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Guardiã da democracia

Biblioteca da Alerj, joia arquitetônica, tem 35 mil livros que contam história do país

Fotos de Rafael Wallace/Divulgação -
O salão central da biblioteca, aberto à visitação publica, com o desenho dos tacos, cristais bisotados e colunatas de madeira imbuia decoradas com folhas de café
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Nesses tempos em que pipocam temas como ‘Escola sem partidos’, sobre a valorização da educação à distância ou mesmo em que os valores democráticos são questionados, desponta um espaço praticamente desconhecido dos cariocas, a Biblioteca Maria Portugal Duque Costa, da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Joia arquitetônica do prédio inaugurado em 1926 como Câmara dos Deputados, quando o Rio de Janeiro ainda era a capital federal, o espaço guarda 35 mil livros que, de alguma forma, ajudam a contar a história da democracia no país.

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O salão central da biblioteca, aberto à visitação publica, com o desenho dos tacos, cristais bisotados e colunatas de madeira imbuia decoradas com folhas de café (Foto: Fotos de Rafael Wallace/Divulgação)

Nos tempos em que ainda não existia o Diário Oficial, todas as informações que passaram a constar deste veículo estão arquivadas nos jornais da época alojados na biblioteca. Este precioso acervo começa pelo Jornal do Commercio, de 1892 a 1930, passa pelo O Paiz e pelo Jornal do Brasil, e vai até 1937. Entre outras pérolas, integram o material a publicação da primeira Assembleia Constituinte do país, cuja comissão foi nomeada pelo decreto 29 de 3 de dezembro de 1889.

Hoje mais procurada por estudantes do ensino médio e funcionários públicos, a biblioteca, com 103 m² no salão principal, precedido de um hall de entrada de 103m², foi organizada pela primeira bibliotecária que lhe deu o nome, mãe do político Paulo Duque, um dos mais assíduos no espaço, que fez parte do grupo chaguista do MDB. Já um acervo de triste memória é a relação dos 148 deputados cassados pela ditadura militar, nas legislaturas de 1963 a 1977.

No período anterior à promulgação do Ato Institucional 2 (AI-2), em 1965, a maior vítima de cassações foi o PTB, que teve 27 cassados entre integrantes do velho partido criado por Getúlio Vargas, sigla mais tarde adotada por Ivete Vargas, que venceu a disputa com Leonel Brizola na reforma partidária de 1979 e perdeu suas origens getulistas. Depois do AI-2 os partidos foram extintos e a situação e oposição se dividiram entre Arena e MDB, respectivamente. A partir daí, as cassações se intensificaram. Se na legislatura de 1963-1967 foram afastados 46 parlamentares, o recorde foi batido em 1969, com 79 cassações. De 1967 a 1977 a liderança ficou com o MDB, com 68 baixas, enquanto na Arena, partido da situação, foram 27.

Claro que a preferência popular não tinha nada a ver com este tipo de violência cometida contra os parlamentares: entre eles havia um dos campeões de votos do país, Brizola (PTB-GB), que conquistou 269.384 eleitores na legislatura 1964, seguido por Alberto Marcelo Gato (MDB-SP), com 100.746 votos e Lysânes Maciel (MDB-GB), com 97.726, ambos da legislatura de 1976. Outros destaques foram Antonio Silvio Cunha Bueno (Arena-SP), com 93.862 votos em 1969, seguido por José Alencar Furtado (MDB-PR), com 86.413 votos em 1977, e Sebastião Paes de Almeida (PSD-MG), com 80.057, em 1966.

Obras raras

As maiores raridades do acervo, porém, nada têm a ver com política: “Epítome da Grammatica da Língua Portuguesa”, obra com 166 páginas de 1806, de Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro; e a “Consolidação das Leis Civis”, com 774 páginas, de 1896, de autoria de Teixeira de Freitas. Outra preciosidade é a Coleção Brasilianas – hoje já disponível em versão digital -, publicada de 1931 a 1993, com 415 volumes reunindo autores das mais diversas formações que se debruçaram sobre a formação brasileira, de Ruy Barbosa a Gilberto Freire.

Vale destacar a beleza do espaço, que no passado sediou a Sala de Leitura do legislativo federal. De estilo eclético, renascimento italiano, a maior preciosidade são os vidros de cristal bisotado nas duas faces, onde ficam os livros, emoldurados por colunatas confeccionadas com madeira imbuia – a mesma que reveste as paredes - decorada por folhas de café. O teto é de cachotões de estuque com os mesmos motivos decorativos presentes nos vasos gregos. O desenho dos tacos também é notável. O mobiliário original mistura confortáveis cadeiras de estilo napoleônico com manuelinas, e a varanda, de 61 m², de onde no passado era possível avistar o mar e hoje serve de depósito de parte do acervo, vai recuperar seu aspecto original em futura reforma, conforme a arquiteta efetiva da casa, Lenise Pereira da Silva. Só não haverá mais como ver o mar.

As visitas escolares têm de ser agendadas, porém, qualquer pessoa pode conhecer o espaço, basta chegar na portaria e solicitar uma visita guiada. Douglas Liborio, 23 anos, aluno da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), autor de uma monografia sobre a decoração do Palácio Tiradentes, está entre os guias.