A vida de Walther Moreira Salles vai ser passada a limpo a partir das 19 horas desta segunda-feira, 17, no restaurante La Fiorentina, no Leme, quando o jornalista e escritor Luis Nassif lança o livro “Walther Moreira Salles: O Banqueiro-Embaixador e a Construção do Brasil” (Companhia Editora Nacional, 2019). Jornalista competente, conhecedor profundo da economia brasileira, Nassif traz ao leitor histórias deliciosas e inéditas.
Advogado, que virou banqueiro, ao herdar e dar musculatura à Casa Bancária Moreira Salles, fundada pelo pai, João Moreira Salles, em 1924, em Poços de Caldas (MG), transformado no Unibanco, que se fundiu com o Itaú, em 2008, Walther Moreira Salles ficou conhecido como diplomata (embaixador do Brasil no 2º governo Getulio Vargas) e ex-ministro da Fazenda num dos três gabinetes parlamentaristas de Tancredo Neves.
Antes de assumir a embaixada do Brasil em Washington, quando os Estados Unidos quiseram dar novo impulso ao acordo militar com o Brasil no pós-guerra, Moreira Salles que fora diretor da Carteira de Crédito Geral do Banco do Brasil, no governo Dutra, foi convidado para dirigir a Sumoc (Superindeência da Moeda e do Créditro) no 2º governo Vargas (1951-54). Antes da criação do BNDE (1952) e do Banco Central do Brasil, que viria a acontecer em 31 de dezembro de 1964, o BB era o principal agente financeiro do país. o BB emitia moeda e era o caixa dos bancos (que ficavam à mercê de seus diretores) e também responsável pelo financiamento à agricultura e aos grandes negócios.
Para ganhar apoio político da imprensa no 2º governo, Vargas orienta Moreira Salles a financiar a expansão de alguns jornais que iriam apoiá-lo, como o “Diário da Noite” e a “Última Hora”, de Samuel Wainer. Enciumados, Carlos Lacerda, dono da “Tribuna da Imprensa”, e Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados (a Rede Globo de então), que começava a perder a hegemonia nos créditos e verbas oficiais, abrem fogo e passam a torpedear Getulio e Wainer. Em seguida, Vargas nomeia Moreira Salles embaixador em Washington.
Negociador das dívidas brasileiras
O cargo foi o caminho aberto para Moreira Salles, um homem fino e educado, exercer com maestria as funções de hábil negociador e conhecer os mais influentes banqueiros e empresários dos EUA e Europa. Foi a partir daí que ele travou contatos com o banqueiro David Rockfeller, com quem, na companhia da Deltec e da Light & Power, fundaria, em 1966, o que viria a ser o 1º banco de investimento do país, o Banco de Investimento do Brasil (depois absorvido pelo Unibanco), o verdadeiro berço do mercado de capitais brasileiro.
Graças a seus contatos com o mundo das finanças e o Fundo Monetário Internacional (FMI), Walther foi escolhido como negociador pleniponteciário da dívida externa brasileira nos governos Getúlio Vargas, JK, Jânio Quadros e Jango. Tancredo Neves o escolheu para ser ministro da Fazenda (1961-62) num dos três gabinetes do Parlamentarismo (1961-63). Aposentado, o embaixador já tinha sido convidado pelo presidente eleito Tancredo Neves, para voltar à função em 1985: ele atuaria nos EUA e Roberto Campos na Europa, mas a doença de Tancredo e a posse de José Sarney mudaram os planos.
A figura do negociador pleniponteciário para a dívida externa voltou no governo Collor, com o embaixador Jório Dauster, e teve continuidade no governo Itamar Franco, quando Marcílio Marques Moreira, que deixara o cargo de embaixador em Washington [suas relações com WMS começaram na mesma embaixada nos anos 50 e prosseguiram no Unibanco, onde era um dos vice-presidentes] para assumir o ministério da Economia, no lugar de Zélia Cardoso de Mello, convidou Pedro Malan para a função.
O mineiro mais famoso, antes de Pelé
Walther Moreira Salles, que morreu em 2001, em Petrópolis, aos 88 anos, foi o primeiro brasileiro, antes da geração de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira entrar na lista global dos bilionários da Forbes, a ser recebido com reverência pelos mais importantes banqueiros e empresários mundiais. Mineiro mais famoso que ele, só Pelé.
Por isso e por sua visão de futuro (investiu no nióbio, através da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, antes do metal ficar tão valioso pelo uso múltiplo nas ligas para aviação, automóveis, foguetes e usos mais sofisticados), foi cortejado no Brasil e no exterior. Todos queriam estar com Walter Moreira Salles ou fazer associações com ele.
O fiasco do casamento com o Bradesco
Mas nem tudo deu certo. Um dos grandes fiascos foi o “casamento entre o maior banco brasileiro da época, o Bradesco, com o maior banco de investimento do país, o BIB-Unibanco, para criar, em 1972, o maior conglomerado financeiro do país e ampliar o horizonte dos financiamentos bancários, limitados a desconto de promissórias e duplicatas e capital de giro de 360 dias, em média.
A operação foi patrocinada pelo então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Neto, que posou ao lado de Amador Aguiar e Walter Moreira Salles, no seu gabinete, no ministério da Fazenda, no Rio de Janeiro. A foto saiu em todos os jornais e revistas da época, com destaque para o “Jornal do Brasil”.
Mas o negócio não saiu pela sagacidade de WMS. A operação ia ser assinada nos dias seguintes à foto histórica na casa de Walther, no alto da Gávea, onde funciona o Instituto Moreira Salles. Walther estava cercado de uma equipe de tarimbados advogados empresariais, como Dario de Almeida Magalhães (pai de Raphael e advogado da Light) e José Luiz Bulhões Pedreira, também da Light e que foi um dos principais autores da Lei da Sociedades Anônimas (1976). Amador Aguiar chegou num taxi fusca, acompanhado de alguns diretores, já querendo assinar.
Precavido e alertado para o risco de ser engolido pelo Bradesco na fusão (corria no mercado a velha piada do porco e da galinha para gerirem fiftyfifty o maior negócio do mundo, o breakfast), o dono do Unibanco percebeu que seria o porco na fusão. Então, procurou ganhar tempo com mesuras e sutilmente expondo a imensa diferença de cultura entre as duas organizações.
Enquanto Walter fazia apresentações minuciosas dos advogados e dirigentes do Unibanco, com títulos de economista, PhD ou embaixador, Amador Aguiar, que começou a trabalhar aos 14 anos numa gráfica em Marília (SP) onde o Bradesco nasceu como Bando Brasileiro de Descontos, apresentava sucintamente seus diretores: “Esse é o Francisco, esse é o Lázaro, esse era o Zé”. Moreira Salles alegou uma divergência qualquer apontada pelos advogados e o negócio jamais foi fechado.
Frustrado, Delfim Neto patrocinou o casamento a três do Bradesco com a Atlântica-Boavista, de um lado, e a Sul América Seguros, de outro. O casamento ruiu em 1983, após queixas da Brahma contra a falta de ação da Sul América para impedir a tentativa do trio do banco Garantia para comprar o controle [o que se consumou em 1984].
Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, saboreou por pouco tempo o prazer de um casamento pleno com o Bradesco, que chegou a comandar de 1984 a 1986. Após duras divergências com Amador Aguiar, Braguinha vendeu as ações e foi viver em Portugal. As relações entre Braguinha e o Bradesco ficaram estremecidas durante muito tempo.
Na campanha para a eleição do Cristo Redentor entre as 7 Maravilhas do Mundo Moderno, em 1977, a Bradesco Seguros, então presidida por Luiz Carlos Trabuco Cappi [que em 2009 virou presidente do banco e substituiu Lázaro de Mello Brandão na presidência do Conselho de Administração, em fevereiro de 2018] convidou Almeida Braga para uma cerimônia em Lisboa, de apoio ao Cristo Redentor junto à réplica do monumento carioca.
Novo não à beira do altar
Bradesco e Unibanco estiveram prestes a subir ao altar novamente em 2008, quando a crise financeira mundial de setembro de 2008 cortou linhas de crédito internacionais do Unibanco e deixou a instituição sem liquidez. O contrato só não foi assinado porque o Bradesco não queria compartilhar o comando com os executivos do banco da família Moreira Salles.
Todo o desenho foi apresentado ao Itaú no fim da tarde de uma sexta-feira e a negociação anunciada no domingo, para profunda frustração do Bradesco que perdeu o posto de maior banco privado brasileiro que mantivera desde 1963.