ASSINE
search button

Cinco pessoas morrem em ação na Maré

ONG diz que acordo judicial foi violado, mas PM alega que agiu dentro da lei

Estefan Radovicz -
Burro sem rabo leva o corpo de Willian Figueira de Oliveira: mulher afirma que ele era professor, mas polícia diz que vítima tinha anotação por porte de arma de uso restrito
Compartilhar

A despeito de ações judiciais com exigências de protocolos em ações policiais na Favela da Maré e em comunidades em geral, a Maré voltou a ter dias de terror. A ação da Polícia Militar (PM), ocorrida na madrugada de ontem, teve como consequência cinco mortos e quatro feridos. A operação pode ter entrado em choque com uma liminar da Justiça do Rio, obtida em junho de 2017 pela Defensoria Pública, que determina regras para a entrada de forças de segurança nesta comunidade. Entre as exigências na ordem judicial ainda em vigor, estão um sistema de monitoramento com câmeras, GPS e áudio em todas as viaturas da PM, a presença compulsória de ambulâncias nas operações da PM, a proibição dessas incursões nos horários escolares e da realização de cumprimento de mandados judiciais no período noturno. Há ainda uma nota de instrução da Secretaria estadual de Segurança (Seseg) com diretrizes para diminuir a letalidade em áreas periféricas.

Ao justificar a intervenção na Maré, o major Ivan Blaz, relações públicas da PM, baseou-se na nota de instrução e não na liminar vigorante. “A Polícia Militar é signatária da ação civil pública promulgada pela população da Maré em conjunto com a Defensoria Pública e que foi chancelada pela Seseg em nota de instrução. Nela, não há vedação a ação à noite. O que há, assim, é o estabelecimento de orientações de segurança, como, por exemplo, evitar operações em horário escolar, evitar operações sem que haja acionamento prévio da rede hospitalar próxima”, disse o porta-voz.

Macaque in the trees
Burro sem rabo leva o corpo de Willian Figueira de Oliveira: mulher afirma que ele era professor, mas polícia diz que vítima tinha anotação por porte de arma de uso restrito (Foto: Estefan Radovicz)

Lidiane Malanquini, coordenadora do do eixo de Segurança Pública da ONG Redes Maré, disse que agentes da PM chegaram à Maré meia-noite e meia de ontem e só saíram de lá às 17h. “Houve relatos de invasões de domicílio. Policiais, que alegam que receberam denúncias, ficaram muitas horas em uma comunidade na qual também há grupos armados”, disse ela, ressaltando que o tempo de permanência das tropas da PM ali aumenta o potencial de conflitos.

As duas determinações judiciais têm diferentes contextos. A utilizada pelo relações públicas da PM foi acolhida pela Seseg em outubro de 2018, após a juíza Ana Cecília Argueso, da 6ª Vara de Fazenda Pública, ordenar novas diretrizes para ações policiais em favelas. A juíza havia sido provocada pela Defensoria Pública, em virtude de uma ação com o mórbido saldo da incursão da PM na Maré no último dia 20 de junho, quando houve sete mortes. Entre os óbitos, o do estudante Marcus Vinícius da Silva, de 14 anos, escandalizou o país, já que ele levou um tiro de fuzil pelas costas, a caminho da escola.

A outra determinação policial data de 27 de junho de 2017, quando a mesma juíza Ana Cecília Argueso acolheu ação civil pública de ONGs da Maré (Redes e Luta pela Paz) para mudar a forma como as forças de segurança vinham entrando na Maré, onde há 16 localidades. O espírito da liminar é, ao exigir câmeras nas viaturas, de dar maior transparência às operações policiais.

Macaque in the trees
PM intimida morador (Foto: Estefan Radovicz)

Os mortos na operação na Maré são: Marcos Paulo Motta, de 25 anos, que passeava com o cachorro quando foi atingido e não tinha anotações criminais; Raul Seixas Pereira Leonildo Vianna, de 25, com duas passagens pela polícia; Thiago Ramos Pereira da Costa, de 18, que não tinha anotações criminais; Willian Figueira de Oliveira, de 36, com uma anotação por porte de arma de uso restrito, mas que, segundo a mulher, seria professor de física; e Maria José da Silva Videira, que seria uma moradora. Foram ainda feridos na ação um menor, de 14 anos; Johnson Vinicius Guimarães Ferreira, 28, que acumula quatro crimes; Rodson Soares Gomes, 30, o MC Rodson, com três passagens pela polícia; e Adailton da Silva Mourão, de 18.

Governador eleito comenta ação

O governador eleito Wilson Witzel, que não foi ao debate entre os candidatos realizado na Maré durante a campanha, afirmou, ao comentar a ação policial, que “qualquer um em desacordo com a lei tem que ser punido.” Mas fez um complemento: “Ninguém vai sair por aí matando ninguém, mas os criminosos não podem ficar ‘sambando na cara’ da sociedade”.

Ontem, de acordo com sua assessoria de imprensa, a Defensoria Pública do Rio afirmou que vai se pronunciar sobre as ocorrências na Maré após uma análise aprofundada. A Defensoria, contudo, fez questão de frisar que a liminar com protocolos para ações da Maré está valendo.

Três adolescentes mortos

Em quatro dias, três menores foram mortos no Rio, vítimas de balas perdidas. Thiago de Souza Mendonça, de 14 anos, foi baleado na sexta-feira, quando lia numa praça na Cidade de Deus, e morreu no sábado. Wanderson Salustiano de Souza, de 16, morreu durante tiroteio no Morro da Fé, na Vila da Penha, dentro da casa de uma tia, quando fechava a janela para se proteger, no sábado. E no domingo, um adolescente de 17 anos, não identificado, morreu em Manguuinhos.

Estefan Radovicz - PM intimida morador
Tags:

Marte | mozart | rio | viol?ncia