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Alta gastronomia impulsiona produção de vieira e salmão na costa do Rio de Janeiro

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ANGRA DOS REIS, RJ (FOLHAPRESS) - A vieira é um molusco tratado como iguaria no mercado da alta gastronomia mundial. Sua concha em formato de leque ficou marcada no imaginário popular pela logomarca da petroleira Shell.

O produto passou a ser mais conhecido dos brasileiros na última década, com a proliferação de programas televisivos de culinária. Salteada na manteiga em frigideira quente ou gratinada no forno na própria concha, a vieira é famosa pela carne branca de gosto suave e textura um pouco mais tenra do que a do camarão ou da sua prima ostra.

No século passado, a maior parte das vieiras consumidas em restaurantes chiques do país vinha congelada do Chile, já que ela necessita de águas geladas e muito limpas para se desenvolver e alcançar o tamanho comercial.

Há 25 anos, pescadores da região da Baía da Ilha Grande, no litoral sul do estado do Rio, deram início ao cultivo da vieira brasileira em fazendas marinhas. No ano passado, a produção bateu recorde histórico.

Natural da região, o produto brasileiro seria alternativa ao chileno. Até então, contudo, a vieira só podia ser encontrada na natureza, em quantidade que não sustentava a demanda do mercado em crescimento, que ainda dependeu um tempo do molusco congelado do país vizinho.

O pescador e mergulhador Kazuo Hiroko Odaka, 50, é um dos pioneiros no cultivo do molusco na região. Ele decidiu criar uma fazenda marinha do produto como complemento à receita da pousada e operadora de mergulho Nautilus, na praia de Jaconema, a cerca de 40 minutos de traineira ou a 20 minutos de lancha rápida do centro de Angra dos Reis. O empreendimento é uma sociedade entre Kazuo e sua sogra.

A maricultura de outras espécies já era comum na região desde meados do século passado. Começou nos anos 1970 e 1980 como compensação ambiental a um projeto da estatal Transpetro e também como forma de os pescadores reduzirem perdas com declínio da população de sardinhas no litoral brasileiro e dos períodos de defeso de outras espécies.

A Baía da Ilha Grande já era habitada por imigrantes japoneses fugidos da segunda guerra mundial que encontraram no local um bom ponto para instalar fábricas de enlatar sardinhas.

Filho de imigrantes japoneses e casado com a neta de um ex-dono de fábrica de sardinha na baía, Kazuo decidiu pela cultura da vieira pelo alto valor agregado do produto. A dúzia com nove centímetros de concha e que leva dois anos para atingir esse tamanho é vendida a restaurantes e pousadas do Rio e São Paulo a R$ 60.

Kazuo oferece atualmente um passeio de barco com mergulho nas áreas de produção, seguido de degustação no restaurante da pousada, comandado pela sua mulher. O prato com uma dúzia de vieiras assadas na manteiga de alho e ervas acompanhada de pão do tipo focaccia feito na casa sai a R$ 130 e serve bem de duas a três pessoas.

A produção local da vieira só foi possível com o apoio do laboratório do IED-BIG (Instituto de Ecodesenvolvimento da Baía da Ilha Grande). Financiado com dinheiro público do município e do estado do Rio, o laboratório produz desde 1994 as larvas da vieira e distribui gratuitamente aos maricultores.

No cultivo artificial, as larvas do molusco se desenvolvem em gaiolas instaladas a até 12 metros de profundidade no oceano. A natureza se encarrega do resto, já que os animais são hermafroditas e se alimentam de microalgas, por meio da filtragem da água do mar.

Hoje, a região é o maior polo de cultivo do produto no Brasil, com pelo menos 20 fazendas marinhas e 14 produtores independentes. As vieiras são produzidas em outras cidades litorâneas do Rio, como Cabo Frio, e também em São Paulo, nas cidades de São Sebastião e São Vicente.

A cidade bateu em 2017 o recorde de produção de vieiras do Brasil, com 70 toneladas produzidas. A estimativa para o ano que passou foi de aumento de pelo menos 10% na produção. Mesmo assim, maricultores e autoridades locais vêem crescer a demanda pelo produto, cada vez mais consumido no Brasil.

"Calculamos que seria necessário quadruplicar a produção para atender aos pedidos de São Paulo e outros estados", afirma o secretário de pesca de Angra dos Reis, Wagner Junqueira.

A despeito do recorde acumulado no último ano, Kazuo teve queda no volume produzido em razão da mortandade de parte de sua produção. Ele, que já chegou a produzir em um ano 25 mil dúzias de vieiras, viu esse volume cair a 5 mil dúzias em 2018.

A mortandade, disse ele, ocorreu em razão da piora da qualidade da água na região e das mudanças de temperatura do oceano. Mesmo assim, as instalações com capacidade para 50 hóspedes da pousada Nautilus vivem cheias desde que o local foi visitado pelo chef franco-brasileiro Olivier Anquier em 2011, que gravou um programa de televisão na região.

"Existe toda uma geração de novos chefes de cozinha que dão muito valor ao produto local e que levaram ao aumento da demanda pela vieira da Ilha Grande em todo o país", disse Kazuo.

O maricultor Osmar de Araújo Santos, 67, é também um dos pioneiros do cultivo de vieira na Ilha Grande. Junto da mulher e dos filhos, ele escoa parte da sua produção para restaurantes locais. Outra parte ele vende em um pequeno bar flutuante da família nas águas calmas da praia de Passaterra. A unidade do produto salteado na manteiga e servido na própria concha sai a R$ 9.

Também com vistas a diversificar suas fontes de renda e reduzir o impacto da pesca na natureza, Kazuo deu início à produção em cativeiro do Bijupirá, peixe que é considerado o "salmão brasileiro". O peixe de poucas espinhas e carne branca bastante gordurosa é encontrado na região da baía da Ilha Grande e também no litoral do Nordeste, onde foi batizado de "tubarão de escama", em razão da barbatana dorsal e do seu tamanho, que na natureza chega a dois metros de comprimento e peso de 80 quilos.

Em cativeiro, o peixe cresce menos, chegando a 40 quilos. Sua vantagem competitiva em relação a outras espécies é sua resistência a doenças e seu crescimento rápido. Enquanto o Bijupirá atinge de três a quatro quilos em um ano de vida, os seus concorrentes garoupa e robalo não passam de 350 a 420 gramas em um ano, respectivamente.

"A aceitação do mercado com o Bijupirá tem sido muito grande. Temos empregado muitos filhos de pescadores que já estavam com dificuldade em manter suas vidas com a pesca direto na natureza", disse Kazuo, que tem atualmente cerca de 800 peixes em cativeiro. Os peixes ficam separados em tanques no mar. Os animais são divididos por tamanho. Um tanque matriz reúne as maiores espécies para reprodução.

Atualmente, o maior gargalo da atividade é a produção das larvas do peixe. Um laboratório mantido pela prefeitura de Angra dos Reis em parceria com a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) desde o final de 2017 tem atendido à demanda dos maricultores. Por ora.

"Esse peixe tem uma vantagem enorme, já que é muito resistente a doenças e se reproduz com facilidade nessa região, que tem características como água limpa e clara, boas para a espécie", afirma a oceanógrafa Gabriela Teixeira, 24, funcionária do laboratório desde que era estudante universitária.

"Desde os anos de 1990 que a Baía da Ilha Grande vive o declínio da pesca, que tem sido compensada em parte com a maricultura", explicou.