na manhã desta quinta-feira (20), a presença de policiais das UPPs na comunidade começou em abril:

" Os formados vinham para cá e permaneciam aqui durante um mês. Os que estão aqui hoje, por exemplo, chegaram há dois meses. Todos são policiais experientes, preparados para manter a situação na comunidade sob controle", declarou Edson.

A 28ª UPP do Estado contará ainda com uma sede própria,  a ser construída no Parque Ecológico, além de outras oito bases avançadas, que ficarão espalhadas em pontos estratégicos da comunidade. Hoje, três destas bases estão instaladas e em funcionamento: duas na Rua Dois e uma na localidade conhecida como Cachopa.

"A retomada é permanente e a polícia foi mais uma facilitadora nesse processo. Para preservar vidas e liberdades, função principal dos agentes policiais, não vamos medir esforços. Estamos muito motivados em nos aproximar da população da maior favela do Brasil", afirmou o coronel Rogério Seabra, coordenador-geral das UPPs. Segundo o coronel, por motivos geográficos, 80% dos patrulhamentos serão feitos a pé, em patrulhas de até quatro soldados: 

"A topografia desta favela é complicadíssima, o que dificulta a utilização de veículos. Por isso precisaremos das patrulhas a pé", finalizou.

Moradores aprovam, mas apontam problemas

Mesmo antes das 10h, muitos moradores se aglomeravam para achar um bom lugar para assistir à cerimônia de inauguração da UPP na Rocinha, a 28ª no estado do Rio. Um sinal de apoio da comunidade à instalação da unidade.

Marílson, morador da Rocinha, diz que hoje está mais tranquilo com a presença da polícia. Nem a morte de policiais em áreas pacificadas, segundo ele, o deixa mais preocupado:  "Antigamente, a situação aqui era bem mais difícil para nós. Hoje, dá para dizer que não tenho mais tanto medo. A gente corre risco a toda hora, o que não podia é a situação ficar como estava até bem pouco tempo", comentou.

Apesar da presença da Polícia, ainda há muito o que fazer na comunidade. Nelson, morador da comunidade há 57 anos, por exemplo, disse que a distribuição de botijões de gás em alguns pontos da Rocinha é problemática. Ele, no entanto, preferiu não revelar o nome do responsável por essa situação:

" Esse morador da Vila Verde compra os botijões de gás, proíbe os caminhões da CEG(Companhia distribuidora de Gás) e vende para moradores da comunidade a até 50 reais. É um abuso. Viemos perguntar ao Pezão o que ele vai fazer sobre isso", adiantou Nelson, que sequer conseguiu falar com o vice-governador.