Moradora do Conjunto Habitacional Bento Ribeiro, Débora Silva começou sua relação com a música clássica no projeto Orquestra Maré do Amanhã (OMA), que leva em seu nome a favela onde ela nasceu. Corria o ano de 2011, e Débora tinha então 12 de idade. Aluna de uma escola em que a OMA atua, ela tomou um susto quando lhe perguntaram que instrumento gostaria de aprender. “Olhei para o violoncelo e nem pensei duas vezes. Quando cheguei em casa, comecei a estudar tudo sobre o instrumento na internet. Foi paixão à primeira audição. Passei a ouvir muito Bach, “O canto do cisne negro”, de Villa-Lobos, e muito Guerra-Peixe. O som orquestrado tocou tanto Débora que, no ano que vem, a violoncelista começa a fazer Licenciatura em Música na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Amanhã, quando a OMA estreia sua sede nova, na localidade da Baixa do Sapateiro, Débora, com certeza, vai lembrar de como o acaso a levou a uma intensa viagem musical. “Vai ser lindo”, diz ela, com sorriso aberto.
Sob a liderança de Carlos Eduardo Prazeres, a OMA vai contar com um prédio de dois andares. A edificação tem placas de captação de energia solar e reúso de água, a ser reaproveitada na jardinagem e limpeza. Nove salas com tratamento acústico exibem uma boa estrutura para se aprender música. As aulas de contrabaixo, violino, cello, viola e sopros serão ministradas paralelamente às de teoria musical. Um estúdio de gravação e uma sala de concerto completam o arcabouço sonoro. Quer dizer, há também algo alvissareiramente dissonante: uma sala exclusiva para atendimento psicossocial.
A sala de concerto tem 120 assentos, e a programação ali se dará todo domingo, com jovens da OMA fazendo harmoniosas tabelas com convidados como regentes e instrumentistas.
Carlos Eduardo Prazeres resolveu fundar a orquestra a partir de uma tragédia familiar. Seu pai, o maestro Armando Prazeres, sofreu um sequestro relâmpago e foi assassinado, em 1999, e o carro dele foi abandonado na Maré. “Meu pai gostava muito de levar a música para as favelas”, lembra Prazeres.
Como maestro da Orquestra Pró Música do Rio de Janeiro, destaca o filho, Armando Prazeres fez regências na própria Maré, na Rocinha, em Vigário Geral, em Manguinhos... “Na verdade, a OMA recupera o sonho do meu pai. Infelizmente, diferentemente dele, boa parte dos maestros não se preocupa em socializar a música clássica” diz ele.
A integração pela música na Maré frutificou. “Um dos nossos ex-alunos está estudando no Canadá”, conta Carlos, que, é claro, está ansioso com a estreia na casa nova. “Estaremos inaugurando a nossa casa própria. E manteremos as duas subsedes em escolas na Maré”, explica ele, acrescentando que os professores da orquestra também dão aulas na pré-escola na Maré, nos Espaços de Desenvolvimento Infantil, da administração municipal.
Já passaram pelo projeto OMA mais de três mil crianças e adolescentes, que agora terão uma sala de concerto à disposição. O investimento da nova sede, bancado por patrocinadores, ficou em torno de R$ 2,4 bilhões, incluindo no orçamento a própria compra do prédio.
Carlos Eduardo conta que a inauguração seria no dia 12 passado, mas três operações policiais em dias seguidos frustraram a estreia. “Até a obra dos últimos retoques teve que ser paralisada”, diz ele, sem querer interromper o sonho numa área onde os tiroteios insistem em causar um ruído nada bem-vindo ao potencial sonoro da Maré.