Detido em novembro de 2016, condenado a 198 anos e 6 meses de prisão, o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho (MDB), admitiu ontem , pela primeira vez oficialmente, ter recebido propina em sua carreira política, em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal no Rio de Janeiro. "Esse foi meu erro de postura, apego a poder, dinheiro... é um vício", confessou.
Em seguida, Bretas perguntou sobre a Operação Fatura Exposta, que investigou o pagamento de propinas na área da saúde, incluindo o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), na época dirigido pelo médico Sergio Côrtes, que foi secretário estadual de Saúde de 2007 a 2013, no governo de Cabral.

Sérgio Côrtes
"Sérgio Côrtes [eu] conheci em 2004, no Senado. Em 2006, Côrtes era coordenador do Into. Antes de assumir, eu fiz a primeira ação grave para um chefe de Estado. Apresentei o Arthur Soares (conhecido como Rei Arthur, empresário e prestador de serviços para o Estado) e combinamos uma propina de 3% para mim e 2% para você. Nos governos anteriores Arthur disse que a propina era de 20%. O Côrtes se sentiu muito à vontade para me introduzir (apresentar) ao Miguel Iskin (empresário da área de equipamentos médicos, também condenado por corrupção)."
O advogado Gustavo Teixeira, que defende o ex-secretário Sérgio Côrtes, e seu cliente assistiram ao depoimento de Cabral. Ele disse que o depoimento do ex-governador nada acrescentou ao que Côrtes já havia admitido em juízo. Segundo o advogado, Côrtes já havia confessado o recebimento de propina e a devolução de R$ 15 milhões à Justiça.
Grupo político
Bretas pediu a Cabral que detalhasse como funcionava o grupo político em sua administração, e o ex- governador respondeu: "Tinha o Regis Fichtner, que cuidava da parte técnica. Ele é um homem rico hoje. O Carlos Miranda tinha uma promessa de eu dar US$ 7 milhões. O Fichtner era responsável pelo arcabouço jurídico. Recebia propinas, assim como o Côrtes."
Cabral declarou ainda que também são verdadeiras "99%" das declarações feitas à Justiça por Carlos Miranda, apontado como seu "homem da mala". Miranda revelou que fez várias operações de recebimento e distribuição de propina, em dinheiro vivo, por ordem do então governador.
Os isentos de cobrar propina, de acordo com o ex-governador, são: Renato Villela e Joaquim Levy, ex-secretários de Fazenda e Nelson Maculan e Wilson Risolia, ex-secretários de Educação.
Pezão
Cabral citou ainda o então vice-governador e secretário de Obras, Luiz Fernando Pezão - preso em 29 de novembro de 2018 -, entre os que recebiam propinas."Para o Pezão, eram cerca de R$ 150 mil por mês", disse. "Ele trouxe com ele o Hudson Braga, que era 'braço direito' dele. E sim, também existia a taxa de oxigênio", acrescentou.
Segundo o ex-governador, a campanha de Pezão ao governo do estado custou R$ 400 milhões. Ao ser lembrado por Bretas de que, anteriormente, tinha negado esses fatos, Cabral declarou que havia faltado com a verdade: "Eu peço desculpas, porque eu menti."
De acordo com Cabral, quase todos os empresários que fazem doações eleitorais esperam receber algo em troca no futuro. "Raríssimos os empresários que deram dinheiro em campanhas eleitorais que não esperavam resultados. Todos esperam um retorno. É uma espécie de toma lá dá cá. Você me ajudou, e eu vou ajudá-lo", explicou.
Eduardo Paes
Conforme Cabral, houve um esquema de propina na primeira fase das obras no Maracanã, para os Jogos Pan-Americanos, quando o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) era seu secretário de Esportes e Lazer. Cabral não disse se Paes recebeu propina, mas afirmou que arrecadou dinheiro para a campanha do ex-prefeito do Rio, por meio de caixa 2.
"Se não me falha a memória, Arthur Soares deu à campanha do Paes de R$ 3 a R$ 4 milhões, e depois reclamou muito porque os serviços não foram dados a ele. Ele colaborou com a campanha e esperava receber contratos. Depois acabou ganhando (a obra) do Centro de Operações do Rio", disse.
Por nota, Paes afirmou que "todos os valores recebidos durante a campanha de 2008 foram devidamente declarados e aprovados pela justiça federal".
Caixa 2
Questionado por Bretas por que ele sempre havia dito que o dinheiro de propina era caixa 2, Cabral respondeu que era difícil admitir, dizer que havia roubado. "Dói muito. Hoje não me dói mais. A alguém que tem uma carreira política reconhecida pela população, dói muito (chegar aqui e dizer que roubou)."
A mudança de postura de Cabral reflete a troca dos responsáveis por sua defesa, que era feita pelo advogado Rodrigo Roca, substituído recentemente por Marcio Delambert, com objetivo de diminuir o total das penas impostas a ele.
Cabral afirmou ainda que o dinheiro de propina que os doleiros Renato e Marcelo Chebar disseram ter lavado era realmente seu. "Participei da propina, sim. O dinheiro dos irmãos Chebar era meu dinheiro, sim", admitiu.
Mudança de ideia
Perguntado por Bretas por que havia mudado de ideia, Cabral respondeu que a decisão foi fruto de reflexões feitas durante todo o tempo em que está preso. "Dois anos e três anos preso, conversando comigo e [com] minha consciência, tudo o que minha família tem passado. Em nome da minha família e da história, resolvi falar a verdade."
Adriana Ancelmo
O ex-governador, porém, isentou de responsabilidade sua mulher, Adriana Ancelmo, por negociações criminosas feitas por meio do escritório de advocacia dela. "Eu contaminei esse escritório quando pedi o repasse de caixa 2 para o dono da Rica. Ela não sabia de nada", afirmou. "Eu contaminei o escritório dela. Enganei minha esposa. E a prejudiquei", lamentou. "No meu governo, havia promiscuidade entre dinheiro da propina e de campanha", acrescentou.