Fernanda Dannemann , Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Nesta quinta-feira, Dia Mundial da Prevenção ao suicídio, voluntários do Centro de Valorização da Vida (CVV) vão às ruas para dar mais visibilidade a um trabalho que se pode chamar de heróico. São pessoas que deixam seus afazeres e até abrem mão do convívio familiar para tentar reduzir o número de pessoas que, face ao desespero, põem fim às próprias vidas. Haverá panfletagem pela cidade e palestras nos seis postos da regional do Rio. O mutirão envolve também o Ministério da Saúde, segundo o qual, em 2006 ocorreram 8.639 suicídios no Brasil.
Para nós, do CVV, é muito comum eles dizerem que vão se jogar da janela conta a funcionária pública Maíse Gama, 65 anos, que há dez anos trabalha como voluntária no grupo.
Como parte dos trabalhos extras neste mês de setembro, as unidades cariocas também realizam, a partir da próxima segunda-feira, processos seletivos para formação de novos voluntários para os postos do Centro, de Copacabana e de São Gonçalo, que recebem, em média, 2.500 chamadas por mês e funcionam 24 horas por dia.
Em dezembro, quando a televisão começa com aquela campanha consumista de Natal, estes números chegam a 4 mil diz Cacau, 50 anos, técnica em reabilitação de dependentes químicos e que atua no CVV há seis anos. No dia das mães, o telefone também não para.
Vários são os fatores de risco para o suicídio, mas no caso de quem liga para o CVV, a solidão é campeã.
Solidão não significa que a pessoa seja sozinha no mundo ressalta Soares, servidor público de 27 anos e há três dedicando-se ao trabalho. Muitas vezes, a pessoa está em casa, junto com a família, mas ninguém lembrou do aniversário dela.
E até a solidão tem seu lado mais leve: há quatro meses no batente do telefone do CVV, o estudante de engenharia Gustavo, 22 anos, conta que, volta-e-meia, alguém liga só pra dar bom dia.
Também há aqueles que só nos chamam pra saber se estamos mesmo aqui diz, lembrando dos que ligam pra reclamar que perderam o avião e de quem só quer comentar a previsão do tempo.
Falar da novela, xingar o vizinho, reclamar do governo, pedir dinheiro emprestado e solicitar envio de cesta básica... tudo é motivo para teclar 141, número que a Anatel concedeu ao CVV há pouco mais de dois anos, quando o serviço alçou o sexto lugar no ranking dos mais acionados no país, atrás apenas de instituições como o corpo de Bombeiros de São Paulo e a empresa de cosméticos Avon.
Já ligou gente até para dizer que ia processar a tinturaria por causa de um vestido que voltou manchado conta Maíse.
Depois de muito ouvir, ela convenceu a reclamante a desistir da briga judicial.
Aposentadoria, desemprego, divórcios litigiosos e viuvez também estão entre os maiores motivos para quem recorre ao 141.
Mas nós nunca damos conselhos, não falamos de política nem de religião frisa a coordendora.
Ao que Cacau acrescenta:
Também não somos obrigados a entender de tudo. Se a pessoa quiser falar de futebol, eu falo, mas antes pergunto o que é impedimento.
Amadores
Criado na década de 60 por um grupo de universitários paulistas, dedicado a combater os índices crescentes de suicídio à época, o CVV não tem como quantificar quantas vidas já salvou. Seus voluntários, que fazem questão de dizer que não são profissionais de saúde, mas sim pessoas empenhadas em salvar vidas, explicam que, o importante, é anular um processo suicida que esteja em curso.
Já consegui reverter situações, mas não posso afirmar que, no dia seguinte, a pessoa não tenha ido até o fim reconhece Cacau, acostumada aos plantões na madrugada.
Engana-se, aliás, quem pensa que a noite seja pior para quem sofre.
Já peguei suicídio em andamento às 11h da manhã.
Os pesquisadores afirmam que o pedido de socorro, em geral, sempre vem antes.
Estudos comprovaram que é comum que suicidas em potencial busquem atendimento de um médico nos meses que antecedem a tentativa afirma a professora do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Universidade Federal Fluminense, Valéria Queiroz.
No entanto, segundo Maíse, a maioria não diz claramente que está pensando em se matar. Minha vontade é sumir , Queria abandonar tudo , Quero jogar tudo pro alto são palavras-chave de quem está buscando ajuda.
Embora o anonimato seja a regra número 1, tanto para quem liga quanto para quem atende, ambos acabam apurando o ouvido e se tornando capazes de identificar a voz do outro lado.
Tem gente que, por ligar sempre, acaba ficando conhecida nossa conta o estudante Gustavo.
E nem tudo é tristeza nas linhas do CVV:
Uma pessoa ligou pra contar que tinha, finalmente, se formado na faculdade diz ele. Também é muito bom quando nos chamam para agradecer por estarmos aqui. Também são muitos os que ligam pra se certificar que não vão cair na secretária eletrônica.
Distanciamento
Apesar de contar com o anonimato eles mostram o rosto, mas não dizem seu nome as quatro horas e meia de cada carga horária semanal são dedicadas, literalmente, a salvar uma vida.
A distância física do problema me ajuda diz Soares. Eu não conseguiria trabalhar no Hospital do Câncer e ver, com meus olhos, o sofrimento das pessoas.
Maíse, a coordenadora, explica que, em média, 30% dos que se apresentam como voluntários seguem em frente como o trabalho.
As pessoas sempre querem ficar, mas às vezes não têm condições emocionais.
Com 48 postos no país, e aproximadamente 2.500 atendentes, o CVV é mantido pelos próprios voluntários, que, quando podem, dividem entre si as despesas de cada posto.
Já pensei em desistir diz Cacau. Mas o CVV me ensinou a não agir por impulso. Aprendi que, por pior que seja a crise no momento, preciso refletir antes de qualquer decisão. E continuo aqui.
Rio tem o menor índice do país por habitantes
Disponíveis no site do Ministério da Saúde, os últimos dados sobre as taxas e números absolutos por suicídio no Brasil são do ano de 2006, e, para os cariocas, há uma notícia boa e uma ruim: considerando a taxa de mortalidade por suicídio por cada 100 mil pessoas, o Rio ficou com o mais baixo índice. No entanto, segundo explica Valéria Queiroz, doutora em psiquiatria pela Universidade de Pisa, na Itália, e professora do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Universidade Federal Fluminense (UFF), em termos absolutos, o que vemos é o inverso.
Em 2006, o Rio foi a segunda capital brasileira com maior número de óbitos por suicídio, com 147 mortes, ficando atrás apenas de São Paulo, com 469 casos afirma.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o aumento mundial das taxas de suicídio foi de 60% no período entre 1950 e 2000. Ainda que o Brasil seja considerado, pela própria OMS, um país de baixo risco para o suicídio com taxas anuais em torno de 4,6 mortes por cada cem mil habitantes Valéria Queiroz explica que a taxa brasileira cresceu aproximadamente 21% entre 1980 e 2000.
A maioria dos casos é relacionada a homens e a pessoas com mais de 65 anos. No entanto, seguindo uma tendência mundial, o suicídio de jovens entre 15 e 24 anos vem crescendo bastante.
Além disso, determinados grupos populacionais no Brasil apresentam cifras que se aproximam de países do leste europeu e da Escandinávia, áreas consideradas de risco elevado. Entre eles, jovens em grandes cidades, indígenas do Centro-Oeste e do Norte e lavradores do interior do Rio Grande do Sul.
Segundo a especialista, o método escolhido na tentativa depende da disponibilidade, ou seja, do acesso que a pessoa tem aos instrumentos para provocar o suicídio.
Os homens utilizam métodos mais violentos e instrumentos com alto poder de letalidade, por isso obtêm mais êxito em suas tentativas. Já as mulheres, utilizam-se, sobretudo, de medicamentos. Ou seja, as mulheres tentam mais, e os homens se suicidam mais explica.
Valéria também salienta que, embora os hospitais exerçam papel fundamental no atendimento destes casos sendo, muitas vezes, determinantes na preservação da vida nem sempre as equipes de saúde percebem a importância de encaminhamento deste paciente para um profissional de saúde mental, de modo a prevenir contra novas tentativas.
A identificação e o tratamento precoces dos fatores de risco, assim como o treinamento de profissionais de saúde, são essenciais para o controle da situação afirma.