Diz a lenda que quem construiu o Hotel Novo Mundo, assim como o edifício homônimo - ambos ícones do estilo art déco da cidade -, no Centro, que acaba de passar por um caprichado retrofit, foi o espanhol ressegurador de bicheiros, Victor Fernandes Alonso. Para todos os efeitos, porém, o prédio foi erguido na década de 1940, a pedido do então presidente da República, Eurico Gaspar Dutra (1883-1974), que percebeu a necessidade de um endereço alternativo aos famosos Copacabana Palace e Glória (este também em franco processo de decadência depois de ser adquirido pelo empresário Eike Batista) para receber os hóspedes VIPs da Copa do Mundo de 1950. Necessidade essa que deixou de existir, com a falência da cidade que tinha tudo, ou quase, para ser um movimentado e atraente centro turístico. A casa, que funcionou por 69 anos, com 120 funcionários, fecha no fim do mês e já não recebe reservas para hóspedes. Embora a causa do fechamento seja a incapacidade dos responsáveis de quitar as dívidas, o JORNAL DO BRASIL procurou a diretoria do hotel, porém não teve retorno.
A fama do hotel foi turbinada pelos hóspedes ilustres, capitaneada pela elite política do país, nos tempos em que o Rio ainda era a capital federal. Seu endereço, na Praia do Flamengo, em frente à sede do governo federal, o Palácio do Catete, contribuiu para sua importância. Desde a sua inauguração foi frequentado por praticamente todos os presidentes brasileiros, como Getúlio Vargas, que fazia do hotel sua segunda casa, e Juscelino Kubitschek, responsável pela transferência da capital federal para Brasília, em 1960. Constam de seu livro de ouro o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, primeiros-ministros, e o ex-presidente de Portugal, Mário Soares (1924-2017), além de celebridades internacionais, a exemplo de Ricky Martin e Gisele Bundchen.
O glamour - que tem entre suas marcas dois leões de ferro que guardam a entrada principal, esculturas do século XIX assinadas pelo artista francês Henri Alfred Jacquemart - atraiu encontros monárquicos com a presença da família real e imperial brasileira Orleans e Bragança, bem como o o Duque de Bragança, Dom Duarte Pio de Bragança, herdeiro do trono de Portugal, que virou habitué. O rei Pelé estava hospedado no hotel quando completou seu milésimo gol, o que lhe rendeu uma placa comemorativa na recepção. Tornou-se também uma espécie de hóspede honorário. Vários times de futebol e seleções se hospedaram no Novo Mundo, assim como elencos inteiros de novelas de sucesso da extinta TV Manchete (cujo prédio era localizado um quarteirão à frente do hotel), cujos funcionários faziam da casa uma espécie de anexo.
Numa época em que morar em grandes hotéis era símbolo de status, prática comum na elite, entre seus residentes constaram a apresentadora Angélica, Cauby Peixoto, Clodovil, Agnaldo Timóteo, Sergio Reis e Ângela Rô Rô, enquanto a atriz Henriette Morineau, várias modelos do Fashion Rio e os governadores Carlos Lacerda, Leonel Brizola e Adhemar de Barros tornaram-se hóspedes assíduos. O sofisticado bar, que foi uma badalada boate, recebeu grandes nomes do jazz em festivais organizados por José Domingos Raffaelli. Jorginho Guinle, cuja família construiu o Copacabana Palace, era outro que marcava seu ponto naquele endereço. Osmar Milito, um dos nomes consagrados pela Bossa Nova, hoje com 77 anos, já comandou o bar, que lotava em suas apresentações semanais.
Nos anos 1980 o hotel ainda viveu um sopro de prosperidade, quando a administração comprou o prédio vizinho, criou um anexo e garagem para ampliar as instalações do empreendimento. De 2010 a 2011, o prédio passou por uma nova reforma, promovida pela DG Arquitetura. São 231 apartamentos e suítes distribuídas em andares Executivos ou Econômicos. Na cobertura, com estonteante vista para o Aterro do Flamengo, Baía de Guanabara, Pão de Açúcar e para os jardins do Palácio do Catete, ficam as suítes Junior, Executiva e Presidencial, que se distinguem pela decoração exclusiva, com cadeiras de design de Maurício Klabin e grandes banheiras de mármore. São 11 salões de convenção decorados pela arquiteta Janete Costa, com sala de ginástica, massagem, pilates, cabeleireiro, boutique, garagem com manobrista, serviços de lavanderia, reserva para passeios turísticos, câmbio, internet wi fi e banda larga em todas as acomodações, serviço de quarto 24 horas, business center, dois bares, um bistrô panorâmico na cobertura e o restaurante Flamboyant, com cozinha internacional. Suas cozinhas foram pineiras na instalação de ar- condicionado, o que contribuiu para ampliar a higiene dos ambientes.
Nada disso, porém, foi capaz de assegurar a viabilidade do hotel, que fecha as portas - deixando a região mais insegura -, como mais um indicativo cabal da crise econômica que assola a cidade.