João Pequeno, Jornal do Brasil
RIO - Os 250 anos que a Tijuca completa neste mês marcam o choque entre a tradição e a pior desvalorização imobiliária do Rio na última década, com quedas de 50% nos valores de casas e apartamentos próximos a favelas. O bairro também sofreu a maior baixa demográfica da cidade entre 1991 e 2000: perdeu 2,8 pontos percentuais de sua população no período, de acordo com dados da prefeitura sobre o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A família do construtor português José da Costa, 63, tenta, sem sucesso, engrossar essa estatística, pondo à venda uma casa com dois andares, quatro quartos e cinco banheiros na Muda, debaixo do Morro do Cruz, por R$ 450 mil menor preço entre todos os imóveis semelhantes encontrados pelo JB em um site especializado.
Aqui não tem violência garante Costa, a poucos metros da Rua General Espírito Santo Cardoso, onde, no ano passado, policiais mataram o menino João Roberto Soares, então com 3 anos, ao confundir o carro em que ele estava com outro que fora roubado.
Embora imóveis em zonas de risco percam valor em qualquer local, a Tijuca sofreu especialmente com o avanço de favelas muitas dominadas por facções rivais sufocando trechos de sua principal rua, a Conde de Bonfim, e forçando mudanças e fechamento de estabelecimentos, como o Carrefour da Usina, que cerrou as portas definitivamente em 2005, após fechá-las inúmeras vezes em meio a tiroteios e arrastões.
Estande de tiro
Foi perto do antigo supermercado que o diretor-secretário do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci-RJ), José Fernando Schuster, tentou vender, há dois anos, um terreno abandonado por uma revendedora da Fiat.
A parede lembrava um estande de tiro, de tantas marcas de bala. O segurança só ficava ali com dois (cães) rotweillers. Quem olhava ia embora. Desisti lembra.
O clima pesado se estende às ruas de acesso a favelas. Na 18 de Outubro, uma placa com propaganda de obras no Morro da Formiga é o motivo dado pelo securitário aposentado Etelvino Antunes, 73, para não receber ofertas por seu apartamento, com 56 metros quadrados, dois quartos um deles, suíte e vaga na garagem.
Etelvino diz que a favela não é ali, mas na rua ao lado . No entanto, sua sala dá vista para uma entrada do morro pichada com inicias de uma facção criminosa. O aposentado admite, enfim, que os R$ 150 mil pedidos são menos do que o apartamento vale .
Para se ter uma ideia, em Ipanema, o JB só encontrou por preço similar apartamentos de um quarto, no mesmo site de imóveis.
A comparação pode parecer discrepante, mas até os anos 60, os bairros se equiparavam, lembra José Conde Caldas, presidente da construtora Concal e do Conselho de Desenvolvimento da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi).
Ruas como a Homem de Melo (perto do Tijuca Country Clube) tinham preço de metro quadrado como os da Nascimento Silva.
Em uma trágica coincidência, foi na Andrade Neves paralela à Homem de Melo que, em 2000, o músico Marcelo Yuka ficou paraplégico, após ser baleado em um assalto, caso que marcou o início de uma longa decadência no bairro, para Dauro Moreira Filho, advogado do ramo imobiliário.
Hoje, já baixei de R$ 1.800 para R$ 900 o aluguel de uma cobertura na Conde de Bonfim que tem vista para a comunidade da Chacrinha e nem assim fechei, em mais de um mês, o que demonstra a resistência das pessoas à área.