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Saída de cubanos afeta 770 mil no Rio

Estado perderá 220 clínicos com fim de parceria com Cuba no Mais Médicos. Cada um tem 3.500 pacientes em média

Fotos de Marcos Tristão/JB -
Renata Silva (acima) teme ter seu tratamento interrompido com a saída de uma das duas médicas cubanas que atendem na clínica Fiorello Raimundo, em Realengo
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A notícia sobre o retorno antecipado de 8.300 médicos cubanos do programa “Mais Médicos” em todo o território brasileiro — 220 no Estado do Rio de Janeiro e 41 deles na capital — desagradou à dona de casa Renata Silva de Oliveira, de 36 anos. Ela é uma das 4 mil pacientes atendidas pela médica cubana Odális, na clínica da família Fiorello Raimundo, em Realengo, na Zona Oeste. Ao todo, o estado terá cerca de 770 mil pacientes afetados com a saída dos médicos cubanos que atuam em programas de saúde da família. Segundo supervisores do “Mais Médicos” no Rio, cada profissional atende, pelo menos, 3.500 pacientes. “Cheguei na clínica da família passando muito mal, com dor forte no abdômen, e a Odális foi a única médica que me passou exames que outros médicos jamais haviam me pedido. Foi a médica mais atenciosa que já conheci. É um absurdo ela ter que sair daqui. Só quem vai perder é a população”, reclama Renata.

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Renata Silva (acima) teme ter seu tratamento interrompido com a saída de uma das duas médicas cubanas que atendem na clínica Fiorello Raimundo, em Realengo (Foto: Fotos de Marcos Tristão/JB)

A unidade de saúde em Realengo onde Renata se trata dispõe de sete equipes de saúde da família. Cada uma delas conta com clínico geral, enfermeiro e técnico em enfermagem, além de sete a oito agentes de saúde da família — profissionais com ensino médio que residam nas localidades atendidas pela unidade. Cada grupo fica responsável por 3.500 a 4 mil pessoas. A saída de duas médicas cubanas da Clínica da Família Fiorello Raimundo vai impactar a vida de 7.500 pacientes. A falta de médicos ali é velha conhecida da população.

Das sete equipes de saúde da família da unidade, uma delas já está sem clínico geral há mais de um ano. “O médico é o único da equipe que pode fazer diagnóstico e prescrever medicação. Ele conduz e coordena todo o tratamento. As equipes não podem simplesmente não ter médicos. O máximo que os enfermeiros e técnicos podem fazer é aferir pressão arterial. Isso não é nada diante das necessidades da população”, reclamou um médico brasileiro, supervisor do programa, que não pôde ser identificado porque foi proibido de dar entrevistas.

No último mês de gravidez, a dona de casa Quely Cristina Alves Castro teme a interrupção do atendimento na reta final do pré-natal. Ela aguarda a chegada de seu terceiro filho. Nas duas últimas gravidezes, todo o acompanhamento foi feito com médicos cubanos. “Eu não tenho do que reclamar. Sempre foram ótimos comigo. A Odális é uma médica que faz uma consulta demorada. Pergunta tudo e pede uma série de exames. Na minha gravidez anterior, o doutor Marcos também foi muito profissional”, relembra ela, que recorre à unidade semanalmente.

De acordo com a Prefeitura do Rio, a cidade conta com 127 clínicos do “Mais Médicos”, sendo 41 deles cubanos — lotados nas unidades onde havia maior dificuldade de alocar profissionais. Essa característica da distribuição dos médicos feita pela prefeitura não surpreende à dona de casa Lucineide Caldeira, de 49 anos. Moradora de Senador Camará, ela convive há anos com o desinteresse dos terapeutas brasileiros em trabalhar na região, conhecidamente violenta. “Ficamos alguns anos com um médica cubana maravilhosa que se chamava Odila. Depois que ela voltou para Cuba [cada ciclo da missão humanitária dura três anos], entraram médicos brasileiros no lugar que ficaram pouquíssimo tempo. Entravam e saíam [da Clínica da Família Kelly Cristina de Sá Lacerda]. Recentemente, estamos sendo atendidos por um outro médico. Estamos nos adaptando”, conta Lucineide, ao lado da filha Ana Vitória.

Na mesma unidade, Gracinda Pereira Pires, de 77 anos, queixa-se das carências da unidade. “Minha consulta estava marcada há três meses. Cheguei às 8h e descobri que a médica que me atenderia foi demitida. Não tinha médico para mim. Como eu estava passando mal, me deram remédios. O mais importante é ter um médico que faça nosso acompanhamento”, reclama ela, que é hipertensa e diabética.

Supervisora do Programa “Mais Médicos” da Área de Planejamento 5 (que compreende a Zona Oeste da cidade) de agosto de 2013 a outubro deste ano, a médica Thaís Façanha conta que a violência é um dos fatores que mais dificultam a permanência dos médicos brasileiros nos postos. “Muitas unidades não conseguiam manter médicos brasileiros em áreas de risco. Foi o caso da Vila Kennedy [na Clínica da Família Wilson Mello Santos], muito alvejada. Passava mais tempo fechada do que aberta, por conta da violência. Lá o atendimento é feito por dois cubanos”, conta Thaís.

Sem previsão de reposição

Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde informou, em nota, que “a orientação do Ministério da Saúde do Brasil é que os médicos mantenham sua atividades até que o processo de retirada dos profissionais seja organizado”. Sobre a previsão de substituição dos profissionais para minimizar impactos no atendimento da população, a secretaria informou que “ainda não há previsão de reposição dos profissionais, uma vez que não há edital aberto para preenchimento de vagas do programa “Mais Médicos” e que “os médicos que estavam sendo desligados por terminarem a missão já não estavam sendo repostos”.