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Eduardo Paes faz um balanço de seu governo

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Marcelo Migliaccio e Marvio dos Anjos, Jornal do Brasil

RIO - Na próxima sexta-feira, Eduardo Paes completa 100 dias à frente da Prefeitura do Rio. Quinta passada, ele recebeu a equipe do Jornal do Brasil em seu gabinete, no Palácio da Cidade, e mostrou satisfação com o que já fez no cargo. Contou que entre suas próximas intenções está a diminuição do conceito de Choque de Ordem, na tentativa de manter o ordenamento. Para isso, vai unificar os serviços telefônicos da prefeitura no Disque 746.

Sua ideia é fazer com que Copacabana e Leme sejam os primeiros bairros a se tornarem modelos de eficiência na prestação de serviços municipais, num piloto do que afirma pretender para toda a cidade.

Ao longo da conversa, o prefeito tentou fazer poucas menções ao seu antecessor, Cesar Maia, de quem diz ter desarmado uma bomba-relógio. Bastante animado, manteve o sorriso largo e a disposição que marcaram tanto sua campanha quanto os primeiros dias da gestão. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O que foi mais difícil nesses primeiros 100 dias?

- Você já viu um cara feliz? Olhe para mim. Estou tão feliz de estar aqui, faço com tanto prazer, estou tão orgulhoso de ser prefeito do Rio que trabalho 20 horas por dia numa boa. Até as coisas muito difíceis, e não são poucas, só me servem de estímulo. Encontramos dificuldades todos os dias. O mais difícil é que o personagem que me antecedeu montou, não para mim, mas para quem quer que ganhasse a eleição, uma bomba-relógio. O profundo conhecedor de finanças Cesar Maia preparou uma bomba para explodir num tempo que maquiavelicamente não afetasse a sua imagem.

Que seria quando?

- No segundo semestre. Desarmar essa bomba é a coisa mais difícil que eu tenho feito, Ontem (quarta-feira) saí daqui às 3h30 da madrugada. E não são poucos os dias em que tenho feito isso. Eu, Pedro (Paulo, chefe da Casa Civil) o pessoal da Fazenda... O ex-prefeito construiu uma situação financeira tal que em janeiro não se poderia dizer que a prefeitura estivesse quebrada, mas ela estava pronta para quebrar. O que me impressiona é ele ter feito isso com a cidade, porque não foi comigo que ele fez. Isso não foi montado depois da minha vitória, é um processo que se constrói. Veja o Previ-Rio: nos últimos 18 meses de administração o deixaram a ponto de quebrar.

Refere-se à dívida de R$ 700 milhões com o fundo?

- Fora isso, porque essa dívida dá margem a uma discussão que eu posso manter. Mas eu vou pagar o rombo do Previ-Rio que o Cesar Maia deixou, de R$ 800 milhões, com o servidor municipal. Vou parcelar e já estou discutindo isso. Mas há também os benefícios. No último ano, foram criados tantos benefícios que quebram o Previ-Rio. Tem gente na prefeitura ganhando R$ 20 mil por mês e comprando casa em Búzios. A média anual de cartas de crédito do Previ-Rio nos últimos 12 anos foi de R$ 20 milhões. Mas em 2008 foram R$ 400 milhões. A boa notícia, com três meses de governo é a seguinte: venci. Graças a Deus e porque conheço bem a prefeitura, não sou um neófito em administração pública, tenho um grau de dedicação muito grande e tenho feito jogo duro para cortar a gordura. Até o fim do ano, a cidade terá recuperado a capacidade de investimento, com melhoria dos serviços.

Como se contorna a queda de arrecadação?

- Desde o primeiro momento, coloquei a queda de arrecadação como um fator certo. Desde a transição digo que tínhamos um Orçamento superestimado mesmo sem crise.

Qual é a capacidade de investimento?

- A minha perspectiva, sem crise, era de pelo menos uns R$ 400 milhões de receitas superestimadas. Com a crise, achamos que isso pode chegar a R$ 1,2 bilhão a menos do que está no Orçamento. Estou preparado para manter a qualidade dos serviços.

A receita das multas aplicadas no Choque de Ordem é considerável?

- Irrelevante. Ao contrário, o Choque de Ordem tem um enorme custo. Essas demolições que fazemos, os contratos da Secretaria de Obras, da Comlurb, caminhões, reboques.

Mesmo com R$ 1,2 bi a menos, a capacidade de investimento vai ficar em quanto?

- Neste ano, ela é muito baixa. Há cinco anos, era em média de 5% e hoje é de 2%. É um ano de muito ajuste, mas posso afirmar que os serviços vão melhorar com as prioridades adequadas. Não vou gastar só os R$ 1.000 que o Cesar Maia deixou no Orçamento para a Cidade da Música. Estamos priorizando educação, saúde, esta última com mais cuidado, porque tudo é muito caro e não dá para errar. Investindo em conservação, enfim... Até o começo do segundo semestre, as pessoas vão perceber que a cidade está mais bem cuidada, organizada, com menos buracos, mais luz.

É verdade que o senhor pretende criar bairros modelo?

- Vamos começar por Copacabana e Leme. Serão áreas da cidade em que os serviços públicos funcionarão perfeitamente. O telefone 746 vai ser implantado primeiro nessas áreas.

O que é o 746?

- (Paes pede um celular a um assessor e mostra no visor) Olhe, o número 7 corresponde à letra R, o 4 ao I e o 6 ao O. Pedi esse número à Anatel ainda no período de transição. Vai ser criado um serviço de telefonia só para o contribuinte acessar todos os setores da prefeitura. Um canal mais fácil e ao mesmo tempo um laboratório de um padrão de manutenção da cidade e de relação da população com a prefeitura. Mas isso é um processo, e a minha ideia é começar por uma região da cidade onde haverá ordem absoluta, limpeza das ruas, conservação do asfalto, enfim, onde os serviços públicos sejam ideais.

Vai ser toda Copacabana ou uma parte?

- Ainda estamos terminando o planejamento, mas quero implementar isso ainda neste semestre, ou seja, nos próximos três meses. Eu ainda preciso acertar alguns setores de conservação, como a Rio Luz, por exemplo, que ainda está muito degradada, não tinha uma lâmpada. Os contratos de manutenção de sinal de trânsito da CET-Rio também estão muito alargados. O asfalto já está melhor, estamos em condições de tapar todos os buracos que surgem. Também já retomamos os contratos da Comlurb para a poda de árvores.

Um telefone só para tudo?

- É, veja quantos números a prefeitura tem hoje. Disque Luz, Disque Asfalto, Disque Dor de Cabeça... Mas não adianta todo mundo ligar para o 746 e não podermos atender às reclamações, então estamos nos organizando. E será uma primeira ação conjunta mais ampla do governo estadual e da Prefeitura do Rio. Vamos cuidar do asfalto e do morro, primeiramente em Copacabana e Leme, mas não posso adiantar mais do que isso.

Mas começar um bairro modelo logo por Copacabana não é um risco?

- Acho que não. Copacabana tem uma localização geográfica muito bem definida. É meio Manhattan, com ruas retas, horizontais e perpendiculares. Dá para mapear e monitorar bem. Os agentes de trânsito, por exemplo, vão estar com GPS para que saibamos suas localizações. Vais ser um modelo do que a gente gostaria de ter na cidade toda. Não acho arriscado não, ao contrário.

E é um cartão postal...

- Tem coisas que são simbólicas. Agora temos que decretar o fim do Choque de Ordem e o conceito passar a ser a cidade em ordem. O choque passa sempre aquela ideia da coisa rápida, que começa e acaba. Mas tem que ser algo que perpassa toda a administração. Essas ações, que até certo ponto podem ser chamadas de midiáticas, estão sendo muito importantes para comunicar mesmo que a desordem acabou. No episódio do Minhocão (prédio irregular na favela da Rocinha demolido pela prefeitura), eu briguei pela derrubada porque senão você não muda o patamar da discussão, são necessárias ações mais emblemáticas.

Copacabana tem um problema específico que é o prédio do antigo Hotel Meridien...

- Já está resolvido. O Windsor comprou. Foi uma briga pessoal minha. Falei que não autorizaria o uso do imóvel para fins que não fossem de hotelaria. O grupo Iberostar só saiu por problemas com a Previ.

E a Cidade da Música, que já tem uma sala de concertos que pode funcionar?

- Você já foi lá?

Já houve um concerto lá.

- Podemos ir juntos. Aquela sala em que ele (Cesar) inaugurou, com a banda da Guarda Municipal, não pode ser chamada de sala de concertos, com todo respeito à banda da Guarda, que toca aqui no Palácio a todo momento. A Orquestra Sinfônica Brasileira já tocou na Cidade da Música, mas debaixo daqueles concretos, no meio dos andaimes. Não há nada pronto lá. Temos R$ 90 milhões para pagar e precisamos de mais R$ 130 milhões para terminar a obra. Nem a sala grande está pronta. Foi montada uma farsa para inaugurar. Vou terminar a obra, claro, mas não será prioridade neste momento. Não posso gastar mais dinheiro público sem concluir a auditoria. O sujeito fica oito anos para fazer aquele negócio e vai querer que eu termine em seis meses? Não posso correr o risco de ser conivente com irregularidades.

Qual foi a prioridade nesses primeiros 100 dias?

- Se eu pudesse fazer uma síntese, diria que foi fazer a prefeitura presente, um contraste com o passado. Agora, não temos mais um prefeito escondido. Em três meses, já estamos fazendo mais do que prometemos na campanha, com ações emblemáticas, como o Choque de Ordem, a prefeitura itinerante, as iniciativas na educação. A partir de segunda-feira, concederemos alvarás em menos de 24 horas na cidade do Rio. Já estamos pactuados para resolver o problema das emergências nos hospitais, depois de 15 anos sem pessoal suficiente no setor. Encaramos o tema da dengue de forma séria, com integração. Participamos das comunidades pacificadas. Saímos de uma média de 5 mil toneladas de asfalto colocadas por mês nas ruas para 15 mil toneladas. Vamos manter esse patamar este ano. Até o fim de 2009, reduziremos de 20% para 5% o índice de pontos de luz apagados na cidade. Semana que vem, envio à Câmara o projeto tornando a Guarda Municipal estatutária. Acabamos com a aprovação automática, começamos o reforço escolar e, até o final deste ano, o bilhete único do transporte estará implementado.

E o lixo?

- Estamos encerrando o grupo de trabalho agora. A decisão já tomada é não ter aterro sanitário em Paciência. Trabalhamos com duas ou três alternativas. Temos a opção de fazer em Manguariba, na Zona Oeste. É menos conflituosa, porque faz fronteira com Nova Iguaçu. E tem outra alternativa interessante, que é Piabetá. E a terceira hipótese é fazer uma nova licitação, que deve ser o caminho. Mas o lixo é uma questão de civilidade e educação das pessoas.

O senhor falou que Copacabana e Leme serão os primeiros bairros modelo. E Ipanema e Leblon, como serão tratados?

- Com o maior carinho. A Zona Sul, as áreas consolidadas da cidade precisam de conservação, ordem. Não vou fazer nenhuma obra faraônica nessa região.

O senhor vai tirar o Obelisco de Ipanema?

- Primeiro eu preciso saber o que a população pensa em relação àquele monumento. Gosto muito do Paulo Casé, é uma pessoa importante e identificada com a cidade.

O senhor acha que o metrô chega à Barra da Tijuca antes do fim do seu mandato?

- A obra começa este ano, mas terminar... (pensa). Acho que o trecho Barra Gávea fica pronto. Mas até Ipanema, deve levar uns 8 anos. Se eu for bem e me reeleger, pode até ser. O governador Sérgio Cabral me disse que definidos os trâmites legais na Câmara, ele começa a obra da Barra em direção à Gávea.

Politicamente, como está sendo articulada a relação com a Câmara dos Vereadores?

- Ainda não foi testada, mas tenho tentado manter uma relação o mais aberta e franca possível, já estive lá três vezes. Recebo sempre quem me procura. Acho que o papel do vereador é cobrar a qualidade dos serviços que a prefeitura tem que prestar e não indicar nomes para o governo.

Como encara as críticas em relação ao Choque de Ordem, que a definem como uma ação contra pobres?

- Elas vêm dos especuladores da miséria. O dono do prédio demolido na Rocinha tinha mais dois restaurantes no Centro da cidade. Se esse é o pobre em que estou batendo, vou bater com muita força. Não se viu operação de Choque de ordem em torno do varejo do ambulante. O que se viu foi estouro de depósitos de empresário pirata, muambeiro. Não houve pancadaria com camelô na rua. Uma discussão ou outra, mas pontual. Nesta próxima semana, vamos anunciar um plano chamado Empresa Bacana, um conjunto de alternativas para os camelôs, com cadastramento e parceria com o Sebrae.

Como é a sua rotina no governo?

- Sempre cheguei no trabalho às 7 horas. Desde o tempo de estagiário de direito. Minha tese é a de que se você chega tarde no trabalho, os outros é que pautam seu dia. Chego aqui de manhã, ninguém me perturba, faço a minha listinha de coisas e começo a ligar para as pessoas. Antes de o cara me ligar, eu já liguei para ele dizendo o que tem que ser feito. E tenho ido para casa em horários estapafúrdios, mas não pretendo que seja assim até o fim do governo. Recebo os boletins da CET-Rio com ônibus enguiçado, carro atolado, dia e noite no meu celular. Minha mulher está quase se separando de mim por causa disso (risos). Ela disse: Ou eu, ou a CET-Rio . Nos primeiros meses, é natural. Já fui secretário estadual e municipal, já enrolei prefeito para obter mais verba. Sei como se faz. Por isso, nos fins de semana, eu vinha para cá sozinho e estudava a execução orçamentária de todos os órgãos da prefeitura nos últimos 10 anos. É ruim de me enrolarem.

E o Cais do Porto?

- Está avançadíssimo. Só não batemos o martelo ainda porque os atores privados ainda não deram o OK. O Porto vai receber três novos museus, o entendimento com o governo federal é total.

O que mais o surpreendeu nesses 100 dias?

- Vou fazer uma crítica que nunca fiz ao meu antecessor; me surpreendeu negativamente o sistema de controle que encontrei na prefeitura. No primeiro governo do Cesar, ele criou um sistema de controladoria para fiscalizar preventivamente as ações. Isso mudou completamente. Hoje só se checa depois que o sujeito já roubou. Hoje estou retomando o controle preventivo. E positivamente foi a constatação de que as teses do fim da aprovação automática e das aulas de reforço renovaram a esperança dos alunos no futuro.