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Miliciano cita conversa com filho de Crivella e tentativas de contato com prefeito

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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Escutas telefônicas da Operação Muzema, deflagrada nesta terça-feira (16), mostram um homem apontado como gerente da milícia da favela na zona oeste do Rio de Janeiro falando sobre encontro com o filho de Marcelo Crivella e tentativas de contatos com o próprio prefeito.

Os diálogos são de dezembro do ano passado, período em que a prefeitura interditou imóveis na região e tentava viabilizar demolições.

Os acusados relatam tentativas de evitar a derrubada dos empreendimentos imobiliários, uma das fontes de receita da milícia da região, segundo o Ministério Público.

Não há, nos diálogos, evidências de que os contatos de fato ocorreram e se tiveram consequências.

O prefeito e seu filho não foram interceptados nas conversas divulgadas. A prefeitura afirmou, em nota, que há anos luta na Justiça para demolir prédios ilegais na região.

O Ministério Público denunciou 24 pessoas sob acusação de explorar a construção e venda de prédios irregulares na Muzema --17 tiveram mandados de prisão preventiva expedidos. Foi na favela que dois prédios irregulares desabaram matando 24 pessoas.

A milícia que atua na região é comandada, segundo o Ministério Público, pelo ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega, que tinha mãe e mulher nomeadas no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Ele está foragido desde a deflagração da Operação Os Intocáveis, em janeiro.

O nome de Crivella aparece em dois diálogos de Manoel de Brito Batista, o Cabelo. Ele foi preso em janeiro na Operação Os Intocáveis sob acusação de ser o gerente da milícia, responsável tanto pela administração do braço armado da quadrilha como supervisão dos empreendimentos imobiliários ilegais.

No dia 2 de dezembro, Cabelo afirma a Abraão Fontenele Amorim --acusado de ser um dos sócios dos empreendimentos ilegais-- que se encontrou com Marcelo Hodge Crivella, filho do prefeito, para tentar evitar a demolição de imóveis na região.

"Cheguei até o filho do Crivella. Só não cheguei até a ele. E o filho dele falou que não tem como segurar não, que é o Ministério Público. O cara me levou até o filho dele", disse Cabela a Abraão.

Em outro diálogo, Cabelo conversa com o ex-vereador e cantor Agnaldo Timóteo sobre a ameaça de demolição dos imóveis da região. O cantor afirma que vai tentar interceder junto ao prefeito.

"Eu amanhã estarei no Rio de Janeiro, se Deus quiser. (...) Depois do meio-dia estarei a suas ordens, até para lhe dar uma chegada na prefeitura. Eu preciso falar com o Crivella de uma maneira mais objetiva. Porque eu fiz campanha para ele. Entendeu? Nós temos uma relação de amizade de 20 anos, entendeu? Então às vezes ele consegue interceder", disse Timóteo.

"Eu acho uma puta de uma sacanagem. Ali já está até alugado para uma Igreja Universal, entendeu?", respondeu Cabelo.

Crivella também aparece numa conversa entre Leonardo Borges e Fábio Castro, acusados de serem sócios nas construções ilegais. O segundo afirma que Bruno Pupe Cancella, apontado como um dos principais empresários responsáveis pelo empreendimento, se reuniu com o prefeito.

"Consegui me liberar agora aqui, te mandei umas mensagens aí, que eu recebi do Bruno lá da Prefeitura. [...] Já teve lá com o próprio Crivella, com o Secretário, pegou protocolo, tá com tudo", disse Fábio.

Bruno é casado com Letícia Cancella, servidora do município também denunciada como tendo participação na quadrilha.

OUTRO LADO

A assessoria de imprensa da Prefeitura do Rio de Janeiro não comentou as falas interceptadas com autorização judicial em que Crivella é citado.

Em nota, o município afirma que "a atual gestão vem combatendo a prática de construção irregulares de imóveis na região da Muzema".

"Há anos, a gestão municipal vem lutando na Justiça para demolir prédios ilegalmente construídos e que representam risco à segurança de pessoas na área. Nas últimas semanas, cinco imóveis já foram demolidos. E outros seis irão ao chão, tão logo a Justiça autorize. A gestão municipal reafirma seu compromisso em colaborar com as forças de segurança no combate da atuação ilegal de grupos criminosos na atividade de construção na região", diz a nota.

A Secretaria Municipal de Fazenda, ao qual Letícia Cancella é vinculada, afirmou em nota que "desaprova qualquer desvio de conduta e está à disposição do Ministério Público para colaborar com a apuração dos fatos".

O filho do prefeito, Marcelo Hodge Crivella, afirmou que não conhece Manoel Batista.

A reportagem não conseguiu contato com os advogados de Batista, Cancella, Borges e Castro.