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Corredor afro na Lapa pede socorro

Tradicional reduto do movimento negro, Instituto Palmares de Direitos Humanos sofre ação de despejo

José Peres -
"Alegam que fomos notificados. Mas não consta assinatura de ninguém (...) Pena ter nossas atividades suspensas. A população negra perde", diz Thainá Trindade, integrante da ONG
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Conhecido reduto voltado para educação e cultura afro, o casarão onde funcionava o Instituto Palmares de Direitos Humanos (IPDH), na Lapa, foi alvo de uma ação de despejo, ontem. Como consequência, todas as atividades desenvolvidas ali — como aulas de capoeira, dança afro, percussão, línguas e pré-vestibular — ficarão paralisadas até que a entidade encontre um novo endereço.

Dirigentes da ONG contam que foram surpreendidos às 10h, com a informação de que um agente tinha a ordem de despejá-los. Todos os pertences usados na organização foram colocados na Rua Mem de Sá. Para evitar a destruição do material na rua, o grupo conseguiu abrigo num casarão vizinho.

Macaque in the trees
Fachada do Instituto Palmares de Direitos Humanos com os portões cerrados e avisos do "Auto de Interdição Administrativa" afixados no local (Foto: José Peres)

O Departamento de Gestão do Patrimônio Imóvel (DGPI), órgão da Secretaria estadual de Fazenda, foi o responsável pelo “auto de interdição administrativa nº 002/ 2019, segundo consta do documento, que teve diversas cópias coladas no portão do sobrado. O departamento gerencia todos os imóveis que pertencem ao governo estadual. Assinado pela chefe do DGPI, Raquel de Souza Lima, o documento não traz, no entanto, informações mais detalhadas sobre o processo que culminou no despejo.

Dirigentes da ONG alegam, entretanto, que cumpriram um acordo estabelecido judicialmente com o governo do estado, depois que a ação foi ajuizada na Justiça, há cerca de dois anos.

“Pagávamos cerca de R$ 500 como taxa de ocupação pelo comodato. Tudo que foi feito de reforma no prédio, foi custeado por nós. Toda a fiação, as lajes. A reforma já estava na fase do telhado. Era só o que faltava. Não somos invasores. Recebemos esse prédio do próprio governo estadual, para pôr em prática ações de cultura e educação do Instituto”, defende a fundadora e diretora administrativa do espaço Catarina de Paula. Para ela, é grande a perda para a comunidade negra do Rio de Janeiro, que frequentava o lugar. “A população negra está perdendo espaço. No Instituto, eram muitos serviços oferecidos. Cursos de línguas, pré-vestibular comunitário, projetos de desenvolvimento econômico e culturais. A nossa existência já é uma resistência. Não desistiremos”, acrescentou.

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Avisos do "Auto de Interdição Administrativa" afixado no local: despejo aconteceu na véspera de reunião de representantes do instituto com a Secretaria de Estado de Cultura, que deve ser realizada hoje com protesto convocado pelas redes sociais (Foto: José Peres)

Uma das integrantes da ONG, classifica a situação como desrespeitosa. “Alegam que fomos notificados. Mas não consta a assinatura de ninguém. Que curioso, né? Queriam levar nossas coisas para um depósito, mas conseguimos deixar no casarão ao lado. Uma pena que todas as nossas atividades fiquem suspensas por falta de espaço. A população negra perdeu muito. É mais que uma ONG. É um lugar de troca de informações, experiências e projetos. Faltou respeito”, reclamou a jovem Thayná Trindade, de 33 anos. Integrantes de outros projetos culturais que funcionam em outros casarões do corredor também estão amedrontados com a possibilidade de despejo. “Não foi um fato isolado. Trata-se de um movimento maior de expulsão”, afirma Thayná.

Ela gravou um vídeo que viralizou nas redes sociais. Na imagem, Thayná comoveu internautas ao pedir, emocionada, ajuda para a preservação do trabalho desenvolvido pelo grupo. “Inúmeros empreendimentos e grupos sociais negros utilizam o espaço para ações e reuniões”, destacou uma outra internauta, identificada como Nina Silva.

Em seu primeiro mandato como deputada estadual, Renata Souza (PSOL) passou pelo lugar momentos depois do despejo e prometeu ajuda. “É um absurdo o despejo do IPDH - Instituto Palmares de Direitos Humanos. Um lugar que foi sucateado e negligenciado pelos governos anteriores, mas com recursos próprios se tornou uma referência para a construção de um Rio de Janeiro menos racista e mais humano”, declarou. “Esse governo que tenta acabar com o IPDH é o mesmo que não apresentou a sua política para valorização da cultura afro-brasileira. Vamos solicitar esclarecimentos aos órgãos envolvidos nesse ataque à comunidade negra”.

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"Alegam que fomos notificados. Mas não consta assinatura de ninguém (...) Pena ter nossas atividades suspensas. A população negra perde", diz Thainá Trindade, integrante da ONG (Foto: José Peres)

Reunião marcada para hoje

A ação de reintegração de posse surpreendeu os dirigentes da ONG, principalmente pelo fato de que havia uma reunião marcada para hoje, com a Secretaria de Estado de Cultura (SEC). O objetivo era uma vistoria técnica nos cinco casarões do Corredor Cultural da Lapa. As entidades mostrariam as melhorias feitas nos prédios. “Por uma ‘suposta coincidência’, o IPDH foi de todos os prédios do Corredor Cultural da Lapa, o nosso foi o único a ser fechado, sem nenhum aviso prévio, apenas com o prazo de uma hora para que esvaziássemos todo o local”, escreveu a participante da organização Claudia Barbot.

Em função do despejo do IPDH, a visita foi suspensa e duas reuniões com a Secretaria de Estado de Cultura foram agendadas. A Defensoria Pública do Rio presta assessoria à ONG. O IPDH fará hoje, às 14h, um protesto na porta do instituto (Avenida Mem de Sá 39).

Procurados por telefone, nenhum representante da Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) foi localizado para dar informações sobre o processo de despejo.

José Peres - Fachada do Instituto Palmares de Direitos Humanos com os portões cerrados e avisos do "Auto de Interdição Administrativa" afixados no local
José Peres - Avisos do "Auto de Interdição Administrativa" afixado no local: despejo aconteceu na véspera de reunião de representantes do instituto com a Secretaria de Estado de Cultura, que deve ser realizada hoje com protesto convocado pelas redes sociais