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Fracasso no combate às milícias

Para especialistas, Intervenção Federal contabiliza prisões em Santa Cruz como falso resultado

Reprodução -
A prisão de 142 participantes de um show de Pagode em Santa Cruz (deitados de costas na foto) foi contabilizada como uma operação de combate às milícias
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Um balanço do número de milicianos presos no ano passado, elaborado pela então Secretaria de Segurança Pública, indica o número de 451 integrantes de milícias capturados em 2018, contra 155 prisoes em 2017. Num primeiro momento, o número parece traduzir um incremento significativo no combate às milícias que atuam no estado, justamente no ano em que o Rio viveu uma intervenção em sua segurança pública. Mas não é exatamente essa a causa traduzida pelo aumento de 296 prisões. Isso porque o balanço de prisões de 2018 contabiliza os 142 presos durante um show de pagode em Santa Cruz, em abril do ano passado.

Na ocasião, uma operação voltada para desarticular a maior quadrilha do estado, levou as mais de 140 pessoas para a prisão, sob alegação de que eram convidados de uma festa promovida pelo chefe da quadrilha que domina parte da Zona Oeste, Wellington da Silva Braga, o Ecko. Já no dia seguinte, familiares dos presos denunciavam que a maioria era trabalhadora formal, expunha suas carteiras de trabalho assinadas e alegavam que a maior parte do grupo havia comprado ingresso para um show de grupos de pagode. Por falta de provas, a Justiça decidiu liberar a maioria dos detidos, após ação da Defensoria Pública. E a maior ação feita durante a intervenção para combater milicianos não passou de uma operação “desastrosa”, segundo avaliação de especialistas em segurança.

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A prisão de 142 participantes de um show de Pagode em Santa Cruz (deitados de costas na foto) foi contabilizada como uma operação de combate às milícias (Foto: Reprodução)

Para pesquisadores ouvidos pelo JORNAL DO BRASIL, a intervenção federal não combateu as quadrilhas de milicianos que atuam em todo o estado. A falta de enfrentamento eficaz de tal crime só contribuiu para seu crescimento.

“A corrupção policial foi vendida como um dos motivos da intervenção. Mas não houve combate contra esse tipo de crime. A operação no sítio em Santa Cruz foi uma tentativa de maquiar essa falta de enfrentamento às milícias. Queriam mostrar que algo estava sendo feito, mas foi uma ação desastrosa”. observa o professor Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV/Uerj), sobre a prisão de 137 inocentes.

“Houve uma clara tentativa de incrementar o numero de presos para dar a impressão de que alguma coisa estava sendo feita. Mas não estavam fazendo. A preferência de combate ao tráfico é histórica e durante a intervenção nada mudou”, acrescentou.

A cientista social Jacqueline Muniz, professora do Departamento de Segurança Publica da Universidade Federal Fluminense (UFF), opina no mesmo sentido.

“Os crimes que reduziram durante a intervenção foram os roubos, principalmente de carga. Houve queda no número de homicídios. Mas, por outro lado, cresceu o número de mortos decorrentes de intervenção policial. A intervenção foi uma grande cortina de fumaça politica. Essa síndrome do cabrito, de subir e descer morro, não atacou a milícia. Pelo contrário, essas pseudo guerras, substituindo o policiamento por operações ineficazes , só beneficiaram esses grupos criminosos”, critica Jacqueline, em referência às ações policiais realizadas no período de intervenção, de fevereiro a dezembro do ano passado, para coibir o narcotráfico.

Para ela, não há bom uso das ferramentas já disponíveis na segurança pública fluminense.

“Não há uma integração das bases de dados disponíveis. Marinha, Exército, polícias civil e militar subutilizam a principal base de dados qualitativa, que é o Disque Denúncia. São mais de dez milhões de registros desde 1995. A intervenção não teve impacto na economia do crime, só reduziu o roubo de cargas. O termômetro que comprova que o crime não teve baixas durante o período da intervenção foi que as drogas não ficaram mais caras, nem gatonet, nem botijão de gás”, diz ela, em referência à atuação de grupos criminosos.

O serviço do Disque Denúncia, citado por Jacqueline, indica que houve um crescimento de 76% no número de denúncias de 2018, em comparação a 2017.

A maior parte das queixas vem exatamente de bairros como Campo Grande e Santa Cruz, áreas de atuação da milícia chefiadas pelo ex-traficante Ecko.

Segundo levantamento feito a pedido do JB, o numero de denúncias feitas pela população saltou de 3611 em 2017 para 6357 em 2018. Dos dez bairros que figuram no topo da lista de denúncias, nove estão localizados na Zona Oeste da cidade.

As informações sobre o bairro de Santa Cruz figuram no topo da lista: 596, o equivalente a 13,42% do total. Em segundo está Cascadura, na Zona Norte, com 499 denúncias (11,34%). Em terceiro, Campo Grande com 476 informações. Os demais bairros da capital citados são Jacarepaguá, Bangu, Taquara, Sepetiba, Paciência, Praça Seca e Guaratiba.

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crime | milícia | rio