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Cidadania sobre as ondas

Escola de Surf Saquarema usa o esporte para resgatar jovens de comunidades locais

Divulgação -
Nena Matos (ao centro, de barba) mantém vivo o objetivo de mostrar que é possível acreditar e enfrentar o descaso das autoridades
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Batizada de Maracanã do surfe por receber campeonatos históricos desde a década de 70, a praia de Itaúna, em Saquarema, é para muitos o melhor point do Brasil. Ondas com qualidade e força havaianas voltaram a atrair as etapas do mundial, que esse ano está marcada para o final de junho. A partir do dia 20 as feras mundiais do esporte vão deslizar nas ondas perfeitas para o deleite de uma moçadinha que sonha em botar a cabeça para fora e acima da linha da pobreza sobre uma prancha de surfe.

Mas entre o sonho e a realidade a trilha a ser perseguida não é nada fácil. Os dirigentes da capital do surfe , no entanto, são pouco gentis com o esporte e com os filhos da terra que o praticam. Fundada em 1991, a Escola de Surf Saquarema é um exemplo disso. A primeira da Região dos Lagos e a segunda do Brasil, a escola teima em continuar remando para não deixar que seus ideais morram na praia. Credenciados pela ISA (Internacional Surfing Association Australlian ), Nena Matos, com ajuda de Hilton Seixas (Tonzinho) e mais dois assistentes, mantém vivo o objetivo de mostrar aos mais de 80 alunos, a maioria crianças e jovens carentes, que não podem pagar pelas aulas, que é possível sim acreditar e enfrentar o descaso das au toridades para ações que tem como missão desenvolver o esporte descobrindo novos talentos. E, de quebra, mostrar que é possível cruzar o túnel da indigência através da educação e do amor à arte de ensinar.

Macaque in the trees
Nena Matos (de camisa branca) ao lado de Lucas Chumbo (de barba), campeão da etapa de Nazaré de ondas gigantes e vice-campeão mundial (Foto: Divulgação)

Foi assim que a escola revelou talentos como Taís Almeida (WQS), Raoni Monteiro (WCT) e Lucas Chumbo (BWT), campeão da etapa de Ondas Gigantes em Nazaré (Portugal). Eles e os campeões amadores Yan Guimarães, Luiz Felipe “Capucino” e Alessandra Vieira passaram pelos ensinamentos da Escola de Surf. Hoje, “Capucino” é um dos instrutores que atuam junto com Nena e Tom.

Nena aposta que a saída para uma vida melhor é tirar os jovens das ruas e colocá-los na água. O alvo da entidade, que montou uma “geloteca” - pequena biblioteca dentro de uma geladeira- em frente à sede da escola para incentivar a leitura, são os jovens de um bairro que cresce de forma desordenada em Saquarema: o Guarani. O local é hoje uma comunidade violenta com disputa de facções pelo tráfico de drogas. “Essas crianças e jovens são alvo fácil e a única arma que temos é a educação e o surfe. Eles sonham em chegar onde chegaram campeões mundiais e referência atual no esporte como o Lucas, o Mineirinho e o Medina”. Para incrementar a atuação no Guarani, Nena comprou uma Kombi 2002 na intenção de reformá-la e pôr em prática o “Surf itinerante”. Mas falta dinheiro. A entidade é filantrópica e sem fins lucrativos, paga aluguel e a esperança de concluir a reforma é uma vaquinha virtual que está na rede à espera de contribuições.

“Muito do que fazemos hoje acontece graças a parcerias com empresários, alguns são locais, que chamamos de padrinhos. A Quick Silver nos doou 100 roupas de borracha para serem usadas pelos alunos”, ressalta Nena que comemora estar entre os cinco projetos escolhidos pelo Programa de Aceleração da Área Esportiva da Oi e do Oi Futuro, em parceria com o Instituto Ekloos.

A mesma escola que revelou referências no surfe brasileiro e internacional, não para de apostar em seus alunos. O destaque do esporte na cidade tem apenas 10 anos, é Rickilson Falcão. “Nós revelamos esses meninos e ajudamos para eles sigam o caminho da profissionalização. Somos o início”, afirma Nena. “Não basta Saquarema ser o melhor point do país se as autoridades não investem e nem ajudam no desenvolvimento do esporte que tem revelado inúmeros talentos da terra”, insiste Nena, o idealizador da escola.

Com a volta da etapa do mundial para Saquarema, a Prefeitura tem tratado o surfe com um pouco mais carinho, uma vez que as pressões do WSL são tão fortes quanto as ondas de Itaúna. No entanto, não é o suficiente para fazer crescer um projeto que, além de revelar novos talentos para o esporte, mostra que a maior onda é a do bem. E nesse swell é possível desenvolver manobras dignas de um campeão, driblando o descaso e a falta de oportunidades para seguir em direção a um futuro através da educação e da inserção social.

Macaque in the trees
Kombi para o projeto do 'Surf itinerante' (Foto: Divulgação)

Divulgação - Kombi para o projeto do 'Surf itinerante'
Divulgação - Nena Matos (de camisa branca) ao lado de Lucas Chumbo (de barba), campeão da etapa de Nazaré de ondas gigantes e vice-campeão mundial