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Leandro Vieira: 'Nosso enredo é um recado ao conservadorismo'

Duas vezes campeão do Carnaval, ambas pela Mangueira, carnavalesco fala ao JB sobre a vitória: 'Índios, negros e pobres podem ser, sim, sinônimo de patriotismo'

José Peres -
Leandro Vieira Mangueira_
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Duas vezes campeão do Carnaval, ambas pela Mangueira, Leandro Vieira, de 34 anos, é um vascaíno, nascido no Jardim América e morador de Vicente de Carvalho, na Zona Norte da cidade. Carnavalesco há cinco anos, o primeiro na Caprichosos de Pilares, depois os outros quatro na Mangueira, também tem no currículo três Estandartes de Ouro. Formado em pintura pela Escola de Belas Artes da UFRJ, filho mais velho de três irmãos, diz que não tinha uma escola de samba preferida quando criança. O seu Carnaval era de rua. Com discurso político, afirma que o Carnaval é uma arte que reflete a sociedade. Assim como não entrega sua escola de coração, Leandro não polemiza sobre Chiquinho da Mangueira e diz que o deputado é uma página virada para a escola.

Macaque in the trees
Leandro Vieira Mangueira_ (Foto: José Peres)

O Carnaval da Mangueira foi um recado político para o presidente?

Não para o presidente diretamente, não. É um recado para o conservadorismo. Esse conservadorismo que, de alguma forma, quer limitar a ideia do coletivo e a possibilidade de reflexão.

Qual foi o recado que você quis passar?

Índios, negros e pobres podem ser, sim, sinônimo de patriotismo. Não é possível que apenas príncipes, princesas, marechais e militares possam ser símbolos de patriotismo para um país pobre, descendente direto de índios e negros.

Você acha que esse recado incomodou algumas pessoas? Por exemplo, no Twitter, Carlos Bolsonaro sugeriu que Mangueira tem envolvimento com o tráfico, bicheiros e milícias.

As pessoas podem gostar ou não gostar. O importante é que a maioria gostou.

Mas durante o Carnaval você chegou a responder ao Rodrigo Amorim quando ele disse que o tema era fruto de uma ditadura cultural esquerdista...

O tema é fruto de uma reflexão possível e não de uma ditadura cultural, que é passar 500 anos contando a mesma história, negando o protagonismo de personalidades populares.

Mas você chegou até a convidar o deputado para assistir ao desfile da escola.

Agora eu convido de novo para ele ir ao desfile das campeãs. Se ele faltou a primeira aula, vai ter agora a recuperação.

Faltou também a família da vereadora assinada Mairelle Franco. O que aconteceu?

A Vila Isabel se propôs a homenagear a Marielle e convidou a família dela antes da Mangueira. Eu, especificamente, não me senti à vontade de tirar da Vila Isabel algo que ela considerou importante em termos de homenagem dentro do desfile dela. Na minha cabeça, duas escolas homenageariam a Marielle e isso era importante para todo mundo.

Então você não fez o convite porque a Vila já havia feito e resolveu convidar a viúva?

Na verdade, eu tomei conhecimento que a família da Marielle desfilaria na Vila. Entendo família como pai, mãe, filho e esposa. Depois tomei conhecimento que o convite da Vila não se estendia à esposa. Então resolvi convidá-la.

Você também ganhou com a Mangueira no samba enredo de 2016 - Maria Bethânia: A Menina dos Olhos de Oyá. Esse tipo de homenagem é uma tendência?

Não, ganhei com Bethânia e agora com algo bem diferente. Não acho que seja uma tendência.

O que você acha da hashtag fica Leandro?

Acho um carinho da comunidade comigo, um carinho lindo. Qualquer um se sentiria gratificado com um reconhecimento desse.

Você já sabe se permanecerá na Mangueira?

A Mangueira vai passar por um processo de eleição. Toda eleição gera incerteza. Não sei qual é o futuro da Mangueira, quem são os candidatos, ou qual é o perfil deles. Enquanto eu não souber, não tenho o que decidir sobre o que vai acontecer.

Você já recebeu convite de outras escolas? Quais?

Sim, mas não vou falar.

O que você acha dos megablocos? Tivemos um episódio com confusão que foi o Fervo da Lud.

O Carnaval cresce. Quem cuida dele tem que organizar para ele continuar crescendo. Sou a favor que cada vez cresça mais. Carnaval é cultura popular. Quero cada vez mais que a cultura popular cresça e os responsáveis que deem conta. O que não pode é polir o crescimento da cultura popular. A cidade tem que estar preparada para esse crescimento.

O que foi a vitória da Mangueira para você?

Representou a consagração de uma comunidade importante do Rio de Janeiro.

Houve uma identificação da comunidade com o enredo apresentado?

Certamente. A comunidade cantou tudo aquilo que foi negado para ela durante séculos. Que foi a representatividade. Que talvez seja uma das coisas mais importantes hoje em dia.

O recado da Mangueira rodou o mundo. Como você vê aquela criança da quadra comemorando e a sua concepção batendo nela?

Na verdade, isso para mim é a consagração. Não é o título, não é o troféu, não é acharem meu trabalho plasticamente bom, não é a nota. A consagração é ter atingido a minha comunidade. Ter feito que aquele recado chegasse. Que tenha despertado nessas pessoas, quem foi a Dandara dos Palmares, Esperança Garcia, Cunhambebe, Malê, Luísa Mahin, Luiz Gama. É para mim de uma grandeza maior do que qualquer campeonato.

O deputado Chiquinho da Mangueira está preso sob a acusação de ter usado propina do ex-governador Sérgio Cabral para realizar desfile da escola ...

Chiquinho da Mangueira é uma página virada dentro do Carnaval da Mangueira. Ele está preso, foi afastado pela escola que terá um novo presidente.

Qual era sua escola do coração quando era criancinha?

Quando eu era criancinha não torcia para escola de samba, só para bate bola, Bola Preta e Cacique de Ramos.

Quando começou a torcer para escola de samba?

Quando vim para Mangueira. O meu Carnaval sempre foi da rua, mais livre, sem regra.

Como vê a violência nas brigas de bate bola?

Carnaval é cultura popular, que dialoga o tempo todo com a sociedade. Somos uma sociedade com violência crescente. É natural que o Carnaval esbarre nisso porque é um reflexo direto dos que formam a sociedade. Não é o Carnaval que está mais violento, a sociedade está mais violenta. E como o Carnaval é arte, reflete a sociedade. É um espelho. O Carnaval é mais politizado porque a sociedade brasileira discute mais política. Se discute bem, mal e se essa polarização que a gente vive é boa ou ruim, eu não sei.

Você disse que o seu Carnaval sempre foi de rua, mas não houve um desfile que te impactou?

A lembrança que tenho de desfiles de escolas de samba foi a disputa entre Rosa Magalhães e Renato Lage. As lembranças que tenho são da Rosa na Imperatriz e do Renato na Mocidade. Então essa lembrança de Chuê, Chuá, Mais Vale um Jegue que Me Carregue, são as lembranças desses dois personagens do carnaval.

Divulgação - Dr.Bruno Nazar - psiquiatra - baixa (5)