João Pequeno, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Levantada por integrantes da Associação de Moradores de Santa Teresa (Amast), a ideia de combater o barulho de um hotel com mais barulho, foi derrubada na Justiça, calando literalmente uma eventual manifestação com a proibição de que seus participantes utilizassem carros de som ou quaisquer artifícios que produzissem ruído excessivo exatamente aquilo de que eles acusam o estabelecimento.
A vontade de fazer a administração, os hóspedes e os funcionários do Hotel Santa Teresa, na Rua Felício dos Santos, provarem, segundo eles, do próprio veneno, de acordo com os organizadores do frustrado protesto, acabou quando o dono do estabelecimento, o francês François Delort, teve acesso a e-mails de um grupo de discussão interno da Amast.
Apresentando o conteúdo dos e-mails cujas ideias para fazer barulho iam de buzinas a morteiros e aparelhos de som tocando funk proibidão (com apologia ao crime), Delort acionou, no sábado passado, oito participantes do grupo de discussão da Amast e conseguiu que o juiz Luiz André Bruzzi Ribeiro, do plantão judiciário, proibisse o uso de carro de som, em frente ou nas proximidades do hotel, fixando multa de R$ 1 mil para cada um dos réus que descumprissem a determinação.
Em sua decisão, o juiz afirmou que não está proibida a realização de manifestação pacífica e silenciosa, desde que não seja utilizado qualquer (...) meio sonoro que cause transtornos e prejuízos .
Para Abaeté Mesquita, advogado da Amast, a limitação corresponde a uma censura velada.
Como é possível fazer um protesto sem nenhum tipo de barulho? Aí é só uma vigília afirma, acrescentando que a associação deverá recorrer da decisão.
Mesquita é o único dos oito réus que não mora no local, mas ressalta que uma das participantes do grupo de discussão sequer está em Santa Teresa, pois faz doutorado em Liege, na Bélgica.
Os outros seis levados à Justiça moram em uma casa e em um prédio em frente a uma das entradas do hotel, onde fica o restaurante Tereze, principal fonte de reclamações.
Janelas da discórdia
Morador há quase 20 anos da Felício dos Santos, o historiador Jaime Benchimol, 56, conta que suas dificuldades vão de dormir a passar pela rua em dias de movimento, especialmente aos sábados.
Como não tem estacionamento, o hotel usa a rua, que é estreita e não comporta movimento, ganhando dinheiro às custas do sossego dos moradores protesta.
A maior reclamação, entretanto, é com relação ao barulho que, segundo ele, sai do restaurante, bem em frente ao prédio.
As janelas ficam diante das nossas, e permanecem abertas. Ele (Delort) diz que é porque o ar-condicionado não funciona direito, mas isso não é problema nosso. Também diz que não faz eventos, mas faz. Aluga o espaço para festas e casamentos, e o DJ põe o som nas alturas até 1h, 2h. Preciso ir dormir nos fundos de casa. Por que só eles podem fazer barulho? Essa de ir à Justiça proibindo o protesto foi um gesto de extrema arrogância. Ele não tinha direito de espionar a nossa correspondência ataca.
Queixas variadas
O barulho do gerador de energia, que funciona 24 horas por dia, também é criticado, assim como a mudança do projeto arquitetônico.
O projeto, em 2005, primeiro foi desaprovado na prefeitura; depois, aprovado. Não entendo isso alfineta Pedro Cascardo, arquiteto e membro da Amast.
O economista Luiz Alves, de 57 anos, acrescenta que a construção ficou mais alta e tapou a vista que as casas da rua de trás, Leopoldo Fróes, tinham do bairro .
Na curva onde fica a entrada de serviço, queixas são frequentes.
Chego aqui às 7h para dar aula e já encontro os caminhões descarregando comida, roncando motor, os entregadores falando alto relata a professora de yoga Karina D'Avila, de 26 anos.
Não são todos que se incomodam, porém, na rua cuja curva já chegou a ser sinônimo de roubos de carros em Santa Teresa. A empresária Ana Luíza Faria ficou contente com a abertura do hotel.
A construção estava abandonada, entregue aos ratos e a invasões. Agora, a rua está mais iluminada e segura. Sinceramente, para mim, não tem problema diz.
ara hoteleiro, xenófobos não falam por moradores
Acusado de espionagem pela Amast, por ter conseguido acesso ao grupo de discussão da internet, François Delort afirma que foram moradores que lhe repassaram as mensagens, indignados com seu conteúdo, segundo ele.
O dono do hotel, que briga na Justiça contra a Amast há quatro anos, diz que a associação não representa os moradores do bairro.
Esse movimento não parte dos moradores, mas de um pequeno grupo de pessoas extremistas e xenófobas. Alguns nem moram no bairro, onde vivem 86 dos nossos 120 funcionários, e tentam usá-lo de forma política.
Segundo Delort, cerca de 30 moradores entre eles, oito da própria Rua Felício dos Santos lhe enviaram os e-mails extremamente violentos da lista da Amast.
A medida na Justiça foi contra as ameaças que foram feitas conta Delort, que, nos e-mails, é chamado de rato sujo .
Em uma das mensagens, o remetente que assina como Martim Afonso de Souza, diz que é hora de partir p/ o ataque (...) vamos expulsar estes corsários como o povo de itaparica (Ilha no Recôncavo Baiano) fez, na porrada , comparando o proprietário do hotel aos piratas franceses.
Em outra mensagem, Abaeté Mesquita diz que pensou em colocar nos dias de maior movimento, um som em frente, com funk proibidão de baixíssimo nível, no último volume, com a concordância dos moradores do entorno, que poderiam se valer de protetores auriculares .
O advogado argumenta com uma pergunta: como poderão reclamar de barulho, se são os primeiros a fazer isso? .
Delort diz que os manifestantes usam dois pesos e duas medidas.
Aqui, há 200 metros, o Bar do Mineiro, que é um bar amigo, tem barulho e fica aberto, com as pessoas na rua. Por que o problema é só o Tereze? questiona.
Ex-funcionária do Mineiro, atualmente garçonete do Tereze, Luciana Fonseca, 31, reitera a segurança após a reforma do hotel.
Antes, uma colega minha do bar foi assaltada três vezes aqui (na Felício dos Santos).