O Ministério Público Militar deu parecer favorável ao habeas corpus em favor dos nove militares presos em razão da morte de duas pessoas numa ação em Guadalupe, zona oeste do Rio de Janeiro.
O parecer, apresentado no dia 23 no processo que corre no STM (Superior Tribunal Militar), foi divulgado pelo jornal O Globo e confirmado pela reportagem.
Nove militares foram presos por atirarem contra o carro de uma família em Guadalupe, zona oeste do Rio de Janeiro. Na ação morreram o músico Evaldo Rosa dos Santos e o catador Luciano Macedo.
Para o subprocurador-geral do MPM, Carlos Frederico de Oliveira Pereira, os militares não desrespeitaram as regras de engajamento, motivo pelo qual estavam presos.
"Sem dúvida, as regras de engajamento, quando desrespeitadas, podem fundamentar o decreto de prisão preventiva, mas no caso presente esse desrespeito aconteceu durante a continuidade de uma diligência em que não havia uma ameaça direta à OM [organização militar], mas um civil pedia socorro em face de ter sido vítima de crime e não havia policiais que pudessem socorrê-lo no momento, pelo que se depreende da leitura do APF. É situação muito diferente de descumprimento de regras de engajamento em vista de uma prática deliberada de crime. Em outras palavas, o homicídio aconteceu quando tentavam salvar um civil da prática de um crime de roubo", afirmou.
Logo após a ocorrência, os militares informaram aos superiores que haviam presenciado um assalto, sido alvo de tiros e dispararam para responder "à injusta agressão". Após a divulgação da informação de que os ocupantes do carro eram membros de uma família a caminho de um chá de bebê, o Comando Militar do Leste anunciou a prisão em flagrante dos envolvidos.
"Em virtude de inconsistências identificadas entre os fatos inicialmente reportados e outras informações que chegaram posteriormente ao Comando Militar do Leste, foi determinado o afastamento imediato dos militares envolvidos. [...] Após a conclusão das oitivas, foi determinada a lavratura da prisão em flagrante de 10 dos 12 militares ouvidos, em virtude de descumprimento de regras de engajamento", dizia a nota do CML, divulgada no dia seguinte ao caso.
A Justiça Militar converteu a prisão em preventiva contra nove deles dias depois –um foi posto em liberdade. O motivo não foi a morte de Evaldo e Luciano, mas a suposta quebra nas regras de engajamento.
"Pela razão apontada, não subsiste o risco à disciplina militar, como também observa-se suficiente instrução do feito para oferecimento da denúncia", escreve Pereira em seu parecer. O advogado Paulo Henrique Pinto de Mello, responsável pela defesa dos militares, afirmou que "o parecer faz a correta aplicação da Constituição Federal e do Código de Processo Penal Militar em relação ao grupo dos nove militares que se encontram presos sem base legal".
"Os militares não trazem risco a sociedade, são bases da democracia e devem gozar dos mesmos direitos dos cidadãos de bem. Responder em liberdade é uma garantia constitucional que foi bem observada no parecer. A defesa aguarda a decisão pela concessão liberdade provisória, que não significa absolvição, apenas o direito de responder em liberdade", afirmou Mello. O julgamento do habeas corpus ainda não tem data marcada no plenário do STM. Há duas semanas o relator do caso, o ministro Lúcio Mário de Barros Góes negou liminar para soltar os militares.
A investigação está há 23 dias sob responsabilidade do Exército, que não comenta as diligências em curso. A Força tem 45 dias, prorrogáveis por igual período, para apresentar o relatório do caso ao MPM. Os promotores são os responsáveis por denunciar ou não os suspeitos. Enterro do catador Luciano Macedo, no último dia 19 Guilherme Pinto/Agência O Globo Enterro do catador Luciano Macedo, no último dia 19 O Ministério Público Militar já ouviu seis testemunhas: os três ocupantes do carro maiores de idade, dois moradores da região, e o homem que teve o carro roubado minutos antes dos disparos contra o veículo de Evaldo.
A mulher de Evaldo, Luciana Nogueira, afirmou em depoimento ao MPM que não ouviu qualquer disparo antes dos tiros atingirem o veículo. Segundo ela, o carro trafegava a cerca de 20 km/h, em razão de um quebra-molas próximo ao local dos disparos do Exército.
A mesma versão dão os outros dois ocupantes do carro. O depoimento das outras três testemunhas não foi divulgado.
A apuração do caso está sob responsabilidade do Exército, em razão de uma lei sancionada pelo ex-presidente Michel Temer em 2017 que transferiu para a Justiça Militar a competência sobre crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civis.