Novas denúncias de tortura na Penha
Três presos reforçam acusações de violência cometida por militares do Exército já denunciada em 2018

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Três homens presos em agosto de 2018 no Rio de Janeiro foram unânimes em afirmar que sofreram tortura por militares do Exército logo após serem presos, para que prestassem informações sobre criminosos da região da Penha, onde foram detidos. Outros quatro presos já haviam feito a mesma denúncia no ano passado. A tortura teria ocorrido em um quartel na Vila Militar, na Zona Oeste do Rio.
À época, o Estado do Rio estava sob intervenção federal na segurança pública. As três denúncias mais recentes foram feitas durante audiência realizada na Justiça do Rio de Janeiro na semana passada.
“Eles (os militares) me colocaram numa cadeira, virado para a parede, e começaram a fazer perguntas. Achavam que, só porque moro lá (na Penha), sou obrigado a saber de tudo. Como não sabia, me batiam com uma ripa nas costas e na cabeça. Me fizeram comer papel. Perguntaram que gosto tem. Eu disse ‘nenhum’”, lembra.
“Depois”, prossegue, “botaram spray de pimenta no papel e mandavam que eu comesse. Em seguida, falavam: ‘Agora tem gosto, né? Responde o que a gente quer’”, afirmou Jefferson Luiz Rangel Marconi, de 26 anos, um dos presos que acusam os militares de terem praticado tortura.
Maconha e cocaína
Acusações semelhantes foram feitas por Marcos Vinícius do Nascimento, de 21, e Ricardo da Conceição Glória, de 33, presos no mesmo dia em que Marconi foi detido. Eles não se conheciam e estavam em pontos diferentes do Complexo da Penha, na Zona Norte da cidade, quando foram presos em flagrante, acusados de portarem três quilos de maconha e dois quilos de cocaína, além de carregadores e munição para fuzis e pistolas.
O trio nega que estivesse portando esse tipo de produtos.
Só Marconi mora na região. Glória é lutador de MMA, mora em Marechal Hermes, na Zona Oeste, e estava na Penha porque pretendia ir a um baile funk. Nascimento é mototaxista, mora em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e só foi à Penha naquele dia para levar um passageiro.
Sala Vermelha
Os três teriam sido encaminhados para a mesma “sala vermelha”, já citada por quatro outras supostas vítimas de tortura, e que estaria localizada na Primeira Divisão de Exército, na Vila Militar.
O coronel Deocleciano José de Santana Netto, responsável por aquela operação no Complexo da Penha, não negou à Justiça a possibilidade de ter havido tortura dentro do quartel:
“Ouvi, na imprensa relatos sobre a sala vermelha. Não posso dizer que não aconteceu. Mas não conheço essa sala vermelha. Tortura não é uma prática que a gente oriente que o subordinado faça. Não temos por conduta institucional qualquer orientação para que o subordinado pratique tortura”, afirmou o coronel.
Após ouvir os depoimentos, a juíza Simone de Faria Ferraz, da 23ª Vara Criminal, determinou que os réus sejam encaminhados a exame de corpo de delito e que seja oficiado ao Comando-Geral do Exército, para que “informe nome completo e outros dados pessoais de cada militar componente das patrulhas que realizaram operações na data apontada na denúncia “
A juíza solicitou ainda que seja encaminhada ao juízo a ficha disciplinar de todos os militares envolvidos nas operações noticiadas na data da denúncia, em especial dos militares arrolados como testemunhas”.
Na semana passada, o Comando Militar do Leste informou que ainda não havia recebido o requerimento expedido pela juíza. Também afirmou que, após a primeira denúncia (feita por quatro supostas vítimas de tortura), um inquérito policial militar foi instaurado, concluído e submetido ao Ministério Público Militar, “a quem cabe agora apreciar e adotar as providências julgadas cabíveis”.
Memória
Em outubro do ano passado, o jornal “Extra” teve acesso aos depoimentos e divulgou o caso, segundo o qual oito presos pelo Exército na operação realizada no Complexo da Penha haviam sido submetidos a maus-tratos e tortura num quartel do Exército, de acordo com denúncias que chegaram à Justiça e à Defensoria Pública. As lesões nos detidos foram atestadas por dois laudos médicos. As Forças Armadas alegaram oficialmente, na época, que não teria havido irregularidades.
Na ocasião, foi relatado que no dia 20 de agosto, sete homens e um adolescente de 16 anos haviam sido presos com armas e drogas por militares e levados para a Primeira Divisão de Exército, na Vila Militar, em Deodoro, na Zona Oeste da cidade. Sete deles contaram terem sido encaminhados à sala vermelha, onde foram espancados com pedaços de madeira e chicoteados com fios elétricos por homens encapuzados.
“Todos eles narram agressões e torturas, que vão desde o momento da prisão e durante o transporte até a Vila Militar. Eles relatam choques elétricos, e antes de fechar a caçamba foram atingidos por spray de pimenta”, disse, à época, o subcoordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), Ricardo André de Souza.
Sufocado pelo morto
O adolescente e outro preso, ambos baleados por tiros de fuzil na ação militar, foram levados feridos ao quartel em um camburão, ao lado do cadáver de um homem que tinha sido baleado e morto na mesma ocasião, relatou Souza. Um dos feridos disse que não conseguia respirar direito, sentindo-se sufocado pelo peso do corpo do homem morto que fora jogado sobre ele.
Durante a sessão de tortura, os militares mostravam fotos e exigiram informações sobre nomes de supostos traficantes do Complexo da Penha. Um dos detidos contou ter sido ameaçado de sufocamento com um saco plástico e de ser empalado por um cabo de vassoura coberto com preservativo.(Com Estadão Conteúdo)