Imagine passear pelo Parque Nacional da Tijuca e, além de tucanos, se deparar com o extravagante colorido amarelo e azul turquesa, com pitadas de verde, e a estridência das araras-canindé (Ara araruauna), pousadas no cume das árvores ou voando pelo céu? Isso vai acontecer a partir do primeiro semestre de 2019, quando serão reintroduzidos 20 espécimes, que vivem atualmente no ZooRio – parceiro do projeto Refauna Tijuca que promove, desde 2010, a reintrodução de animais extintos naquela floresta, junto com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - e estão sumidas há 200 anos da área de conservação.
Prorrogado por mais cinco anos, o Refauna Tijuca – projeto para resgatar a fauna em um parque já reflorestado -, além das araras, introduzirá ali 60 jabutis amarelos (Chelonoidis denticulata), 20 cutias (Dasyprocta leporina) e 15 macacos bugio (Alouatta guariba). As estrelas do projeto são, sem dúvida, as araras, também conhecidas comoarara-de-barriga-amarela,arara-amarela,arara-azul-e-amarela e arari, com até 91 cm e 1 kg.
“O ineditismo é reconstituir todo o ecossistema a partir da reintrodução de espécies importantes para as interações ecológicas. Vários projetos são bem sucedidos em reintroduções com foco na conservação de espécies ameaçadas, mas o foco na reconstrução do ecossistema é pioneiro no país”, esclarece Ernesto Viveiros de Castro, chefe do Parque Nacional da Tijuca. Segundo ele, muitas espécies foram extintas no processo de destruição e recuperação da floresta. “Apesar de parecer uma floresta saudável, trata-se de uma ‘floresta vazia’, onde a falta de animais importantes para a dispersão de sementes pode condenar muitas espécies vegetais ao desaparecimento a médio e longo prazo”, ressaltaCastro.
As canindé estão entre as mais conhecidas representantes do gêneroAra. Além do Brasil, ocorrem na América Central, Bolívia e Paraguai. A atividade predatória do homem levou à sua extinção em locais como Trinidad e Tobago e Santa Catarina. Mesmo no cerrado, o bioma mais ameaçado da América do Sul, elas já escassearam, embora fossem abundantes no passado. Caçadores abatem árvores com os ninhos que virariam filhotes, o que acaba por prejudicar também diversas espécies.
Elas vivem emvariados habitats, da floresta tropical úmida, como o Parque Nacional da Tijuca, às savanas secas. Costumam ficar no topo das árvores e perto das águas. São gregárias e barulhentas, podem viver em comunidades numerosas, em pequenos grupos ou só em casais com suas crias. Passam longos períodos do dia em repouso, relacionando-se com companheiros, ou fazendo acrobacias no alto dos galhos. Voam em pares ou em grupos de três indivíduos, vinculados a um grupo maior.
Depois que formam um casal, mantêm uma relação monogâmica. Os ovos, de dois a cinco, são chocados pela fêmea em cerca de 25 dias. O macho alimenta a fêmea neste período e protege o ninho de invasores. Os filhotes nascem sem penas e indefesos, e são alimentados pelo casal com frutas e sementes regurgitadas. Permanecem no ninho por três meses, até alçarem seu próprio voo. Depois que aprendem a voar, porém, os filhotes se mantêm perto dos pais durante um ano e só atingem a maturidade sexual aos três ou quatro anos.
Valorizadas pelos índios
Apreciadas desde tempos remotos pelos povos indígenas pré-coloniais, as araras-canindé também eram celebradas pelos Tupi por sua beleza nas canções entoadas pela tribo. E conforme uma lenda, de origem desconhecida, a arara-canindé foi uma das criações da Arara Encantada, ser divino que ensinou às tribos as artes da música, da dança, da fala e todo o saber.Suas penas fazem parte de artefatos rituais indígenase elas costumam ser associadas aos mitos solares e à criação do fogo.
Quando os conquistadores chegaram aoNovo Mundo se impressionaram com a beleza da espécie, com plumagem comparada ao ouro, o que só fez aumentar sua perseguição, intensificada quando elas passaram a simbolizar o serrado brasileiro. No Brasil colônia, possuir uma arara ou um papagaio era sinal de riqueza. Muitos exemplares foram levados às cortes europeias como símbolo máximo do país tropical. Elas são dóceis e aprendem a imitar a fala humana. Inteligentes, podem ser treinadas, e são conhecidas por socializarem com pessoas de qualquer idade.
Além de seu destacado papel na cultura, a arara-canindé tem uma importante função no ecossistema. Seus hábitos alimentares provocam a dispersão de sementes de várias espécies vegetais. Elas costumam deixar frutos abertos, semiconsumidos ou espalhados pelo chão, para outras espécies de aves e mamíferos.
Manutenção da floresta
As quatro espécies introduzidas pelo Refauna Tijuca são importantes na dispersão de sementes, essencial para a manutenção da floresta a longo prazo. Por terem diferentes hábitos alimentares e comportamentos, a diversidade de animais contribuirá ainda mais para a dispersão de sementes da flora do Parque.
Conforme a assessoria de imprensa do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) - que administra o Parque Nacional da Tijuca, quarta maior área verde do país, com 3.972 hectares, criado em 1961 - o trabalho do parque e dos pesquisadores da UFRJ será em etapas. Da aquisição dos animais à soltura na mata, serão no mínimo, seis meses. Já a reintrodução em si leva anos. Primeiro, será feito o levantamento dos animais disponíveis com parceiros, em cativeiros, a identificação do local onde eles serão adquiridos, para os trâmites de licenciamento ambiental e transporte das espécies. Serão construídos no parque ambientes de aclimatação para receber esses animais e garantir o período de adaptação até o processo de soltura.
O projeto vai monitorar as populações reintroduzidas para identificar se há sucesso no processo ou se será necessária uma complementação. Serão comparados os resultados anuais de germinação de sementes e diversidade de árvores em áreas com e sem as populações dos animais reintroduzidos. Isso porque as espécies reinseridas são fundamentais no processo de interação ecológica da floresta.