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Urnas dividem militares da turma do vôlei de Copacabana e integrantes da ONG Redes da Maré

Divulgação Redes da Maré -
A turma do vôlei de praia formada por militares em Copacabana
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Os resultados das urnas dividiram as expectativas de duas redes de eleitores no Rio: a dos militares que jogam vôlei de praia numa quadra no Posto 6, em Copacabana e a dos integrantes da ONG Redes da Maré, na favela homônima na Zona Norte da cidade.

“Discurso de ódio? Foi só a maneira que Bolsonaro encontrou para se contrapor a esse partido que se estabeleceu no poder durante todos esses anos. Ninguém tinha coragem de soltar a voz. Só isso”, rebate o coronel da reserva Paulo Gil Teixeira, de 63 anos, traduzindo o pensamento de um grupo que dedica as manhãs de sábado ao voleizinho colado no Forte de Copacabana. Entre uma partida e outra, de um lado ou de outro da rede do reduto militar, não faltam declarações de confiança de que o ex-capitão Jair Bolsonaro “colocará o país nos trilhos”, “reduzirá a criminalidade” e dará uma “guinada na economia e na geração de empregos”.

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A turma do vôlei de praia formada por militares em Copacabana (Foto: Divulgação Redes da Maré)

A 20 quilômetros dali, na Vila dos Pinheiros, uma das 16 favelas da Maré, o sentimento é outro. A população, que viveu durante 15 meses — de abril de 2014 a junho de 2015 — sob ocupação das tropas do Exército, teme o incremento da violência com a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), para a Presidência da República, e de Wilzon Witzel (PSC), para o governo do Rio — os dois defendem a estratégia do confronto nas favelas como política de segurança pública.

A costureira Irone Maria Santiago, de 53 anos, relembra o dia, em março deste ano, em Curitiba, em que o então pré-candidato à Presidência fez apologia ao uso de armamento de fogo por civis, dizendo que “arma é garantia da nossa liberdade”. “Já imaginou uma sociedade como a nossa, cheia de problemas, cada vez mais armada? Com a arma na mão dos militares, nós, moradores de favelas, já somos vítimas de muitos absurdos”, indigna-se. “É uma irresponsabilidade incitar a violência, como ele faz. Eu tive um filho vítima do próprio Exército, senti na pele o peso da militarização. Não dá para tolerar ideias de quem tem sangue nos olhos”.

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Integrantes da Redes das Maré em atividade na sede da ONG: expectativas divergentes (Foto: Divulgação Redes da Maré)

Irone é mãe do músico Vitor Santiago, um jovem de 32 anos que teve o carro fuzilado por militares da Força de Pacificação, em fevereiro de 2015, na Maré, quando voltava de um jogo do Flamengo com um irmão e dois amigos. Vítor foi alvo de dois tiros. Um deles atravessou o pulmão, a coluna e a medula, deixando-o paraplégico. O outro, na perna direita, atravessou e acertou a esquerda, que precisou ser amputada.

Desde então, Irone tornou-se integrante da ONG Redes da Maré, na qual informa moradores da favela sobre seus direitos, para que denunciem abuso de autoridades. Ela é categórica na crítica à liberação do porte de armas: “arma não garante liberdade de ninguém”. “E temos que parar com esse discurso de abater pessoas. Estamos falando de vidas. Vida de favelado também importa. Meu filho nunca foi bandido e, por pouco, não foi morto”, critica ela, em referência ao discurso do ex-juiz Wilson Witzel, eleito governador do estado.

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Paulo Gil em ação no Posto 6 (Foto: Bruno Kaiuca)
Ao aceitar o convite do JORNAL DO BRASIL para participar da matéria, Irone pediu que a travessia da Vila do João à Vila dos Pinheiros, onde mora, fosse a pé. Nada de mototáxi ou carro. Foi uma caminhada de 20 minutos: “Quero que vocês vejam que a Maré não é nenhum bicho de sete cabeças”, pede. No caminho, na Rua 41, a principal da Vila do João, ela aponta bares, lanchonetes, supermercados, farmácias: “Tem tudo que tem na Zona Sul. Até a droga que tem aqui também tem lá. Só não tem respeito. Aqui, a polícia já chega atirando”.

Na outra extremidade da favela, na Nova Holanda, fica a sede da ONG Redes da Maré, onde Irone atua. Fundada há dez anos, a organização concentra iniciativas sociais antes espalhadas pelo conjunto de favelas, como aulas de teatro e pré-vestibular comunitário. No dia a dia da população é uma grande “rede de solidariedade e de coragem”, como definem seus integrantes. “São projetos com impacto na qualidade de vida das pessoas. Nossos alunos antes correspondiam a 0,5% dos que conseguiam vagas nas universidades públicas. Agora são 2%”, orgulha-se o historiador Edson Diniz, um dos fundadores da organização, que tem mais de 30 projetos voltados para a população de baixa renda.

“Estamos vivendo um momento preocupante no Brasil e no Rio. Vimos candidaturas questionando a democracia — desde duvidar da validação das eleições até fazer ameaças diretas a seus adversários políticos. Percebemos que estamos diante de um retrocesso muito grande quando nos deparamos com discursos de candidatos contrários aos movimentos sociais. Estou muito preocupado, porque escutei candidatos prometendo abater pessoas”, critica o professor, que viveu na Maré durante 40 anos.

A preocupação de Edson é justificada na rede de vôlei dos militares, em Copacabana. “Quando a gente chega, é recebido a tiro pelos bandidos. Já metralham a gente logo de cara. Isso é fato”, defende o ex-soldado do Exército Gélson Hélio de Castro, de 63 anos. Defensor da política do “abate”, ele frisa que o fato de ter nascido e crescido no Morro do São Carlos, no Estácio, o credencia a falar a respeito: “Tem que resolver o problema da segurança de alguma forma”.

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Irone: filho ficou paraplégico (Foto: José Peres)

Sobre o “discurso de ódio”, criticado pela população da Maré, o desembargador Celso Ferreira Filho, de 70 anos, 2º vice-presidente do Tribunal de Justiça do Rio recebe a cortada com uma manchete: “Se você analisar bem, tudo o que os políticos dizem nem sempre traduz a realidade, mas a conveniência política do momento. Política é a arte de transigir [conciliar]”, relativiza ele.

Com tantas opiniões parecidas, a dissidência na rede dos militares é representada pela vendedora de empadão Delca Vitoriano dos Santos, de 45 anos, conhecida do grupo. “Pelo que já ouvi até agora, há grandes chances de Bolsonaro acabar com as cotas para negros e não acho isso legal. Quando eu tinha 18 anos e queria ingressar no cursinho pré-vestibular, minha família não teve como pagar. Eu queria estudar jornalismo, mas fui trabalhar como operadora de telemarketing e, há quatro anos, vendo empadão na praia. Por isso, defendo cotas e Prouni”, afirma a moradora de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. “Por outro lado, acho que o Partido dos Trabalhadores já teve sua chance. Vivemos o caos com Dilma [Rousseff]. Desta vez, não arrisquei. Essa foi a primeira vez que deixei de votar. Não quis dar um tiro no meu próprio pé”, diz ela, que se indigna quando o assunto é apologia ao uso de armas. “Com tanta gente intempestiva nesse país, mais arma para quê?”, sobe o tom, dirigindo-se ao ex-soldado Gélson.

Divulgação Redes da Maré - Integrantes da Redes das Maré em atividade na sede da ONG: expectativas divergentes
Bruno Kaiuca - Paulo Gil em ação no Posto 6
José Peres - Irone: filho ficou paraplégico
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