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Aos 52 anos, Teatro Casa Grande ganha selo comemorativo e estátua que reproduz o caracol de Ziraldo

Fotos CPDoc JB -
Em evento pelas Diretas Já, o dramaturgo Dias Gomes (de branco), Franco Montoro, Tancredo Neves, Barbosa Lima Sobrinho, Max Haus e a atriz Dina Sfat
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Era o ano de 1974. A eleição de 16 senadores pelo MDB e quatro pelo partido da situação, a Arena, foi uma vitória sacramentada pelas urnas para os que reagiam à camisa de força do regime militar. “Havia uma euforia no ar, a gente percebia que as pessoas queriam estar juntas, conversar, participar. Então eu disse ao Max: está na hora de fazer os debates, uma ideia que sempre esteve presente”, lembra Moyses Ajhaenblat, 83 anos, único dos quatro sócios do Casa Grande ainda em atividade, inaugurado como Café-Teatro em 1966, no Leblon, na Zona Sul da cidade.

Hoje, nos festejos pelos seus 52 anos, completados em agosto, a casa lança um selo comemorativo dos Correios, com o desenho de um caramujo, doado pelo frequentador assíduo Ziraldo, “uma casa viva, acolhedora e resistente”, descreve o artista. A imagem também virou uma escultura, com 1,40m de altura e 1,15m de largura, instalada ao lado da bilheteria da casa, em meio às comemorações.

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Em evento pelas Diretas Já, o dramaturgo Dias Gomes (de branco), Franco Montoro, Tancredo Neves, Barbosa Lima Sobrinho, Max Haus e a atriz Dina Sfat (Foto: Fotos CPDoc JB)

Naquele mesmo ano de 1974 estreava um marco do período “Tempo e contratempo”, show dirigido por Ruy Guerra. Na primeira parte, o MPB-4 interpretava músicas de Chico Buarque. “Na segunda, o próprio Chico apresentava o repertório da sua peça Calabar, apesar da censura”, relata Ajhaenblat. O engajamento político dos sócios — Max Haus (que coincidentemente significa Casa Grande, em alemão), Moyses Fuks e Sérgio Cabral (pai) — tinha uma razão de ser: “Sempre tivemos uma atuação política, desde a época do colégio, nos grêmios estudantis e diretórios, achávamos que a atividade política é obrigação de todo cidadão”, conta o sócio.

Na opinião de Ajhaenblat, o momento áureo da casa se deu durante o debate “Cultura Contemporânea”, do primeiro ciclo, realizado em 1975. “O teatro estava lotado, e as pessoas se amontoavam na calçada para ouvir o que era falado lá dentro, com o som amplificado por uma caixa de som instalada na rua”, recorda, com emoção. Embora os tempos sejam outros, Ajhaenblat completa: “Continuamos com o mesmo DNA. Buscamos promover um debate por mês, pelo menos, e seguimos como o território livre da democracia”, diz, referindo-se ao título cunhado por Tancredo Neves (1910-1985), que não chegou a assumir a presidência do país porque morreu após uma série de complicações pós-operatórias. Em relação aos tempos atuais, o sócio constata, com uma ponta de decepção: “Percebo desinteresse pelo campo político por parte daqueles que fazem cultura”.

Além de ter marcado a vida de várias gerações, o Casa Grande mantém a vocação de atrair o público mais jovem, tanto na plateia quanto no palco. Ali, foram revelados talentos como Lázaro Ramos, Wagner Moura, Vladimir Brichta e Gustavo Falcão, que se apresentaram no teatro, ainda em início de carreira, com o espetáculo “A máquina”. Em parceria com a Casa do Saber, o teatro voltou a promover este ano debates com o “Brasil em Pauta”, que trouxe à casa, em setembro passado, a economista Elena Landau e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso.

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A fachada do Teatro Casa Grande nos anos 1970, quando a casa se tornou um centro de debates pela anistia, pela volta da democracia e pelas liberdades (Foto: Fotos CPDoc JB)

Lula entra em cena

Em 1976, o segundo ciclo debateu Economia. Foi quando o Rio de Janeiro conhecia um metalúrgico que já começava a dar o que falar. Para uma plateia ávida por justiça social e liberdade, Luiz Inácio Lula da Silva alimentava um sonho de que seria possível atingir um ‘bem estar’ por todos os brasileiros. O ex-presidente já lutava incansavelmente pela anistia e pela volta da democracia. Durante a ditadura, por sinal, não faltaram à casa ameaças de fechamento, retaliações por telefone e boatos de bombas.

Já o ano de 1984 foi especialmente histórico para o Casa Grande. Tancredo Neves recebia ali, de artistas e intelectuais, o documento pelo fim da censura, o que o levou a batizar o teatro como o “território livre da democracia no Brasil”. Foi ali também que aconteceu a primeira reunião pelas Diretas Já, em 29 de julho de 1985, com Ulysses Guimarães e Teotônio Vilela. O então ministro da Justiça, Fernando Lyra, assinou na casa o decreto que acabava com a censura no país.

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O atual Casa Grande, após a reforma de 2013, quando foi assumido pela Oi (Foto: Reprodução)

Em 1997, as instalações originais foram destruídas por um grande incêndio, e o teatro só voltou a abrir 11 anos depois. E como a vocação do Casa Grande não se limitava à contestação, o palco também recebeu espetáculos como “O mistério de Irma Vap”, de Charles Ludlam, e “Confissões de adolescente”, de Maria Mariana, este um grande sucesso contestatório em termos de comportamento. Em 2013, após sérios problemas econômicos, o teatro passou às mãos da operadora Oi, quando uma reforma ampliou as instalações para mais de 900 lugares.

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Tancredo Neves recebe uma bitoca de Tônia Carrero sob o olhar de Franco Montoro, no evento realizado pelas Diretas Já (Foto: CPDoc JB)

Agora, às vésperas de o Estado do Rio empossar o governador Wilson Witzel, que promete abater criminosos que portem fuzis, Moyses Ajhaenblat deixa uma reflexão no ar: “Naquela época (na ditadura) se matavam pessoas devido à opção política. Hoje, depois de 33 anos de redemocratização e 15 de governos progressistas, não creio que haja espaço para barbaridades como essas. A história só se repete como farsa. E farsa o Casa Grande só gosta de ver no palco, encenada por uma bela e competente trupe de teatro.”

Fotos CPDoc JB - A fachada do Teatro Casa Grande nos anos 1970, quando a casa se tornou um centro de debates pela anistia, pela volta da democracia e pelas liberdades
Reprodução - O atual Casa Grande, após a reforma de 2013, quando foi assumido pela Oi
CPDoc JB - Tancredo Neves recebe uma bitoca de Tônia Carrero sob o olhar de Franco Montoro, no evento realizado pelas Diretas Já